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Uma Breve Análise da Medida Política que Institucionalizou as CES

CAPÍTULO IV – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA BIOÉTICA EM PORTUGAL – ESTUDO

4.9 A Institucionalização da Dimensão Assistencial da Bioética

4.9.2 Uma Breve Análise da Medida Política que Institucionalizou as CES

A definição do problema, está relacionada com razões que decorrem, em

primeiro lugar do contexto internacional; em segundo lugar da necessidade77 de

aprovação dos ensaios clínicos; e em terceiro lugar da necessidade de institucionalizar a decisão através da criação de comissões de ética para a saúde, em todos os hospitais portugueses públicos e privados.

O agendamento da lei das CES, ainda que de forma implícita, como já tivemos oportunidade de referir, tem origem um ano antes, através da lei 97/94, de 8 de abril. Esta lei constitui uma verdadeira janela de oportunidade na constituição de atenção política para esta problemática. Trata-se de uma medida política que agenda outra medida política. Constituem-se como principais fatores de agendamento: (i) a existência de unanimidade por parte de todos os grupos de interesse78, quanto à sua necessidade; (ii) a criação e o papel do Conselho Nacional de Ética para as Ciências

da Vida (CNECV) quer na emissão do seu parecer79 favorável à sua criação, quer na

dinamização de outras iniciativas80 que deram importância ao tema, mas sobretudo

(iii) o facto de estas comissões já existirem ainda que de forma desestruturada em alguns hospitais portugueses.

77 Necessidade imposta pela indústria farmacêutica.

78 Os Hospitais eram os principais interessados, era aqui que iriam funcionar estas comissões de ética.

O CNECV enquanto conselheiro do poder; a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Advogados enquanto grupos de representação de interesses; as Universidades como estruturas promotoras do saber e do debate.

79 Parecer 9/CNECV/94.

80 Neste congresso promoveu-se o encontro de Comissões de Ética já existentes, reflectiu-se sobre os

diferentes modelos adoptados, activá-los no seu funcionamento e motivar a criação de outras Comissões de Ética (nos Hospitais, Faculdades, Ordens Profissionais, Institutos de Investigação Médica e Biológica, Escolas de Enfermagem e Sociedades Científicas).

A realização do 2º Seminário promovido pelo CNECV subordinado ao tema “Comissões de Ética” e a apresentação neste mesmo seminário do primeiro estudo sobre as Comissões de Ética para a Saúde, dirigido pelo Prof. Queiroz e Melo em 1994, que fazia a primeira radiografia às Comissões já existente em Portugal. Este estudo revelava já, por um lado, a dimensão e importância que o assunto estava a tomar, e por outro lado, constituiu o primeiro instrumento de intervenção através da produção de

A formulação da medida política revela algumas especificidades que se tornaram fundamentais e que constituíram uma janela de oportunidade no processo de formulação da medida, desde logo: (i) a coincidência da presidência do CNECV com o Bastonário da Ordem dos Advogados pertencer a Augusto Lopes Cardoso, na medida em que estamos perante um ator de institucionalização da Bioética em Portugal, que é simultaneamente jurista e conhecedor da realidade emergente da ética médica e da Bioética; (ii) A necessidade de política pública nesta área, levou a Ordem dos Advogados por iniciativa do seu Bastonário, Augusto Lopes Cardoso, a realizar em Lisboa, em 1994, um encontro sobre Direito e Bioética. É aqui que se coloca a questão da necessidade de criação de uma lei que obrigue todos os hospitais (públicos e privados), a criarem Comissões de Ética para a Saúde (CES). (iii) foi igualmente importante o facto de ser Ministro da Justiça, durante este período, o Dr. Laborinho Lúcio, que sempre teve particular atenção e sensibilidade para com estas questões.

Na eminência da Jurisprudência e antes de criação da lei foi pedido parecer ao Conselho de Ética da Ordem dos Médicos e ao CNECV; que podemos apontar como sendo uma as autoridades envolvidas e de apoio à decisão. Os atores de institucionalização da Bioética em Portugal incorporaram a constituição do primeiro e segundo mandatos do CNECV, nomeadamente Daniel Serrão, Walter Oswald, Luís Archer, Jorge Biscaia, Michel Renaud, Maria Patrão Neves.

A medida política que criava as CES era assim concretizada, num ambiente de grande passividade e sem pontos de veto. Aliás, este ambiente de passividade caracterizou a Bioética em Portugal durante os anos 90 (Maria Patrão Neves, Entrevista, 2016).

Na avaliação desta medida política, ainda que de forma implícita podemos

considerar o estudo conduzido pelo Prof. Rui Nunes81 da Faculdade de Medicina da

Universidade do Porto, inquirindo todas as CES hospitalares, no âmbito do SNS (n=99), só responderam 66. Foi ainda realizado em 2008 um outro estudo com semelhante estrutura pelo Ministério da Saúde.

81 Apresentamos aqui alguns dados do estudo de 2001. Pretendia-se determinar: a prevalência das CES;

o seu background profissional e experiência no âmbito da saúde; caracterização dos seus membros; método adoptado na decisão; grau de independência da comissão em relação à direcção clínica; questões relacionadas com investigação epidemiológica, privacidade, autonomia e consentimento informado. Este estudo pode ser encarado como um registo de avaliação do Dec. - Lei 97/95. Atendendo à estrutura e composição deste estudo, denota-se alguma maturidade, após a regulamentação. Há preocupações presentes neste estudo que não estavam presentes, no estudo de

Em 2016 é ainda efetuada um estudo de caracterização das CES, promovido

pela CEIC82; com o objetivo caraterizar as CES, mas sobretudo recolher dados no

domínio da sua atividade.

O Centro de Estudos de Bioética de Coimbra. Destacamos neste conjunto de atores o Dr. Jorge Biscaia, Daniel Serrão, Walter Oswald, Luís Archer; Michel Renaud, Augusto Lopes Cardoso, Laureano Santos, Maria do Céu Patrão Neves, Laureano Santos

Se observarmos este fenómeno do ponto de vista da espontaneidade do seu aparecimento existem duas teorias de médio alcance que de alguma forma conseguem

sustentar uma explicação do processo político: Advocatcy Coalition Framework83 e

Neo-corporativismo84. Esta representação de interesses viria a tornar-se central no

processo político, como teremos oportunidade de ver mais à frente neste trabalho.

A análise da medida política85 que veio a criar as CES (Dec-Lei 97/1995 de 10

de maio), através do modelo das etapas86, permitiu-nos concluir que se tratou de um

processo pacífico, sem pontos de veto, mas com algumas curiosidades, como aliás

82 Este estudo foi promovido pela CEIC. Os dados preliminares foram apresentados por Faria Vaz, no

5º Simpósio de Ética, organizado pelo Hospital da Luz a 24 de novembro de 2016. Este simpósio teve como tema central as comissões de ética, onde foram abordados temas ligados à profissionalização e à constituição das CES das Administrações Regionais de Saúde.

83Na medida em que o processo de institucionalização da Bioética com origem na academia através de

uma comunidade de peritos, grupos de reflexão, atores oriundos de meios políticos diferentes, mas que partilham as mesmas convicções baseadas na necessidade emergente de colocar este assunto na agenda política. A natureza do assunto envolve um conhecimento especializado e técnico oriundo de uma multidisciplinaridade de saberes. Há um longo período de discussão até à institucionalização e consequente promulgação. Vários actores, oriundos de diferentes meios políticos, mas com convergência em relação a determinados assuntos. Neste caso específico temos, vários actores focados na mudança de um cenário político.

84 Explica a influência de grupos representantes de interesses, como por exemplo a Ordem dos

Médicos, Ordem dos Advogados e a Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) e a forma como as políticas ganham influência nesta representação orgânica de interesses. O Estado intervém simplesmente na intermediação dos mesmos. Há uma organização de interesses em unidades não competitivas, diferenciadas funcionalmente e ordenadas hierarquicamente. Reconhecidas pelo Estado, é-lhes conferido um monopólio. Há neste instrumento descritivo uma importância de estratégias colaborativas organizada em redes de grupos de interesse. O poder está fragmentado e disperso de formas que o acesso ao policymaking é relativamente aberto, foi o que aconteceu com a implementação desta medida política.

85 Sobre este assunto pode-se consultar o artigo elaborado no âmbito no Doutoramento em Políticas

Pública, na unidade curricular de Análise e Desenho de Políticas Públicas em:

https://www.academia.edu/4157543/Comiss%C3%B5es_de_%C3%89tica_para_a_Sa%C3%BAde_- _A_An%C3%A1lise_do_Processo_Pol%C3%ADtico.

acontece, quando se faz este exercício de análise, acerca do processo que envolve a criação de qualquer medida política.

4.9.3 O Desenho Institucional

O desenho institucional das comissões de ética hospitalar, tem origem no período de pré-institucionalização da Bioética. No início as comissões de ética hospitalar, eram constituídas maioritariamente por médicos, tratavam essencialmente questões deontológicas e de ética médica e por solicitação da indústria farmacêutica. O seu desenho institucional, adaptou-se à consideração de questões de ética da investigação e aprovação de ensaios clínicos.

O desenho das CES, enquanto instituição estruturada, decorre em primeiro lugar da lei 97/95 de 10 de maio e depois dos regulamentos internos e de

funcionamento 87 , elaborados pelas próprias CES. O modelo misto 88 , com

competências na dimensão de investigação e assistencial, acaba por ter consequências que se repercutem ao longo da sua trajetória institucional, sobretudo a sua dimensão assistencial que nunca foi verdadeiramente cultivada, “não existe em Portugal uma cultura de ética assistencial”, (Faria Vaz, entrevista, 2016).

O desenho institucional das CES acaba por interferir nas suas competências ao nível da decisão, que de acordo com o nº 2 do artigo 7º da lei da das CES, esta assume um estatuto consultivo para questões de natureza assistencial e assumem um estatuto vinculativo, sempre que se tratarem de decisões relativas à realização de ensaios clínicos em seres humanos. Note-se que a CEIC, remunera os seus membros por processo / parecer. Desta forma também os elementos da CES elaboram pareceres ligados à investigação clínica, sem que sejam remunerados por isso.

Importa ainda explorar outras componentes que vêm descritas na lei das CES, que portanto fazem parte do seu desenho institucional inicial e que nunca foram devidamente implementadas ou concretizadas, desde logo: (i) A possibilidade dada

87 De acordo com o seu artigo 11º, as CES deverão aprovar um regulamento de funcionamento. 88 As CES desempenharam a sua actividade nestes dois domínios e de forma exclusiva entre 1995 e

2004; altura em que a Comissão Europeia emite a Diretiva 2001/20/CE, primeiro grande documento nesta área, e igualmente primeira vez no domínio da Bioética em Portugal, que se faz sentir a chamada “europeização das medidas”. Portugal, bem como os outros Estados Membros é obrigado a transpor a directiva europeia, e isto obriga igualmente à criação de uma comissão nacional que se dedicasse

aos doentes89 de solicitar às CES a emissão de pareceres. (ii) A componente pedagógica e formativa90, a possibilidade de por sua iniciativa emitir estudos e/ou pareceres, são uma das responsabilidades que vêm no desenho institucional das CES, mas que acabaram por nunca terem sido por elas exploradas.

De acordo com o estudo qualitativo e com base em entrevistas semidirigidas, e

em profundidade emergem algumas questões com especial relevância,

nomeadamente: (i) a questão da manutenção da lei desde 1995 até hoje91; (i) a questão

da formação dos membros das CES e (ii) a questão da responsabilidade das CES na formação em Bioética aos profissionais da instituição de saúde. (Miguel Oliveira da Silva, entrevista 2016).

Tem ou não o desenho institucional, que se adaptar às especificidades de cada instituição de saúde? Uma outra questão importante a analisar na CES, é a especificidade da organização de saúde. Cada organização tem as suas especificidades e levanta uma problematicidade ética específica. É preciso que os regulamentos internos das CES, sem prejuízo da lei instituidora, adaptem o desenho institucional às especificidades das diferentes organizações. Podemos dar o exemplo do IPO e da Oncologia Pediátrica, do HSJ e do Serviço de Humanização; do Hospital da Luz e da narrativa em torno do cuidado ético pelo facto de se tratar de uma instituição privada e do respeito máximo, porque tudo aquilo que o doente faz é pago (Manuela Escumalha, entrevista, 2016); da ARS LVT, e da sua dimensão, dos cuidados de saúde primários e da dificuldade de fazer uma ética de proximidade (Faria Vaz, entrevista 2016); das CES nos hospitais universitários, com a sua dimensão, as múltiplas dimensões que a mesma CES abarca, (assistencial, académica e de investigação), por exemplo o CHLN, para além de ter um centro hospitalar e todas as questões assistenciais que isso obriga, tem instituições ligadas à investigação, como é o caso do Instituto de Medicina Molecular e tem a componente académica da Faculdade, com a passagem dos cursos a mestrados integrados, obrigando à realização de uma tese e consequente submissão obrigatória para avaliação da comissão de ética.

89 De acordo com a alínea c), artigo 7º da lei 97/95, de 10 de maio.

90O Artigo 6º, alínea 1- g) refere que compete às CES: “Promover a divulgação dos princípios gerais da

Figura 7 - Trajetória Institucional da Bioética Assistencial em Portugal