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4. UMA SEQUÊNCIA DE ATIVIDADES EM DUAS ETAPAS

4.5 Análise da retextualização

4.5.3 Análise da terceira retextualização do texto Assombração

Figura 3: Terceira retextualização do texto Assombração

O texto 3 manteve a sequenciação dos tópicos, mas a sua estruturação através de parágrafos não se deu. Os alunos definiram o primeiro parágrafo e, a seguir, separaram devidamente o diálogo, definindo a permuta de interlocutores pelos travessões.

Durante os estudos que antecederam a essa retextualização, comparando o texto oral (Assombração) com o trecho do livro Duas novelas de amor de Fernando Sabino, foi mostrada para os alunos a importância dos travessões como elemento organizador na alternância das réplicas de um diálogo, sempre antecedido de um parágrafo. Ao observar o texto, nota-se que os alunos não entenderam a explicação. Não deixaram o recuo definidor do parágrafo. Torna-se muito frequente essa confusão, quando iniciam produções de narrativa com diálogo. O restante do texto foi tomado como um único parágrafo. Não recebeu uma estrutura condizente com a organicidade de tópicos de narrativas escritas.

Mesmo ocorrendo essa ausência de paragrafação,o trabalho dos alunos não se tornou uma mera reprodução do texto oral. Houve eliminação dos marcadores conversacionais, alteração de certas proposições em busca de maior clareza e coesão, redução das repetições (Aí ela foi lá chamou minha bisavó e : : minha bisavó não tava vendo, era só ela! Aí tá... aí passou... aí quando foi no outro dia, ela ia tratar dos pintinhos... / Ela chamou a mãe dela, e sua mãe não estava vendo nada, só ela estava vendo. Depois de um tempo passou...quando foi no outro dia, ela ia cuidar dos pintinhos, ...).

Há um único momento do texto em que alteraram o tópico, isso se deu, quando houve o relato da aparição do bode vermelho. No texto oral, essa aparição ocorreu no momento em que a avó chegou pra cuidar dos pintinhos. Eles colocaram o surgimento do ser estranho após o retorno da avó para casa ([...], ela ia tratar dos pintinhos... aí ela saiu xingando de novo! Aí quando chegou lá, ela viu um bode vermelho soltando fogo pelo nariz. / Quando foi no outro dia, ela ia cuidar dos pintinhos, ela saiu xingando de novo! Quando ela chegou em casa, ela viu um bode vermelho [...]).

Diferentemente dos dois textos anteriores, esse trabalho manteve a forma de estruturação das sentenças muito semelhante ao texto oral. Não houve uma elaboração das ideias para estabelecer uma coesão que interligasse os fatos. Mesmo com a eliminação dos marcadores conversacionais, o texto não perdeu muito das suas características de oralidade.

No dia do encerramento dessa atividade, estavam ausentes vários alunos e esse foi o maior obstáculo durante o desenvolvimento do projeto, retardando muitas vezes o andamento das etapas. Mesmo assim, os resultados apresentados foram bem significativos. A maioria produziu sua retextualização semelhante ao texto 2. O texto 3 é ilustrativo de uma minoria.

Avaliando o primeiro momento das atividades, percebe-se que a integração entre produção oral com escrita trouxe um envolvimento maior dos alunos. A sensação demonstrada era a de que tudo estava sendo novo para eles; principalmente, refletir sobre os

recursos que caracterizam a fala, os seus efeitos no interlocutor e como os mesmos recursos são transformados em produção escrita.

Na análise da retextualização, nota-se que os alunos começaram a diferenciar uma elaboração da outra. Com exceção de uma dupla, todas as demais buscaram estabelecer alguma diferença. Só de perceber que os marcadores conversacionais são específicos do texto oral e nele, desempenham um papel importante na ordenação da fala, mas não constituem a mesma função no texto escrito, levou-os a ver que não se trata de um mesmo processo de elaboração. Isso se evidenciou ao realizarem a transformação de um texto em outro, construíram estruturas mais coesas entre si, mas mantiveram as repetições que poderiam abrir espaço para a coesão referencial, por exemplo. Por se tratar de uma primeira experiência e com alunos muito jovens (dez e onze anos), os resultados foram expressivos.

Para finalizar essa atividade e reforçar mais um pouco o que havia discutido com a turma, a sala se colocou em círculo, retextualizando o mesmo texto, oral e coletivamente. As sugestões dadas pelos alunos eram imediatamente analisadas para verificar a sua inserção na sequência do texto, ou era refutada, ou preservada para posterior uso. A produção ia sendo registrada na lousa para que todos anotassem e percebessem a construção dos parágrafos e da pontuação. Tudo isso resultou no seguinte texto:

Assombração

Tudo aconteceu quando minha avó era pequena. Uma de suas características era viver xingando. Minha bisavó não ficava satisfeita com isso e dizia:

– Para de xingar esses nomes!

– Eu xingo mesmo! Retrucou minha avó.

No dia seguinte, minha bisavó lhe pediu para ir apanhar limões, porque ela queria fazer uma limonada. Sua atitude foi a mesma ao buscar os limões. Ela teve uma surpresa: viu uma mulher desdentada, com uma mala na mão, acenando-lhe tchau. Ela fica apavorada e vai chamar sua mãe. As duas foram ao limoeiro. Só a avó continuou vendo a mulher.

No outro dia, a bisavó lhe pediu para tratar dos pintinhos. Ela foi fazer o que a mãe lhe pediu xingando. Aconteceu uma nova surpresa: viu um bode vermelho que soltava fogo pelas ventas e mais uma vez, ela procurou a sua mãe. E aconteceu o mesmo do dia anterior.

Mais tarde ela decidiu dormir um pouco. Algo estranho lhe aconteceu: foi enrolada por uma cobra. A bisavó, apavorada, foi pedir ajuda a um padre. Chegando lá, ele decide fazer uma benzeção que durou três minutos. A partir daí, minha avó ficou livre da cobra.

Quadro 4.1: Retextualização coletiva do texto oral Assombração