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Estatuto, postura e tom emocional do entrevistador na introdução de sugestão

Considera-se que estamos perante um efeito de viés do entrevistador quando este apresenta determinadas convicções e, em função destas, molda a entrevista à testemunha de forma a obter respostas que sejam consistentes com aquilo que acredita ser verdadeiro ou correcto. Por outras palavras, o viés do entrevistador leva a que todo o processo de interrogatório seja orientado por crenças, evitando os procedimentos que possam gerar informações inconsis- tentes (Bruck, Ceci, e Melnik, 1997; Ceci e Bruck, 1993).

As investigações que se têm dedicado ao estudo do efeito do viés do en- trevistador no relato verbal de crianças têm enfatizado que aquele é responsá- vel por uma diminuição significativa da qualidade das respostas das crianças, distorcendo-as no sentido do viés introduzido (Ceci e Bruck, 1999). De facto, parece haver influência não só do tipo de informações e dos conhecimentos prévios mas também das expectativas e das interpretações de cada entrevista- dor na formulação de questões e consequentemente no grau de sugestionabili- dade das crianças (Goodman e Melinder, 2007). Saliente-se que o viés do en- trevistador influencia não só a forma e o conteúdo das questões (e.g., perguntas sugestivas do tipo: “ficaste com medo, não ficaste?”), mas também

O poder da sugestionabilidade interrogativa na distorção mnésica de crianças

toda a organização da entrevista, introduzindo um conjunto de componentes e características no processo de interrogatório com um potencial sugestivo ele- vado (Goodman e Melinder, 2007).

A vulnerabilidade à sugestão evidenciada pelas crianças parece de- pender da sua percepção do grau de credibilidade e de autoridade do en- trevistador. É sabido que as crianças, e principalmente as muito novas, têm uma tendência para confiar em figuras adultas ou com estatuto de autori- dade, mostrando-se geralmente colaborantes e tentando corresponder às suas expectativas em situações de interacção social (Ceci, Ross, e Toglia, 1987).

Alguns estudos têm mostrado que as crianças cedem mais facilmente à su- gestão quando esta é introduzida por adultos do que quando o é por outras crianças. O elevado grau de confiança que os adultos suscitam nas crianças encontra-se bem reflectido na sua tendência para colaborarem e darem res- postas concretas, mesmo quando lhes são colocadas perguntas vagas ou com conteúdos bizarros. Contudo, este efeito parece diminuir se, previamente, as crianças forem avisadas de que o entrevistador pode tentar enganá-las, o que coloca em relevo o impacto do tipo das instruções e das expectativas que estas geram nas crianças (Roebers e Schneider, 2005). Seria também de esperar que, se o entrevistador deixasse clara a possibilidade de a criança responder “não sei” se observasse menor aceitação de sugestão. Neste caso, os resulta- dos não têm sido uniformes (Moston, 1987).

A influência da percepção das crianças acerca do conhecimento prévio do entrevistador sobre o episódio por elas relatado está bem patente num es- tudo desenvolvido por Hembrooke, Toglia e Ross (1991, citado por Bruck et al., 1997). Neste estudo os autores revelam que as crianças evidenciam maior sugestionabilidade quando acreditam que a pessoa que as está a en- trevistar está familiarizada com o conteúdo das perguntas. Num outro estu- do, realizado com crianças em idade pré-escolar, Tobey e Goodman (1992) obtiveram resultados que reforçam a importância do estatuto e do poder que o entrevistador transmite às crianças. Neste estudo todas as crianças partici- param num jogo com uma das investigadoras, que lhes foi apresentada co- mo sendo uma “baby-sitter”, sendo entrevistadas acerca deste episódio onze dias mais tarde. A metade das crianças as perguntas foram colocadas por um polícia, que lhes disse previamente estar muito preocupado por algo de mau poder ter acontecido quando brincaram com a “baby-sitter”, enquanto que a outra metade das crianças foi questionada por um entrevistador que conduziu o interrogatório num tom neutro. Os relatos das crianças pertencen- tes à primeira condição foram menos fidedignos e incluíram várias informa-

Alexandra Q. Cunha, Pedro B. Albuquerque, Teresa Freire

ções falsas decorrentes da sugestão introduzida pelo polícia. Um outro resul- tado interessante é o de que as crianças mostram maior vulnerabilidade à su- gestão quando são entrevistadas por figuras de autoridade que lhes são es- tranhas, do que quando o são por familiares (Goodman, Sharma, Golden, e Thomas, 1991, citado por Ceci e Bruck, 1993). O confronto com entrevista- dores distintos em diferentes entrevistas acerca de um mesmo evento parece gerar um elevado grau de distorção mnésica, tanto em crianças como em adultos (Bjorklund et al., 2000).

Numa outra linha de investigação, alguns autores elaboraram procedi- mentos que permitiram analisar o desempenho das crianças em condições de menor pressão social. Nestes estudos, a criança respondia a questões num computador ou segredava as suas respostas a um “urso de peluche”. Ao con- trário do que seria de esperar, este tipo de procedimentos, em que a criança não tem que enfrentar directamente as exigências situacionais da presença di- recta de uma figura de autoridade, não melhorou a qualidade dos relatos ob- tidos, nem promoveu uma maior resistência à aceitação das sugestões (Roe- bers, Howie, e Beuscher, 2007).

Resumindo, apesar de as instruções dadas no momento em que as crianças respondem ao interrogatório feito por adultos poderem atenuar o impacto do estatuto do entrevistador nos seus testemunhos, parece seguro afirmar a influência decisiva do grau de confiança que as crianças geral- mente manifestam relativamente a adultos. No entanto a sua percepção acerca da credibilidade, conhecimentos e autoridade do entrevistador, in- fluencia também as suas respostas e testemunhos, na medida em que estas tendem a ir ao encontro das expectativas e do viés patentes no processo de questionamento.

Durante uma entrevista é inevitável o uso de linguagem não-verbal pelo entrevistador e, consequentemente, que as suas perguntas tenham patente en- toações e conotações emocionais. O tom emocional das perguntas é rapida- mente percebido pelas crianças que tendem a moldar-se e a agir de acordo com o que percepcionam ser esperado (Ceci e Bruck, 1999). Por outro lado, o uso de reforços, tais como “vais-te sentir melhor se disseres”, “não tenhas medo de dizer” ou “és muito corajoso(a) se contares”, quando introduzidos com frequência e acompanhados de um tom insistente, pode levar as crian- ças a confirmar e a produzir informações falsas (Goodman, Wilson, Hazan, e Reed, 1989, citado por Bruck et al., 1997). Apesar de haver um número elevado de estudos que apontam neste sentido, alguns resultados não são consensuais, podendo algumas divergências dever-se aos diferentes contex- tos das experiências e também ao próprio conteúdo das perguntas que vão

O poder da sugestionabilidade interrogativa na distorção mnésica de crianças

desde temáticas de abuso sexual a assuntos relativamente neutros (Ceci e Bruck, 1999).

Thompson e colaboradores (1997) realizaram um estudo com crianças de 5 e 6 anos de idade em que, após a exposição a alguns acontecimentos, os participantes eram questionados por entrevistadores que expressavam as suas perguntas num tom agressivo e acusatório, afirmativo mas não acusatório, ou neutro. Quando questionadas por um entrevistador neutro, as crianças forne- ceram mais informações correctas. No entanto, quando as sugestões do entre- vistador não correspondiam à situação realmente observada e quando o en- trevistador usava um tom mais agressivo, verificava-se que os relatos das crianças iam ao encontro das sugestões e crenças dos entrevistadores (Thomp- son et al., 1997). O impacto da tonalidade emocional do entrevistador e da entrevista no grau de aceitação da sugestão durante um questionário pare- cem, de facto, ser determinantes. Inúmeros estudos têm mostrado que, quando o entrevistador assume uma postura distante, pautada por comportamentos agressivos ou por atitudes confrontativas, gera uma pressão social mais forte e uma maior distância interpessoal com o entrevistado (Gudjonsson e Clark, 1986), inflacionando consequentemente, os seus níveis de sugestionabilidade interrogativa (Gudjonsson, 2004).