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Análise da medida política que institucionaliza o CNECV

CAPÍTULO IV – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA BIOÉTICA EM PORTUGAL – ESTUDO

4.10 A Institucionalização da Dimensão Governamental da Bioética

4.10.2 Análise da medida política que institucionaliza o CNECV

A formulação do problema e agendamento da criação de um Conselho Nacional de Bioética, foram desencadeados pelo tema da reprodução medicamente assistida, esta necessidade “fez-se logo notar no decurso dos trabalhos da Comissão, criada pelo Ministro da Justiça, em 14 de abril de 1986 e encarregada de preparar entre outros, um projeto legislativo sobre reprodução medicamente assistida, que de facto foi apresentado em 27 de julho de 1987. Perante a complexidade dos problemas éticos levantados durante a preparação desse documento, sentimos, nessa Comissão, a falta de um mais amplo e permanente fórum de estudo e discussão transdisciplinar sobre a dimensão ética das novas tecnologias” (Archer, 1996).

A formulação da medida política que vinha a criar o CNECV teve múltiplas origens. A questão relacionada com a falta de unanimidade quanto ao desenho e composição do Conselho é tão antiga quanto a história da Bioética em Portugal e fez- se logo sentir no momento da formulação da medida política que viria a institucionalizar o Conselho de forma estruturada. Podemos constatar de seguida, que apesar da unanimidade quanto à independência e isenção do Conselho, todos os projetos apresentados diferem quanto ao desenho institucional e as grandes divergências nas discussões parlamentares assentavam sobretudo no seu desenho, sobretudo composição e forma de nomear os seus membros:

O primeiro, sob orientação do Prof. Luís Archer, “surge logo na sequência da necessidade sentida aquando da criação de um projeto legislativo sobre reprodução medicamente assistida. Na sua composição, o presidente e 4 dos seus 20 membros

Conselhos de Ministros. “Vicissitudes governamentais impediram que esse projeto tivesse seguimento”. (Archer, 1996).

O segundo surge em 1989, através de 10 deputados do grupo parlamentar do partido socialista através da apresentação de um “projeto-lei 420/V para criação de um “Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida”. Na composição tinha 5 dos seus 14 membros nomeados pelo Presidente da República e funcionaria junto da Assembleia da República. Esse projeto foi apresentado nesse mesmo ano a 29 de

junho. A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias104.

Havia unanimidade sobre importância e oportunidade de criação do Conselho, mas propôs-se que se desse ao Governo uma quota mais significativa na designação de membros do Conselho, se alargasse o seu número e o elenco de entidades que o designam, pondo-se também em dúvida a conveniência do funcionamento do Conselho junto da Assembleia da República” (Archer, 1996).

Em terceiro lugar e “nesse mesmo sentido foi aprovada pelo Governo, em reunião do Conselho de Ministros de 26 de outubro de 1989, a Proposta de Lei nº 125/V, para a criação de um Conselho Nacional de Bioética, a funcionar junto da Presidência do Conselho de Ministros e constituída por 18 membros, além do Presidente, designado este pelo Primeiro - Ministro, esta proposta de lei foi

apresentada à Assembleia da República em 21 de dezembro de 1989105”. (Archer,

1996) in (Neves, 2002).

O parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre esta proposta, emitido em 24 de janeiro de 1990, interrogava-se se, “para um órgão que se pretende isento e independente, não seria excessivo o número de membros nomeados pelo Governo e por entidades dependentes de vários ministérios. Estranhava-se que na escolha dos vários membros, não se tivesse em conta as principais correntes éticas e religiosas da nossa sociedade” (Archer, 1996) in (Neves, 2002).

Superadas as dificuldades entre o Projeto de Lei nº 429/V (PS) e a Proposta de Lei 125/V, o Plenário da Assembleia da República de 30 de janeiro de 1990 aprovou o Decreto que, promulgado pelo Presidente da República em 24 de maio do mesmo ano, constituiu a Lei 14/90 de 9 de junho, (Archer, 1996) (Neves, 2002).

4.11 O Desenho Institucional

O desenho institucional do CNECV viria a ser instituído mediante os seguintes pilares: independência, multidisciplinaridade, pluralidade e de natureza consultiva. A

sua missão106 é estar atento à problematicidade ética que o desenvolvimento

tecnológico coloca às ciências da vida. A sua principal atividade desenvolve-se, por um lado (i) junto dos poderes políticos, através da produção de reflexão e de aconselhamento; como ator e autoridade envolvida na formulação de políticas públicas (sobretudo de saúde e de investigação); os pareceres podem ser elaborados por sua livre iniciativa e sobre matérias que julgue pertinentes, ou poderão ainda ser solicitados pelos poderes políticos ou outras instâncias decisórias nacionais; e por outro lado, a atividade do CNECV desenvolve-se ainda junto do (ii) público em geral, na promoção do debate e reflexão éticas, através de conferências e seminários.

O desenho institucional do CNECV, através da lei 14/90 de 9 de junho que

institucionaliza o CNECV, refere no seu artigo 2º as suas competências 107.

Salientamos o facto da lei que cria o CNECV, não se referir em nenhum momento, à natureza consultiva do Conselho, apesar da unanimidade dos testemunhos recolhidos, através de entrevistas semidirigidas, quer quanto à sua natureza consultiva, quer quanto à sua independência, durante o período em que funcionou sob a tutela da Presidência do Conselho de Ministros.

Podemos concluir, que o desenho institucional do CNECV em Portugal, quanto à sua essência, segue o modelo francês. Encontramos, contudo, diferenças no que diz respeito à sua composição e quanto as entidades que podem nomear os seus membros. Veremos, no estudo comparativo com França e Espanha, a forma de composição e nomeação de membros que cada Estado adotou.

106“O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, abreviadamente designado por CNECV, é

um órgão consultivo independente que funciona junto da Assembleia da República e que tem por missão analisar os problemas éticos suscitados pelos progressos científicos nos domínios da biologia, da medicina ou da saúde em geral e das ciências da vida”; in Lei 24/2009 de 29 de maio.

107 a) Analisar sistematicamente os problemas morais suscitados pelos progressos científicos nos

domínios da biologia, da medicina ou da saúde em geral; b) Emitir pareceres sobre os problemas a que se refere a alínea anterior, quando tal lhe seja solicitado nos termos do artigo 7.º; c) Apresentar anualmente ao Primeiro-Ministro um relatório sobre o estado da aplicação das novas tecnologias à vida