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2. ORALIDADE E ESCRITA: PARTICULARIDADES E INTERAÇÃO

2.2 Oralidade e escrita: constituição

Dentro da espécie animal, o homem é o único portador de uma linguagem estruturada, codificada que define a sua constituição. Ela se faz presente nas diferentes esferas de atividades, possibilitando o estabelecimento das relações e das interações sociais. Enquanto ser social, ele precisa constituir-se como tal. Inicialmente, nos primórdios de sua existência, as manifestações linguísticas eram apenas orais, sustentáculo do pensamento, da cultura e das conquistas humanas através das gerações, representadas por meio da fala. A linguagem oral sustentou, ao longo dos séculos, a herança cultural dos povos, a construção dos idiomas e representa a infância da jornada cultural do homem. Mesmo com surgimento da escrita, a oralidade continuou e continua sendo, por excelência, o processo mais frequente da integração social, através do diálogo, e promove transformações na língua tanto quanto a escrita. O dia a dia do homem se centra mais na fala do que na escrita. É na voz dos interlocutores, no convívio social, que a língua ganha vida e significado.

Bem mais tarde, surge a escrita, com uma abrangência maior do que outras formas semióticas de outras áreas, dotada de uma tecnologia própria e instituída através de uma convenção social. Vista em sua materialidade, ela se fixa num plano, ocupando um espaço, produzindo a ideia de concretude; absorve e segmenta, mesmo de forma convencional e imperfeita, o objeto sonoro, possibilitando uma flexibilidade, quando captado pela visão e por fim, traz a sensação de invariabilidade no tempo, como se ela parecesse fixa para as gerações, conduzindo a uma falsa ideia de permanência dos sentidos. Como bem explicitou Corrêa (2004, p. 12): “Dizer que é fixável no espaço, flexível em relação ao objeto que apreende e invariante no tempo é, porém, mais do que justificar um império. É evidenciar as propriedades fundamentais da escrita, quando esta é vista como uma tecnologia.”

A combinação de sinais gráficos representa o registro da palavra escrita. Para dominá- la, a pessoa necessita submeter-se a uma aprendizagem institucionalizada. Isso trouxe um prestígio social a quem se insere nesse universo. Por um longo tempo, seu aparecimento gerou comparações entre ambas, considerando a escrita superior à oralidade. Uma delas é a de que a linguagem oral é o espaço da desordem e a escrita atua para organizá-la, desconhecendo o processo de ordenação de cada uma. O outro posicionamento revestiu a oralidade de um preconceito, dando à sua manifestação um caráter de inferioridade em relação à escrita, devido à variação resultante da identidade individual ou grupal. A própria cultura oral ganhou um status diferenciado. Como muito bem atestou Marcuschi (2010, p. 36): “Enquanto a fala pode facilmente levar à estigmatização do indivíduo, com a escrita isso

acontece bem menos. Parece que a fala, por atestar a variação e em geral pautar-se por algum desvio da norma, tem caráter identificador.”

Ao longo de seus estudos, o referido autor vai demonstrar que não há razão para estabelecer essa divisão preconceituosa e dicotômica na atuação linguística do ser humano. É ilusória a impressão de que, na escrita, tudo está claro e definido, praticamente, sem variação e, na fala, a espontaneidade e a variação como se não tivesse nenhuma ligação com um padrão de fala. Não são manifestações opostas. É tênue o estabelecimento de uma linha divisória entre ambas. São duas modalidades da língua que têm uma estreita ligação entre si. Em dados momentos, torna-se difícil determinar os elementos distintivos de cada uma nas práticas sociais. Revelam-se através de gêneros discursivos, nas práticas sociais. O autor sintetiza a diferença entre fala e escrita com a seguinte afirmação: “as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois polos opostos” (MARCUSCHI, 2010, p. 37).

A caracterização de uma e de outra é mais nítida na formulação textual em que cada uma se insere e não apoiada em regras isoladas e rígidas. Ambas apresentam marcas específicas para estratégias interativas, levando em conta a contextualização, negociação e informatividade.

O Grau de formalidade ou informalidade depende do gênero discursivo constituído pelo locutor e o contexto em que se inserem. Os recursos linguísticos mobilizados pelo falante revelam a intencionalidade, sua atuação social, seu papel de inserção social num dado contexto como afirmou Bakhtin (1995, p. 114): “A situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação. Os estratos mais profundos da sua estrutura são determinados pelas pressões sociais mais substanciais e duráveis a que está submetido o locutor.”

Tanto a oralidade como a escrita mobilizam, praticamente, os mesmos recursos linguísticos, mas, no processo de organização, de progressão, sequenciação e retomadas do assunto, na escolha dos gêneros, cada uma apresenta particularidades próprias.

Durante a sequência de atividades, o trabalho se concentrou em análises comparativas para que o aluno pudesse entender o processo de formulação de uma narrativa oral e de uma escrita. O texto oral permite a presença de repetições, de frases parafrásticas, marcadores conversacionais, de truncamentos, de pausas para que o interlocutor se manifeste também, de correções imediatas, de interrupções, de mudanças imediatas de tópico, utilização do contexto físico no processo da constituição dos significados, sem que isso traga qualquer obstrução ao entendimento, pois esses elementos compõem a sua constituição.

O texto escrito é concebido num espaço e tempo diferente do interlocutor. Ele exige um processo de elaboração diferente, muito mais complexo. Busca, inclusive, uma forma correspondente aos recursos da oralidade, tais como entonação, pausas, trocas de tópicos. Para estabelecer essa correspondência, o texto escrito lança mão de sinais de pontuação, paragrafação, travessões para indicar troca de interlocutores. Os recursos situacionais da fala ganham na escrita uma elaboração explicativa através de narrações e descrições. Os elementos coesivos da escrita são variados, exigindo conexão muito especifica à situação criada. A sequenciação de ideias precisa estar bem constituída e integrada entre si. Todas essas características das duas modalidades foram desenvolvidas de forma correlata, mas tendo como objetivo principal a produção do texto escrito.