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Síndrome de alienação parental: Pontos de divergência/convergência

A SAP é a denominação dada por Gardner a um fenómeno que ocorre com grande frequência (Silva, 2003) e que consiste numa perturbação grave, cuja manifestação primária surge quando uma criança, injustificadamente, inicia um processo de exacerbada rejeição relativamente a um dos progenito- res, denegrindo a sua imagem (Warshak, 2001). Trata-se de um distúrbio que emerge, sobretudo, em contexto de disputa da custódia do menor, e em que se verifica uma espécie de “programação” da criança, accionada pelo progeni- tor alegadamente mais amado, com o objectivo de denegrecer a imagem do outro. O termo “programação” é aqui usado como sendo uma planeada “la-

Laura M. Nunes

vagem cerebral” que visa a absorção ou a incorporação de respostas e atitu- des automáticas (Gardner, 1998).

Tipicamente, nestas situações, verifica-se a combinação dos contributos da própria criança com as influências exercidas pelo progenitor preferido. O clima de rejeição em relação a um dos progenitores e o acto de denegrir a sua imagem não ocorrem de forma ocasional e irregular, mas antes mediante um padrão repetitivo e persistente, como se de um processo de aprendiza- gem se tratasse (Silva, 2003). Por outro lado, esse comportamento do menor não se coaduna com a conduta do progenitor alienado, não parecendo justi- ficável. Além disso, a situação é, pelo menos parcialmente, resultante da in- fluência do progenitor preferido. É de salientar que, se alguma destas condi- ções não estiver presente, não será possível emitir o diagnóstico de SAP (Warshak, 2001). Acrescente-se que se pode considerar a SAP como uma “síndrome familiar”, em que cada um dos intervenientes acaba por ter uma participação ou uma “responsabilidade relacional” na edificação de um tal quadro patológico, no qual o progenitor alienado tende a ser percepcionado como “vítima passiva”, e não como participante numa dinâmica familiar es- pecífica (Bolaños, 2008).

Assim, a influência exercida sobre a criança vem, frequentemente, aliar- se à pouca vontade daquela em estar com o progenitor não titular da sua guarda. Uma tal situação pode prolongar-se durante anos, com gravíssimas consequências para a criança, quer em termos comportamentais, quer ao ní- vel psicológico. Neste quadro, o progenitor alienante é aquele que influencia a criança no sentido de a afastar do outro progenitor, o alienado. É importan- te assinalar que a situação de afastamento de um progenitor, por influência nefasta do outro, é designada por Alienação Parental. Já a SAP diz respeito à constelação de sinais e de sintomas, comportamentais e emocionais, exibidos pelo menor que aliena um dos progenitores, sob manipulação do outro (Fon- seca, 2006). Efectivamente, essa sintomatologia decorre de um processo de “triangulação” relacional que se considera como uma forma pouco conhecida de mau-trato, exercida sobre o menor (Segura, Gil, e Sepúlveda, 2006; Sure- da, 2004). A gravidade da SAP pode ser tal que, não raras vezes, conduz a comportamentos extremos por parte do menor, como o recurso a falsas e gra- ves acusações proferidas a respeito do progenitor alienado (Romito, 2007), num registo em que se verifica, também, o risco de desenvolvimento de pertur- bações emocionais ou de outras desordens mentais (Johnston e Kelly, 2004). De facto, estas manifestações são altamente “tóxicas”, a ponto da relação com ambos os progenitores se tornar impossível ou contraproducente para a crian- ça (Dunne e Hedrick, 1994).

Síndrome de alienação parental: Revisão teórica

Na verdade, alguns profissionais da área do Direito rejeitam a ideia de que tal situação seja uma síndrome, alegando que, medicamente, uma síndro- me corresponde a uma constelação de sintomas que surgem simultaneamente, caracterizando uma determinada patologia. Verificam-se, também, posturas de não reconhecimento da SAP, que é apontada como um quadro não consi- derável no foro dos Tribunais (Walker, Brantley, e Rigsbee, 2004), pelo menos até que se desenvolvam estudos que forneçam um sólido suporte científico (Turkat, 2002). No entanto, os sintomas dessas situações vão-se agrupando progressivamente em torno de uma etiologia comum ou de uma causa predo- minante. Salientem-se, ainda, as evidências de que na maior parte dos casos, senão em todos, se verifica a emergência conjunta de sinais e de sintomas (Gardner, 2002a). Não obstante, há quem rejeite os argumentos de Gardner alegando que, ao invés de tais sintomas constituírem uma sequência lógica e interligada, apenas indiciam uma certa contiguidade entre a manifestação e a síndrome interpretada em termos médicos (Escudero, Aguilar, e de la Cruz, 2008). Contudo, é indubitável a ocorrência destes fenómenos, que acarretam graves consequências, pelo que não faz qualquer sentido negar a existência de uma síndrome que, claramente, se apresenta como uma forma mal adapta- da de lidar com uma situação de separação. De facto, a SAP é uma perturba- ção que emerge num contexto específico e que obedece a um processo resul- tante da combinação de uma planeada “programação ou lavagem cerebral”

(progamming brainwashing) por parte do progenitor alienante sobre a crian-

ça, com o próprio contributo desta última no sentido de alienar o outro proge- nitor (Gardner, 2002a).

Ora, a negação de um tal fenómeno levanta problemas, na medida em que se torna impeditiva de qualquer movimento no sentido de acudir ao qua- dro de sofrimento entretanto gerado (Gardner, 2002a), quer no menor, quer no progenitor alienado, quer mesmo no alienante. Efectivamente, às eventuais fragilidades do menor, juntam-se as posições de ambos os progenitores, alie- nante e alienado, como elementos que contribuem para a instalação do pro- blema (Johnston, 2003; Kelly e Johnston, 2001). Então, nos Tribunais impõe- se a necessidade de se apelar a perícias que permitam uma maior compreensão deste fenómeno, cuja complexidade não se compadece com lei- turas lineares, exigindo abordagens mais profundas e rigorosas (Alascio, 2008). Atente-se, também, à não menos importante necessidade de se recor- rer a processos de mediação familiar assentes em perspectivas de cariz psico- jurídico, com um enfoque afectivo que, mais do que facilitadores da negocia- ção, promovem um contexto familiar cooperativo (Bolaños, 2002). Para tanto, torna-se imperativa a identificação das características mais proeminentes da

Laura M. Nunes

síndrome, reconhecendo-lhe sistemática e atempadamente os sinais e os sinto- mas.