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4. METODOLOGIA

4.2 A opção pelo estudo longitudinal

No estudo transversal, indivíduos de diferentes faixas etárias são analisados em determinado ponto no tempo. Esse desenho metodológico tem extensa aplicabilidade na pesquisa sobre o desenvolvimento infantil e, especificamente, nos estudos sobre aquisição da linguagem, pois permite a avaliação quantitativa de dados, o que, sem dúvida, é importante no estabelecimento de parâmetros desenvolvimentais e sociais, como idade e gênero. Ressalta-se, por exemplo, o valoroso trabalho de Lamprecht e Hernandorena na formulação de um corpus12 com quantidade significativa de participantes, o que permite uma avaliação de alguns aspectos específicos da aquisição sonora do português falado no sul do Brasil e o estabelecimento de uma cronologia de aquisição dos segmentos (cf. LAMPRECHT et al., 2001).

Já o estudo longitudinal, de acordo com Crystal (2000, p. 166), “segue o decorrer da aquisição da linguagem por parte de uma criança ou grupo de crianças em certo período do tempo”. Esse tipo de estudo, embora na avaliação de aspectos lingüísticos específicos não forneça uma quantidade de dados suficiente para a realização da análise quantitativa, configura-se como um método precioso para se seguir o caminho de aprendizado da criança, pois propicia a investigação de dados individuais. Isso porque a análise de grandes amostras pode obscurecer o comportamento singular de alguns indivíduos, dando a impressão de que a aquisição é regular, sistemática e homogênea. Porém, conforme lembra Vihman (1996), estudos têm revelado grande diferença individual nas estratégias de aquisição do sistema sonoro. Nas palavras da autora:

We would argue that both biological predisposition and salient aspects of the ambient language constrain the child’s initial progress in language acquisition; nevertheless, multiple individual factors enter into the child’s approach to language, as regards both timing and manner of acquisition. (VIHMAN, 1996, p. 9)

12 Os corpora Inifono e Aquifono são compostos, em sua maioria, por dados coletados transversalmente. Porém,

Thelen e Smith (1994), proponentes do modelo dinâmico para cognição e ação, afirmam que os caminhos do desenvolvimento podem ser reconstruídos apenas com dados individuais, coletados longitudinalmente, em intervalos determinados de tempo. De acordo com os autores, que defendem uma abordagem dinâmica do desenvolvimento infantil, o estudo transversal aponta fenômenos relacionados à idade, mas não revela períodos de transição, perdas de instabilidade e regressões. A esse respeito, os autores afirmam: “Grupos não mudam, indivíduos sim13” (THELEN; SIMITH, 1994, p. 99, tradução minha). Isso significa que, em uma avaliação de um grupo em um ponto estático no tempo, não será observado progresso ou a “evolução”. Por outro lado, ao ser avaliado o desenvolvimento de um indivíduo específico, continuamente no tempo, evoluções, mudanças e redirecionamentos poderão ser observados.

Thelen e Simith (1994) apontam que amostras longitudinais, coletadas em escalas de tempo apropriadas, são essenciais para se compreender a dinâmica do desenvolvimento infantil, pois permitem identificar pontos específicos e fatores conjuntos que atuam em determinadas mudanças, bem como progressos e regressões. Taelman (2004) afirma que o estudo longitudinal permite observar vários aspectos do desenvolvimento da criança, fazendo com que se estabeleça a relação entre eles. Além da possibilidade de traçar o caminho individual de aquisição de sons específicos, nesta tese, o estudo longitudinal propiciará:

1) traçar o perfil de produção de cada individuo. Será observado o momento inicial de produção dos primeiros itens lexicais e a formação de padrões (templates), que pode ocorrer no período de transição às primeiras cinqüenta palavras. Será também avaliado o padrão de variabilidade em cada um dos indivíduos. Conforme mostra pesquisa de Vihman (1996), as

crianças iniciam diferentemente o percurso de aquisição fonológica; assim, só uma abordagem individual permite iluminar fatos específicos dessa fase do desenvolvimento.

2) Observar a emergência da africada alveopalatal. Freitas (2004) aponta que a africada é, inicialmente, pronunciada como uma oclusiva alveolar. Tal fato, como já dito anteriormente, fornece indícios de que, em um momento inicial, a criança opera com categorias abstratas (fonemas). Assim, será observado como a africada manifesta-se nas primeiras palavras, em indivíduos específicos, observando se há mudanças ao longo do tempo. Será também observado se as mudanças que ocorrem, em momentos específicos, são relacionadas à elaboração de hipóteses sobre a distribuição complementar entre africadas e oclusivas ou a outros fatos do desenvolvimento, como por exemplo, o aumento da produção de palavras, a aquisição de determinada classe de sons, dentre outros fatores.

3) Observar o comportamento de palavras específicas em diferentes períodos. O estudo longitudinal permitirá investigar a difusão lexical na aquisição da linguagem. Será observada a variabilidade na produção de um determinado item, bem como a ocorrência de formas cristalizadas, em diferentes períodos de tempo. O estudo longitudinal também poderá fornecer informações sobre quando e como as palavras mudam em direção ao padrão mais próximo ao alvo adulto. Uma hipótese deste trabalho é a de que ocorra uma mudança na produção da africada com o aumento do vocabulário, consolidando a relação entre léxico e fonologia (STORKEL; MORRISETTE, 2002).

Assim, o estudo longitudinal oferece muitas vantagens, principalmente, considerando-se os objetivos desta tese. Porém, há que se destacarem, também, as desvantagens. A coleta longitudinal pode ter alto custo (transporte, material de gravação, por

exemplo) e, além disso, o tempo dispensado à coleta, análise e transcrição é grande, principalmente, quando se tem mais de um sujeito (SHAFFER, 2001).14 Devidos às dificuldades com o tempo de execução do trabalho, o estudo longitudinal deve ter um número limitado de sujeitos e um intervalo temporal não muito extenso, embora significativo para apontar fatos importantes sobre o fenômeno analisado. A seguir, serão caracterizados os sujeitos dessa pesquisa.