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Gravidade da síndrome de alienação parental

Baseado no seu trabalho com famílias nas quais foi observando a mani- festação da SAP, Gardner (2004a) categorizou esses núcleos familiares em três grandes grupos, em função da gravidade dos sintomas e de acordo com a seguinte categorização:

(i) Os casos severos da SAP seriam aqueles em que o progenitor alienante se mostrava “fanático” e obcecado com a perseguição ao outro progenitor, re- correndo a qualquer tipo de manobra para alcançar os seus fins. Em certos casos, verificava-se um registo de pensamento paranóico, muito focalizado no outro progenitor. Porém, noutras situações, a paranóia não se circunscrevia apenas ao outro genitor, sendo mais generalizada. Muito frequentemente, o progenitor alienado era visto como possuidor das características negativas que o próprio alienante possuía, mas que, não reconhecendo em si, projecta- va no outro. Era comum que o progenitor alienante se auto-percepcionasse como vítima inocente das características nefastas que atribuía ao outro. Por is- so, nestes casos, o progenitor alienante não respondia logicamente a confron- tações realistas ou racionais que pudessem denunciar o sistema instalado pelo próprio. Nestas situações, a criança era igualmente “fanática”, manifestando claros comportamentos de rejeição e de intensa hostilidade que chegavam a inviabilizar os contactos com o progenitor alienado. Este registo comporta- mental podia mudar gradualmente quando, por ordem do Tribunal, a criança passasse um período considerável com o progenitor alienado e longe da in- fluência do alienante;

ii) Nos casos moderados da SAP, o progenitor alienante não exibia o “fa- natismo” típico das situações mais severas, mas antes um claro estado de per- turbação que poderia ser do foro psiquiátrico. A raiva era predominantemen- te evidenciada, embora com menos violência e mais contraditória, sendo de carácter muito depreciativo em relação ao genitor alienado. Era frequente a existência de uma grande criatividade em gerar situações oponentes aos con- tactos entre a criança e o outro progenitor. A criança, também menos obceca- da do que nos casos mais severos, manifestava-se muito hostil, mas as suas campanhas para denegrir o genitor alienado tendiam a esbater-se quando se encontrava sozinha com ele. Nestas situações, era frequente que as crianças mais novas necessitassem do apoio dos irmãos mais velhos para sustentar a

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campanha de hostilidade e de rejeição do genitor alienado. Assim, a criança mais nova era, frequentemente, um elemento que procurava mimetizar a con- duta hostil e agressiva do irmão mais velho. Contudo, mesmo nestes casos, as crianças tendiam a alienar um dos progenitores para manter os laços que as uniam ao progenitor preferido;

iii) Os casos leves da SAP eram aqueles em que, geralmente, o genitor alienante era o que havia estabelecido laços relacionais muito consistentes com a criança. Nestas situações, sentiam-se ligeiras contribuições para que a criança rejeitasse o outro. Quase sempre, eram pessoas que se haviam dedi- cado muito à criança, sobretudo nos primeiros anos de vida, desenvolvendo uma ligação afectiva muito forte com o filho. Por vezes, a criança desenvolvia comportamentos de relativa hostilidade para com o genitor alienado, essen- cialmente motivados por razões que se prendiam com a necessidade de ma- nutenção da relação privilegiada com o genitor alienante. No entanto, nestes casos, as crianças manifestavam sinais de alguma ambivalência relativamente ao seu comportamento para com o progenitor alienado, mesmo na presença do alienante.

A par desta classificação da gravidade, Gardner (1991) apresentou uma proposta para prevenir o desenvolvimento da SAP. Segundo o autor, deveriam ter-se alguns cuidados nos processos de disputa de custódia da criança, uma vez que parecia ser essa a situação em que mais ocorria a manifestação da síndrome. As recomendações de Gardner foram no sentido de que a criança fosse dada à guarda do progenitor com o qual houvesse uma relação mais consistente e próxima. Como o mais frequente é que sejam as mães quem, ge- ralmente, dedica mais tempo à criança nos seus primeiros anos de vida, o au- tor sugeriu que a mãe fosse a figura parental que, preferencialmente, ficasse com a guarda da criança. Contudo, a guarda do menor deveria ser atribuída ao pai nos casos em que tivesse sido ele a estabelecer um vínculo mais consis- tente com o menor.

No entanto, Gardner chamou a atenção para o facto de que esses laços não deveriam ser apenas consistentes mas, sobretudo, saudáveis. Na verdade, um progenitor obcecado pela criança e com uma ligação fusional com a mes- ma não constituiria a melhor opção (Gardner, 1991). Assim, seria fundamen- tal analisar cuidadosamente as características das relações estabelecidas com o menor, através da observância de algumas linhas orientadoras a considerar nos processos de atribuição de custódia. Nomeadamente, deveria observar-se uma ligação psicológica forte e saudável com o genitor ao qual se atribuiria a custódia, mas, à medida que a idade da criança fosse aumentando, deveria atender-se à necessidade de contemplar outros factores que não apenas o pa-

Laura M. Nunes

drão de vinculação primária. Dever-se-ia, também, considerar a capacidade de orientação e de dedicação do progenitor à criança, privilegiando-se aque- le que demonstrasse mais competências e condições para atender a todas as necessidades do menor. Por outro lado, os valores e o desenvolvimento moral dos progenitores seriam também alvo de atenção, através de uma avaliação em termos do estilo de vida, da honestidade, da sensibilidade, dos laços so- ciais e de outras características que indiciassem os valores e os códigos de conduta de cada um dos progenitores. Evidentemente, o autor também apon- tou a disponibilidade para acompanhar a criança como um dos parâmetros a analisar, bem como o comprometimento do progenitor em relação ao proces- so educativo do menor. Logicamente, a capacidade de garantir todos os cui- dados de saúde física e mental à criança constituiu outra das exigências, a que o autor acrescentou a capacidade e a vontade de cooperação com o ou- tro progenitor, relativamente a tudo quanto dissesse respeito ao menor. As competências, a abertura e a receptividade comunicacionais deveriam ser igualmente consideradas, a par do compromisso de garantia da gratificação das necessidades do menor, como a alimentação, o vestuário e a saúde, e to- das as outras que se prendem com um pleno desenvolvimento da criança e com o apoio de que ela carece para resolver os seus problemas (Gardner, 1999; 2004a).

Esta análise cuidada era, segundo Gardner, imperativa para que se pre- venissem situações de favorecimento do desenvolvimento da SAP. Acrescente- se que, segundo Bow, Gould e Flens (2009), este fenómeno continua a carecer de mais investigação, tendo em vista a sua melhor compreensão, para que se alcancem melhores medidas interventivas e preventivas.

Considerações finais

Após a apresentação da SAP e dos seus sintomas e sinais mais relevantes, parece ter ficado clara a complexidade do fenómeno e a gravidade das suas consequências. São situações que se apresentam em diferentes graus de inten- sidade, constituindo fonte de sofrimento para todos os elementos do sistema familiar e conduzindo a graves, persistentes e profundas sequelas na criança, bem como em ambas as figuras parentais.

As medidas apontadas como preventivas parecem ser pertinentes, mas podem suscitar a colocação de algumas questões: uma delas prende-se com o facto da SAP se manifestar mais frequentemente em situações de divórcio com disputa da custódia da criança, mas pode questionar-se se não haveria já um

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registo relacional disfuncional no sistema familiar. Na verdade, pode até pon- derar-se a possibilidade de haver uma maior frequência e intensidade da ma- nifestação da síndrome durante e após o processo de disputa de custódia, sem esquecer a hipótese de que o problema possa ter começado ainda antes desse processo, de forma mais ou menos insidiosa. Então, a prevenção deveria co- meçar antes de se iniciar o processo de separação do casal. Para tanto, teria de haver forma de identificar os primeiros sinais de uma relação disfuncional no seio da família. Ora, embora de difícil identificação precoce, a SAP apre- senta alguns sinais prematuros que, de acordo com Gardner, podem ser iden- tificados. Aqui, mais uma vez, parece ser a escola, enquanto instância de so- cialização onde a criança passa uma grande parte do seu dia, a instituição com possibilidade de reconhecer, sinalizar e encaminhar os casos em que ha- ja suspeita de algum problema. É incontestável que quase tudo começa na es- cola: a formação, o alargamento do universo social e dos sistemas de normas e de valores, e até a manifestação de certos problemas. Por isso, a escola de- veria ser mais investida de técnicos de diferentes áreas que, em articulação com o pessoal docente e não docente, procurassem capturar e acudir atempa- damente a esta e a outras situações não menos problemáticas.

Por outro lado, parece estar presente no discurso de Gardner uma cha- mada de atenção relativamente ao funcionamento dos Tribunais que, socor- rendo-se de diferentes áreas do saber, devem atender a uma análise profunda e pormenorizada de cada caso. O Direito exige abertura a outras áreas do conhecimento que, necessariamente, se cruzem em decisões determinantes da vida das pessoas. Afinal, na SAP como noutras situações, estão em causa aqueles sobre os quais se exerce, de maneira mais ou menos explícita, uma forma grave de violência.

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PARENTAL ALIENATION SYNDROME: THEORETICAL REVIEW