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4. METODOLOGIA

4.5 Análise dos dados

4.5.2 Análise de dados II

A análise de dados II focaliza a produção da africada alveopalatal. Assim, passa- se do mais geral, ou seja, de aspectos globais do sistema fonológico de cada criança (realizado na parte I), para o específico, através da análise do surgimento e evolução das africadas alveopalatais, com vistas a discutir as relações fonológicas emergentes.

Como feito na parte I, a análise II tem como base parâmetros qualitativos (e adicionalmente, quantitativos) e é realizada individualmente. Por meio dos dados longitudinais, são feitas observações sobre o desenvolvimento na produção das africadas. Essas observações são acompanhadas por uma análise geral da produção das oclusivas e sibilantes. Jakobson (1971, 1ª ed. 1939) postula que, para adquirir a africada, é necessário ter adquirido as oclusivas e as fricativas. Por isso, para uma avaliação mais completa, as sibilantes e as oclusivas serão analisadas. Porém, sempre que houver relação entre a produção das africadas com outros sons, esta relação será explicitada.

A análise da aquisição da africada alveopalatal terá como finalidade:

a) Observar como as africadas emergem para cada um dos indivíduos. b) Avaliar o percurso que cada criança realiza em direção ao alvo adulto.

c) Estabelecer a relação entre a aquisição da africada e a produção de outros segmentos.

d) Analisar as hipóteses elaboradas sobre a relação de distribuição complementar na aquisição da africada.

f) Observar a variabilidade na produção da africada. Será verificada se há variabilidade na produção de diferentes palavras (inter-palavra) e na produção de um mesmo item lexical (intra-palavra).

g) Analisar a atuação do contexto fonético na produção da africada.

Destacam-se três pontos centrais na análise a respeito da aquisição da africada alveopalatal: a) o item lexical, b) a relação alofônica e c) o contexto fonético. Cada item será detalhadamente explicado a seguir.

a) O item lexical

Wang (1969) postula que a mudança sonora ocorre por difusão lexical. Isto quer dizer que, uma vez ativada, determinada mudança irá ocorrer de forma lexicalmente gradual e, portanto, palavras diferentes serão atingidas em tempos distintos. A difusão lexical pode também ser verificada na aquisição da linguagem, conforme explicam Gierut e Storkel (2002, p. 116, tradução minha): “A difusão lexical na aquisição tem sido descrita como o caso de uma criança produzir um novo som alvo em alguns, mas não em todos os itens relevantes, da língua ambiente”21.

Uma hipótese deste trabalho é a de que a difusão lexical na aquisição da linguagem seja diferente de indivíduo para indivíduo. Isso significa que indivíduos específicos mostram diferenças quanto à seleção das palavras que serão primeiramente adquiridas com o padrão acurado. A difusão lexical na aquisição parece ter um caráter mais individual do que na mudança sonora, na qual a difusão lexical é compartilhada em uma comunidade de fala. Esse é um ponto importante, para o qual esse trabalho pretende contribuir. Em geral, os trabalhos que tratam da difusão lexical na aquisição a iguala ao que é

21 “Lexical diffusion in acquisition has been described as the case of a child producing a newly learned target

verificado no adulto, no caso de variação e mudança sonora. Porém, há diferenças substanciais, já que, na aquisição, a difusão lexical indica um caminho gradual de construção de um sistema fonológico e lexical. Na mudança sonora, a difusão lexical representa uma multivariação em um léxico já existente. Esse caminho é traçado de forma bastante específica, ou seja, para as crianças, individualmente.

b) A relação alofônica

Conforme Freitas (2004), a criança produz, primeiramente, a oclusiva alveolar, para então, produzir a africada. Tal fato poderia ser explicado pela relação de distribuição complementar entre oclusivas e africadas: as africadas são, tradicionalmente, consideradas parte da categoria de oclusivas. A substituição da africada pela oclusiva pode também ser explicada pelo fato de a oclusiva ser parte da africada e ser adquirida primeiramente. Assim, espera-se que as africadas sejam, inicialmente, substituídas pela oclusiva alveolar. O presente trabalho tem por objetivo investigar a forma como as africadas emergem e se consolidam no sistema de cada indivíduo, observando se é possível fazer inferências sobre a representação mental da criança a partir desses resultados. Refletir-se-á sobre as seguintes questões:

a) Como as africadas emergem?

b) Qual o percurso de aquisição das africadas? As africadas seriam produzidas como oclusivas e uma progressão linear em direção ao alvo seria esperada? Há alguma mudança na produção das africadas que aponte indícios do estabelecimento da relação entre as africadas e as oclusivas?

c) Para cada informante, quais sons substituem em maior proporção a africada? As substituições vão sempre em direção à categoria fonética dentro da qual a africada é tradicionalmente analisada?

A análise sobre a emergência das relações alofônicas é realizada com o intuito principal de responder à questão: As africadas são adquiridas como parte da categoria das oclusivas? Colocando de outra forma: Há evidências, nos dados de produção das crianças analisadas, de que a africada seja categorizada como uma variante contextual (que ocorre, em um contexto específico, qual seja, precedendo a vogal alta anterior)? Essa abordagem poderá oferecer indícios importantes sobre a representação mental do componente fonológico. Conforme lembram Velleman e Vihman (2002), é possível fazer afirmações sobre a representação mental da criança através dos dados de produção, pois, além da produção refletir em parte a representação, há também o caminho inverso, a produção da criança tem um impacto na representação.

c) O contexto fonético

O contexto fonético será averiguado com o intuito de observar se há relação entre a produção da africada e o contexto fonético, para cada informante. Na análise do contexto fonético, será realizada uma avaliação qualitativa, utilizando-se o programa Goldvarb© para observar, os seguintes fatores:

1) Tonicidade – Matzenauer-Hernandorena (2000) observou que a africada é, primeiramente, adquirida, em posição postônica, em final de palavra, por exemplo: leite, sorvete. Mattoso- Camara (1970) aponta que a africada emergiu em posição tônica, no português brasileiro. Será observado se a aquisição segue caminhos semelhantes ao da mudança sonora ou, como observou Matzenauer-Hernandorena (2000), é em posição postônica final que a produção acurada da africada se consolida primeiramente.

2) posição na palavra – será investigado se a africada consolida-se em posições estruturais específicas: inicial, medial ou final. Esse fator poderá ser analisado em conjunto ao fator tonicidade.

3) Vozeamento – será observado se há distinção na produção acurada da africada quando o alvo é ou não vozeado. Oliveira et al. (2004) apontam que ambos os sons são adquiridos na mesma faixa etária (por volta de 2:2).

O contexto fonético será analisado em conjunto com o fator lexical, pois, na realidade, observa-se que, muitas vezes, a palavra tem um papel tão ou mais importante do que o condicionamento fonético propriamente dito. Uma hipótese desta tese é a de que a palavra e o contexto fonético atuam na aquisição da africada, porém têm pesos distintos para distintos informantes.

d) Casos Complementares

Além da aquisição da africada alveopalatal em contexto precedente à vogal alta anterior, outros casos, denominados “casos complementares”, serão analisados, com o intuito de obter mais pistas sobre a forma como a africada é representada.

Seqüências de oclusiva alveolar e tepe

O encontro consonantal de oclusiva alveolar e tepe pode, variavelmente, ser reduzido à apenas oclusiva, em algumas palavras na fala do adulto, por exemplo: “tristeza”

[t&is tez ], [tis tez ] (CRISTÓFARO-SILVA, no prelo). Interessante, neste

palatalização. De acordo com Cristófaro-Silva (2001 b), a palatalização não ocorre nesse contexto, a não ser em formas lexicalizadas como padre [ pad&$] ~ [ pad $].

A seqüência de oclusiva alveolar e tepe representa também um desafio para crianças em fase inicial de aquisição, pois constitui uma sílaba complexa CCV e contém uma líquida não lateral que, em geral, é o último segmento a ser adquirido pela criança (MIRANDA, 2007). Assim, nas fases iniciais de aquisição, em encontros consonantais de oclusiva, líquida e vogal anterior, observa-se que a líquida não ocorre e, em conseqüência disso, a oclusiva passa a ser seguida por uma vogal [i], um contexto propício à palatalização: [t&i] ~ [ti]. A literatura em aquisição aponta que, nesse contexto, a palatalização pode ou não ocorrer, por exemplo: “tripa” [ tipa], “Patrícia” [pa t is ] (MAGALHÃES, 2000, p. 92), “triste” [ t ist $] (MATZENAUER- HERNANDORENA, 2000, p. 5), “tricô’ [ti ko] (MATZENAUER, 2005, p. 385).

Considerando esses dados, algumas questões podem ser levantadas: O que condiciona a variação entre [ti]~ [t i] (em substituição à [t&i]) na fala da criança? A produção de uma das duas formas estaria relacionada à aquisição (e representação) da africada?

Magalhães (2000) explica que a não ocorrência da palatalização nesse contexto indica que, na estrutura subjacente, há a consoante líquida que impede a ocorrência da africada. Assim, as formas [t&i] e [d&i] seriam parte da “consciência fonológica” do falante, embora não ocorram na produção. Seguindo a mesma linha de pensamento, Mota (2001) aponta que a ocorrência de formas como “tricô” [t i ko] indica que o encontro consonantal não é representado pela criança. Por outro lado, a criança que produz [ti ko],

quando já produz a africada alveopalatal, indica a presença de uma categoria vazia na representação fonológica.

Nesta tese, pretende-se realizar uma reflexão sobre a ocorrência ou não da palatalização nesses contextos. Será observado se há uma relação entre a aquisição da africada e a produção destas seqüências. Contrariamente a se postular a existência ou não de uma categoria vazia, considera-se que, se a criança produz a palatalização nesse contexto, já internalizou a relação de distribuição entre oclusivas e africadas. Isso porque não são todos os encontros consonantais do tipo [tr] que são substituídos por [t ], apenas quando há uma vogal alta anterior seguinte. Por outro lado, o fato de não ocorrer a palatalização da africada indica que a criança pode ter, como referência, o alvo adulto, o qual ocorre, variavelmente, como [ti]. Portanto, a análise deste caso pode indicar fatos importantes sobre a construção representação de variantes contextuais.

Africadas e oclusivas em substituição a outros segmentos

As africadas podem ocorrer também em substituição a outros segmentos, como as fricativas. Grande parte das substituições ocorridas nos dados das crianças é decorrente da similaridade fonética (VIHMAN, 1980). Porém, além da similaridade, outros fatores podem entrar em jogo, quando se tratam de alofones, como por exemplo, a relação contextual. Assim, as seguintes questões podem ser levantadas: A substituição pela africada ocorreria predominantemente quando há uma vogal alta anterior seguinte? Se isso ocorre, seria evidência da relação de distribuição complementar?