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Análise das Entrevistas

COLETA DE DADOS

7.1 Análise das Entrevistas

Primeiramente é importante pontuar as diferenças estruturais de “João” e “Sara” para posteriormente analisar ambos na relação.

7.1.1 Entrevista “João”

João é o filho do meio, tem duas irmãs. Ele trabalha em uma instituição financeira auxiliando no trabalho administrativo (diz João: “escriturário, pego malote, pego fax, cadastro o fax para entregar aos outros funcionários.”), estuda em um colégio estadual e ainda freqüenta uma instituição destinada a deficientes intelectuais, ou seja, tem um dia atarefado e uma circulação social ampla, pois tem vários lugares de socialização, inclusive com pessoas que não apresentam nenhuma deficiência.

Assim “João”, na sociedade ocupa dois lugares principais: o de incluído e de excluído, vivendo desta maneira, uma grande incoerência. Ele vive como incluído, pois tem atividades corriqueiras para um jovem de sua idade, como estudar e trabalhar, além de continuar convivendo com deficientes intelectuais como ele, assim podendo estar rotineiramente com iguais, com pessoas que ele consegue se

sendo o diferente no meio daqueles que não apresentam deficiência intelectual. Percebe-se essa dinâmica na seguinte passagem da entrevista:

“B: ...você tem amigos?

J: Tenho! Dentro da escola e dentro da instituição. B: E no trabalho?

J: Também”

Ele considera que sua rede de amigos se encontra nos lugares em que ele convive com deficientes (escola e instituição), já o trabalho, lugar em que ele se relaciona com pessoas que na sua maioria absoluta não apresentam nenhum tipo de deficiência, só é cogitado por estimulo, ou seja, quando pergunto, indicando que, provavelmente, ele não considera o trabalho como um local em que ele tenha amigos, pois como veremos mais a frente, “João” tem uma tendência de tentar não frustrar o outro e assim negar a falta.

Para compreender melhor essa dinâmica que comecei a descrever sobre “João” é preciso entender a constituição do sujeito, como já foi visto, a necessidade de se ter um filho, para a mulher vem da falta, como diz Mannoni (1988) a mulher ao decorrer da gravidez, deseja que esse filho venha preencher o que ficou vazio na sua própria história, entretanto com

“(...) a interrupção na realidade de uma imagem de corpo enfermo produz um choque na mãe: no momento em que no plano fantasmático, o vazio era preenchido por um filho imaginário, eis que aparece o ser real que, pela sua enfermidade vai não só renovar os traumatismos e as insatisfações anteriores como também impedir posteriormente, no plano simbólico, a resolução para a mãe do seu próprio problema de castração.“ (Mannoni, 1988, pg 04)

Assim, por meio da interpretação da entrevista e do contato com a mãe de “João”, se observou que o fato desse filho ter Síndrome de Down3 proporcionou a permanência da falta; e que a percepção desse fato fez com que ele se estruturasse

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negando a mesma (a falta), pois, se ela não existe, nem ele e nem seus cuidadores têm que se haver com ela.

Desta maneira o vazio que ele deveria ter preenchido ao nascer, ele faz agora, no real, preenchendo o vazio do tempo, superlotando sua rotina, tendo vários elementos práticos para dar conta, que fazem com que a falta simbólica, que ele personifica, seja deixada de lado. Essa dinâmica nos permite pensar que essas atividades reais são desenvolvidas para que ele não entre em contato com a falta simbólica que (ele) representa, ou seja, sabe que ela (a falta) existe, mas finge não saber.

Essa rotina cheia de atividades, faz com que ele não tenha tempo para si e nem para relações amorosas, atitude estimulada pela família, como relata a sogra, que diz que a família de “João” o educou para ser independente, porém eles não aceitam muito bem suas relações amorosas, eles querem que “João” tenha uma independência financeira, mas não querem que ele se case.

Esse fato é compreensível se, como dito anteriormente, a função que ele exerce na relação com a mãe é de “esconder” a falta4 e ao se apaixonar e consequentemente se relacionar amorosamente, faz com que esse lugar em que ele se coloca seja resignificado, pois para alguém se apaixonar é necessário que tenha superado o Complexo de Édipo (abrindo mão da mãe, para poder ter qualquer outra mulher, no caso do homem) , ou seja,

“Estar apaixonado também representa um processo de luto relacionado a crescer e tornar- se independente, a experiência de deixar para trás os objetos reais da infância.” (Kernberg, 1995, pg 58)

Se João fizer esse luto, essa passagem, a “obrigação” de negar a falta de sua mãe, não é mais dele. Entretanto, isso não significa que “João” não exerça mais essa função de “negador da falta”, pois, como ocorre com qualquer ser humano, ele

reproduz essa maneira de se relacionar, assim exerce a mesma função em seu namoro com “Sara”.

7.1.2 Entrevista “Sara”

Já “Sara” é a caçula, tem um irmão mais velho. Já viveu em outra cidade do Brasil e em um país da Europa, local em que foi alfabetizada. Sua mãe relata uma luta muito grande em fazer com que ela recebesse uma escolarização, pois na época em que ela freqüentava a escola, não existiam planos de educação inclusiva. Desta maneira Sara não fez uma escola regular.

Durante as entrevistas, principalmente a individual, percebi que Sara tem grande dificuldade em se concentrar, muitas vezes mudando de assunto, ou concluído de forma totalmente desconecta com a pergunta.

Ao observar um pouco da dinâmica de Sara e Carmem, percebemos ser uma relação invasiva, na verdade mais do que isso, em muitos momentos me parece que “Sara” se coloca e é colocada como uma extensão de sua mãe.

Avisei algumas vezes que a entrevista deveria ser realizada apenas com “Sara”, porém “Carmem”, como já foi dito, nos acomodou em uma sala que ficava do lado do local em que ela estava, possibilitando ouvir toda a conversa, além de facilitar as possíveis intervenções, interrupções e adendos que gostaria de fazer, não tendo muito espaço para sua filha desejar, como no exemplo:

“B: É o que é assunto de mulher?

S: Sobre TPM, sexualidade.. essas coisas... B: TPM... você tem TPM?

S: Bem.. não sei bem se eu sinto.. é mais ou menos. C: Fala direito.... seja objetiva!

S: Minha mãe é mais boa do que eu, sabe? Se eu tenho TPM...então deu certo.

B: Deu certo?(risos) S: Deu tudo certo!(risos)

C: Você tem TPM ou não tem? S: Ai eu não sei se eu tenho.. C: Claro que não tem!

S: Ai eu não tenho (risos)”

Observa-se que é a detentora de um saber que deveria ser próprio de Sara, que é o saber de seu estado de humor, é a mãe quem esclarece a própria Sara o que ela esta sentindo, esse é um exemplo dentro vários.

Além de se colocar como detentora do saber total sobre o corpo de Sara ela também decide o que deverá ser contado, muitas vezes percebe-se que ela não quer comentar o assunto e a mãe a obriga, chegando a muitas vezes contar a história sem a autorização da filha.

Ao contrário do que era levado a crer pela análise feita, Sara nunca havia entrado em contato com a falta, porém a mãe conta que Sara namorou um menino e com o termino do relacionamento ela chorava muito e se desesperava, isso nos leva a crer que a experiência de perder o objeto de amor, é algo que para ela se torna impossível, dessa maneira, se coloca como completa frente a suas relações, pois se houver a perda ela não sentirá.