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4. METODOLOGIA

4.5 Análise dos dados

4.5.1 Análise de dados I

Inicialmente, será apresentada a análise geral dos dados que consiste de uma avaliação do sistema fonológico global, com foco no sistema individual. Será feita a apresentação do desenvolvimento do vocabulário de cada um dos indivíduos, a partir da contagem de palavras produzidas em cada sessão. Na avaliação do vocabulário, serão considerados os seguintes aspectos:

1) Tipos (Enunciados) – referem-se ao número total de palavras ou combinações de palavras distintas produzidas em uma sessão de gravação. Assim, nas primeiras sessões, que correspondem ao período de produção de uma palavra por enunciado, conta-se como tipo (ou enunciado) a palavra isolada. Porém, com o avanço do desenvolvimento e o início da formação de sentenças e frases, conta-se cada produção da criança, como um tipo. Assim, considera-se como tipo o enunciado, definido aqui como: “Uma extensão de fala precedida e seguida do silêncio ou de uma mudança por parte do falante” (CRYSTAL, 2000, p. 94).

Assim, como exemplo, apresenta-se o excerto de um diálogo entre o informante Paulo (sessão 11) e a pesquisadora, para que se tenha uma idéia melhor das contagem de tipos.

Paulo: A bicicleta!

Paulo: Quem vai passear na bicicleta?

Pesquisadora: Quem vai passear na bicicleta? Eu vou. Quem mais vai passear na bicicleta?

Paulo: Você.

Paulo: Vão brincar? Quem vai sentar? É o sapo!

Pesquisadora: O sapo! O sapo vai andar de bicicleta? Ele sabe andar de bicicleta?

Paulo: Põe capacete. Ele quer por capacete.”

No excerto acima, consideram-se como tipos (enunciados): {a bicicleta}, {quem vai passear de bicicleta?}, {você}, {vão brincar?} {Quem vai sentar?} {Põe capacete} {Ele quer por capacete}. Na contagem de tipos, excluem-se as imitações e as onomatopéias. Além

disso, produções repetidas de uma mesma palavra não são consideradas. Também não são avaliadas frases idênticas. A contagem de tipos aqui realizada difere daquela proposta por Bybee (2001), já explicitada no capítulo de revisão teórica e segue os princípios de Brown (1973). Assim, tipo, neste ponto, não se refere à unidade de representação mental, mas ao enunciado.

2) Ocorrência – considera-se como ocorrência cada palavra que ocorre individualmente. Incluem-se artigos, preposições, onomatopéias, imitações e emissões repetidas de uma mesma palavra. Assim, no excerto acima, contam-se 22 ocorrências.

4) Combinações de palavras – são enunciados que ocorrem com mais de uma palavra. No excerto acima, por exemplo, apenas “você” não entra na contagem de combinação de palavras. Cada enunciado composto por mais de uma palavra (independentemente do número de palavras) conta como uma combinação de palavras. Excluem-se as combinações que são imitações do alvo adulto e as repetições idênticas.

5) MLUw (Mean Lenght of Utterance in Word) – A MLU (“Média do Tamanho dos Enunciados”) é uma medida de produtividade lingüística da criança. É a média do número de palavras em um enunciado, produzido pela criança, em determinada sessão (BROWN, 1973). A MLU tem sido considerada um critério importante de contagem de palavras, muitas vezes, usado como um índice de desenvolvimento infantil. Porém, neste trabalho, o cálculo da MLU tem como objetivo avaliar o desenvolvimento do vocabulário de cada indivíduo. Não interessa, portanto, identificar o nível exato de proficiência lingüística da criança, mas a correlação entre o desenvolvimento do léxico e a aquisição segmental. Utiliza-se a MLUw

como um parâmetro para o desenvolvimento lingüístico infantil, não como um índice fixo para estabelecimento de estágios.

Brown (1973) apresenta uma clara descrição de como calcular a MLU e fornece um quadro comparativo de desenvolvimento, com a definição de estágios. Para calcular a MLU devem-se considerar os primeiros 100 enunciados produzidos pela criança. Não se deve contar:

1. Enunciados que não sejam claros. Isto é, produções para as quais não se consegue identificar a forma alvo.

2. Exclamações como: Ah! Oba! Chii..!

3. Reformulações e repetições que não representam ênfase, mas falsas iniciações, como: “Eu... eu...eu queria esse”.

4. Preenchedores como: oh, hum,...

De acordo com a proposta de Brown (1973), deve-se contar cada morfema, inclusive os marcadores de plural e de diminutivo. Porém, análises como a de Taelman (2004) adaptaram a MLU para a contagem do número de palavras e não de morfemas por enunciado, por isso o nome MLUw, em que “w” significa “word” - palavra. Isso porque a contagem de morfemas não faz sentido dentro da proposta adotada, que considera as palavras armazenadas inteiras no léxico mental (BYBEE, 2001). Dessa forma, nesta tese, as palavras com mais de um morfema são contadas como uma unidade, seguindo os pressupostos dos modelos baseados no uso. Da mesma maneira, combinações de palavras como “bom dia”, “pão de queijo” são consideradas como uma unidade, pelo fato de, provavelmente, serem armazenadas como um todo pela criança.

Depois de contados 100 enunciados (sempre que possível), deve-se contar o número de palavras em cada um dos enunciados. Se não for possível a obtenção de 100 enunciados, deve-se utilizar o quanto for obtido na sessão. Em seguida, divide-se o total de palavras pelo total de enunciados. A título de exemplificação, calcula-se a MLU para os dados transcritos acima, produzidos por Paulo (sessão 11).

QUADRO 5: Exemplo de cálculo MLUw

O total de enunciados é de 8 e o de palavras é 22. Assim, ao dividir 22 por 8, obtém-se o total de 2,7. Então o resultado da MLU considerando o excerto acima é 2,7.

A Parte I da análise de dados tem como foco a fase inicial de produção, a qual compreende o período de uma única palavra por enunciado. De acordo com Ferguson e Farwell (1975), nesse período, podem ser observados “padrões” (templates), que são formas fonéticas semelhantes produzidas pelas crianças. Os padrões podem ser, mas não necessariamente são, observados quando a criança está em transição ao período de 50 palavras. A ocorrência de padrões indica a formação de “esquemas”, o que pode revelar fatos importantes a respeito da representação mental. Vihman e Croft (2007) apontam critérios para a identificação de padrões:

Enunciados Número de palavras

1. a bicicleta 2

2. Quem vai passear na bicicleta 5

3. você. 1

4. Vamos brincar 2

5. Quem vai sentar 3

6. É o sapo 3

7. Põe capacete. 2

1) Consistência na forma de produção das palavras em uma ou mais sessões de gravação. Assim, é necessário que haja mais de uma palavra com determinada forma fonética específica para que seja, de fato, identificado um padrão.

2) A ocorrência de correspondências não usuais entre o alvo adulto e as formas produzidas pela criança. Por exemplo, a palavra “Luciana”, produzida por Paulo como [ u u], não seria conseqüência de um processo fonológico simples, que atinge segmentos específicos, mas da reduplicação que muda a palavra para a forma CVCV. Esse caso será explicado na Parte I da análise de dados.

3) Seleção de palavras que se encaixam no padrão de produção (“template”). Isso porque as palavras não são apenas adaptadas a determinado padrão, mas selecionadas, a partir do alvo adulto, por apresentarem determinada forma fonética.

Esses critérios estão, aos poucos, sendo aprimorados. Vihman e colegas tentam estabelecer parâmetros quantitativos para identificação de padrões em línguas distintas. Isso porque há um contínuo entre as crianças que não apresentam nenhum padrão e as que apresentam um ou mais padrões de forma bastante ampla. Assim, a avaliação quantitativa permitiria traçar a gradualidade, a partir de uma escala, que vai desde crianças que utilizam amplamente um padrão, passando por aquelas que utilizam apenas em algumas palavras até aquelas que não utilizam, ou utilizam raramente.

Na identificação de padrões, deve-se considerar uma distinção importante entre itens selecionados e adaptados. ‘Selecionados’ são itens que a criança produz e que são relativamente acurados (ou seja, produzidos de forma semelhante ao alvo adulto), mas, ao mesmo tempo, se encaixam em um padrão de produção. ‘Adaptados’ são palavras produzidas de forma menos acurada e que sofrem determinadas modificações para se encaixar ao padrão de produção da criança. Por exemplo, o informante Paulo tem um padrão CVCV e tem formas

como “vovó”, que são selecionadas, pois se encaixam perfeitamente ao seu padrão de produção e formas como “Roseli” [ i i] que são adaptadas.

A análise de dados I é baseada na descrição do sistema fonológico individual. Serão destacadas as características principais do sistema fonológico de cada sujeito, na fase inicial, observando: (a) se há significativa variabilidade na produção dos sons e das palavras, (b) se há ou não um padrão de produção identificável e qual seria esse padrão, (c) se há mudança na produção do padrão, ao longo do desenvolvimento. Vale lembrar que a ocorrência de padrões não é esperada para todos os indivíduos.

Para uma visão mais completa, será apresentado o inventário fonológico de cada criança em três pontos do tempo: na sessão 1, na sessão 6 e na sessão 12. Utiliza-se o seguinte critério de Vihman (in press a):

1) São incluídos quaisquer segmentos que ocorram em cada posição:

a) para as consoantes: posição inicial, medial e final de sílaba (coda). b) Para as vogais: posição tônica e átona.

2) Os segmentos que ocorrerem uma única vez são colocados entre parênteses e aqueles que ocorrerem apenas em substituição a outros segmentos são colocados em colchetes.

Assim, embora não seja uma análise aprofundada em termos percentuais, pode-se obter, pelo menos, uma visão geral dos sons produzidos ao longo do tempo. A seguir descreve-se a parte II da análise de dados.