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O Desenho Institucional e o Estatuto da Decisão em Bioética

CAPÍTULO III – O DESENVOLVIMENTO DE UM MODELO TEÓRICO

3.21 O Desenho Institucional e o Estatuto da Decisão em Bioética

A institucionalização da Bioética foi preponderante na estruturação da decisão e na possibilidade de constituição de consenso. No entanto, o desenho institucional e concretamente a forma de composição das comissões, é que determina a facilidade

(ou não) de obtenção de consensos35.

A institucionalização da Bioética, para além de ter institucionalizado um saber, “ indispensável para a construção de um pensamento ético coerente e unitário pelo seu contributo para a estruturação da Bioética, o qual supõe o desenvolvimento de uma mesma racionalidade aplicada aos sucessivos problemas que vão emergindo” (Neves, 2003.), institucionalizou igualmente a decisão, no que se refere a matérias complexas e com impacto em vários domínios, a saber: individual, organizacional, governamental e societal. Era preciso atribuir à decisão um enquadramento institucional, sem, contudo, perder de vista a natureza original da Bioética. Se por um lado, era necessário refletir acerca do estatuto da decisão em Bioética, era, por outro lado, necessário criar condições para a possibilidade de estabelecimento de consensos. Terá a institucionalização da Bioética em Portugal criado essas condições? De seguida elencaremos os vários estatutos que a decisão assumiu no contexto da Bioética e posteriormente relacionaremos as várias formas que a decisão assumiu, com as diferentes dimensões da Bioética.

(i) O estatuto consensual da decisão em Bioética, fundamental para alguns, secundário para outros, não é uma condição necessária ao nível das instituições nacionais; contudo a sua constituição, quando possível, é importante. Apesar da natureza multidisciplinar da Bioética, a institucionalização tem um papel fundamental na criação de consensos, sobretudo ao nível das instituições internacionais, na medida em que estas surgiram da “necessidade de harmonização das diretrizes éticas, fixadas como lei no direito” (Neves, 2003.). O estatuto consensual da decisão em Bioética e desejável e em políticas públicas é fundamental. O consenso assume diferentes importâncias consoante a dimensão a que se dirige. A facilidade no estabelecimento de consensos também decorre da forma como são desenhadas as instituições; a

verdade é que a aproximação da Bioética aos poderes políticos reforça a necessidade na constituição de consenso.

O Institucionalismo da Escolha Racional (IER) é uma das teorias que melhor se posiciona para explicar a forma como os atores são motivados por interesses para elaborarem as suas escolhas e por outro lado o papel das instituições na congregação de esforços de fazer convergir as escolhas dos diferentes atores. “A decisão ética … deverá refletir o pensamento da maioria dos membros da comunidade a que se dirige e corresponder às expetativas destes” (Neves, 2003.).

(ii) O Estatuto consultivo da decisão em Bioética é aquele que melhor apela à natureza e caráter originário da Bioética. O estatuto consultivo da decisão emana linhas orientadoras, fundamentadas numa reflexão teórica e mediante uma equipa multidisciplinar, que deverão ser tidas em conta, ou não. Contudo, o exercício da Bioética hoje, já não se compadece simplesmente com a sua natureza consultiva, “hoje claramente reconhecida como insuficiente para atuar rápida e eficazmente na teia de interesses científicos e económicos” (Neves, 2003.).

(iii) O Estatuto vinculativo da decisão em Bioética obriga o recetor a seguir as recomendações do órgão competente que emitiu o parecer, devendo estas ser tidas em consideração no decorrer de todo o processo de investigação.

O estatuto da decisão e a natureza dos pareceres em Bioética podem assumir diferentes formas, dependendo das suas dimensões. A decisão em ética

governamental36 assume um estatuto, por excelência, consultivo. Para além da sua

independência, esta é talvez a característica que melhor define o desenho institucional

do CNECV37.

A decisão em ética assistencial pode assumir os dois estatutos38. Sempre que a

decisão for dirigida a assuntos relacionados com a investigação e ensaios clínicos39, o

36 A nova lei 24/2009 de29 de maio, que institui o CNECV na Assembleia da República diz: O

Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, abreviadamente designado por CNECV, é um órgão consultivo independente que funciona junto da Assembleia da República e que tem por missão analisar os problemas éticos suscitados pelos progressos científicos nos domínios da biologia, da medicina ou da saúde em geral e das ciências da vida.

37Salientamos o facto e a curiosidade da lei que institui o CNECV, (Dec. Lei 14/90 de 9 de junho), em

momento algum falar da natureza do próprio Conselho ou mesmo da natureza da decisão / pareceres por ele emitidos, sendo que a lei 24/2009 de 29 de maio, já se refere ao Conselho Nacional como um órgão independente e consultivo.

38 A forma como foi efetuado o desenho das CES, num modelo misto: assistencial e de investigação,

Tabela 8 - Estatudo da Decisão em Bioética

estatuto da decisão é sempre vinculativa; e sempre que os pareceres se relacionarem com assuntos de natureza assistencial, a decisão deverá assumir um estatuto consultivo.

A decisão em ética da investigação, sobretudo nas comissões de ética para a investigação clínica e na aprovação da componente ética dos ensaios clínicos, a decisão assume um estatuto vinculativo / normativo. A comissão não se pode dirigir à indústria num tom consultivo, oferecendo a possibilidade de seguir ou não as suas recomendações, sob pena de mesmo e após emissão de parecer, o promotor da investigação seguir um caminho diferente.

Este tipo de situação, pode igualmente colocar-se na dimensão académica da Bioética. Com a passagem dos cursos de medicina ao formato de mestrados integrados e com a obrigatoriedade de realização de um trabalho final de investigação, verifica-se um aumento significativo de solicitações da comissão de ética para emissão dos respetivos pareceres. Este é mesmo considerado um dos fenómenos emergentes nas comissões de ética académicas / universitárias, (Filipe Almeida, Entrevista 2016). O estatuto da decisão neste caso é igualmente vinculativo.

3.22 A Importância da Institucionalização na Constituição de Consensos em