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O quadro a seguir apresenta algumas expressões-chave que foram apreendidas dos educandos no período das entrevistas sobre a leitura e a escrita. Essas expressões ou palavras-

chaves permitem perceber a função social desses dois fenômenos: leitura e escrita no cotidiano dos operários-educandos do Programa Escola Zé Peão.

Leitura:

Conhecimento das palavras (E 2); Significados Interagir socialmente (E 3);

É algo importante para resolver questões do cotidiano (E 4); Aplicabilidade Ler e entender um texto (E 7);

Ferramenta para se conseguir um emprego (E 9).

Escrita:

Fórmula de se comunicar (E 2);

Algo que você escreve para alguém (E 7).

A primeira questão da entrevista direciona a atenção para a fala dos educandos em relação ao tempo de estudo no PEZP. Lançou-se a seguinte questão: Há quanto tempo o senhor estuda no Programa Escola Zé Peão? Com isso, foi constatado que mais de 90% dos entrevistados estudam há mais de um ano no Programa. Os educandos atribuem a não permanência até o fim do ano letivo à rotatividade do trabalho na construção civil. E também mencionam o prazer em estudar no Programa. Vejam-se as seguintes respostas:

Olhe... faz uns... quase dez anos já!

Essa paixão toda é porque o programa é bom demais! (Educando 6, entrevista realizada em 13/11/2014).

Olha! O meu tempo de... estudo no “Pograma” Escola Zé “Pião”... tem até um tempinho, só que eu nunca concluí os anos todo, “compreto”. Já entrei por umas três vezes, ou foi “quato”... mas sempre... teve canteiro aí de eu entrar e estudar quatro “mês” ou cinco ou seis e... as “veze” a empresa transferia a gente “pra” outro setor, e a gente acabava perdendo o ano todo. Ficava sempre distante e nunca deu “pra” terminar o ano todo! O único canteiro que deu “pra” terminar o ano todo foi esse aqui da construtora Hema... O ano passado eu estudei com aquela menina, com... aquela magrinha, como é o nome dela, meu Deus?! Parece que é... (silêncio)..”. (Educando 9, entrevista realizada em 05/11/2014).

Já faz com esse agora... é... três vezes que eu estudo!

É porque às vezes a gente “tá” estudando aí sai da empresa, vai “pra” outro canto... pronto, aí no outro canto não tem, na outra empresa não tem. Aí fico sem estudar! Aí é longe... aí não dá “pra” eu ir, me deslocar “pra” lá!

(Educando 10, entrevista realizada no dia 05/11/2014).

A rotatividade do trabalho na construção civil como um dos fatores que resultam na evasão dos educandos do Programa é um problema que já foi constatado e discutido desde 1998 no Programa. Alguns textos refletem sobre esse fator.

“No Programa Escola Zé Peão identificamos duas categorias de evasão. No primeiro caso – o da evasão formal –, a saída do aluno da escola é motivada por fatores externos à escolar, como por exemplo: demissão, transferência e rotatividade – características bastante significativas da indústria da construção.” (IRELAND, 1998, p. 53).

Portanto, podemos identificar, a partir das falas dos alunos-operários, que a rotatividade foi recorrente. Ela se constitui como um dos entraves à prática educativa dos educandos do Programa. Esse problema ultrapassa os limites da escola e dificulta o processo de aquisição das habilidades da leitura e da escrita.

Além disso, nas observações, percebeu-se, em alguns relatos sobre essa questão, que, na maioria das vezes, a rotatividade gera desânimo no educando-operário. Assim, muito não querem retornar às salas de aula, devido à instabilidade do trabalho na Construção Civil. A partir das observações, percebe-se nas suas falas, ao abordar o assunto, o ressentimento de alguns educandos-operários quanto à desvalorização, ao descaso e, muitas vezes, ao desrespeito que muitas empresas têm em relação à participação deles nas salas de aula.

Outro elemento que se fez presente nas entrevistas é que, pelo fato de não poderem, muitas vezes, completar um ano letivo de estudos devido à rotatividade no trabalho, quando têm oportunidade, alguns educandos matriculam-se de novo no programa, pois gostam da forma como o mesmo realiza o ensino. Ainda em relação às observações em campo, foi destacado, muitas vezes, pelos operários-educandos, como ponto possitivo, o fato de o Programa escutá-los e levantar-lhes a autoestima, considerando que isso faz muito bem para eles.

Quanto à segunda questão da entrevista, foi solicitado pelo pesquisador que os sujeitos pesquisados descrevessem o que fazem no seu cotidiano. Essa questão buscou resgatar as atividades cotidianas dos educandos, por compreender-se que essas atividades corriqueiras que acontecem em espaços como familia, trabalho, igrejas, sindicatos, entre outros,

estabelecem algum tipo de relação com a leitura e a escrita. A seguir, algumas descrições dessas atividades por eles apresentadas:

O que eu faço é... eu me levanto logo cedo, de quatro horas, tomo café, aí venho pro trabalho de... chego aqui umas quatro e... é... umas seis e meia. Aí tomo café aqui e vou trabalhar. Aí trabalho o dia “todin” [... ]... tijolo, massa... o que o mestre bota pra gente fazer “nois faz, né?” Com tijolo, alvenaria, com emboço, com tudo! O que bota na obra, aí a gente faz, aqui na...

(Pesquisadora: – E quando o senhor está em casa, com sua família, o que o senhor faz?)

Ah! Eu faço... me levanto bem cedo, vou pra feira, faço as “compra”... [... ] Aí venho pra casa, a “mulé” faz a comida; aí eu passo o dia em casa.Tem a gente... aí eu vou... assim no domingo, quando eu “tô” com dinheiro, aí eu vou mais os meninos pro shopping, levo pra passear, né?!

(Educando 3, entrevista realizada no dia 25/11/2014).

Eu trabalho... acordo às cinco da manhã, tomo café, pego às seis... Aí trabalho das seis às sete da noite. Meu trabalho é... eu trabalho no elevador, atendo à... maioria das pessoas do trabalho... como pedreiro e ajudante... fazendo os pedidos diário... e eu atendo a “todo ele”!

(Pesquisadora: – E em casa?)

Eu... leio, eu... Passeio quando tem tempo, quando não tem... Fico em casa mesmo!

(Pesquisadora: – Lazer?)

Geralmente eu gosto... sempre eu viajo pra praia, essas coisas assim, eu gosto!

(Educando 4, entrevista realizada no dia 25/11/2014).

Nessa questão, os relatos dos alunos mostram o quanto são pesados os trabalhos que eles exercem no dia a dia. São trabalhos que exigem bastante esforço braçal. As descrições feitas são claras no que diz respeito às dificuldades que eles enfrentam para driblar o cansaço e estudar à noite. Mas, além do esforço que o trabalho exige, fazem-se presentes, também, nesses relatos, algumas práticas sociais de letramento exercidas no cotidiano como, por exemplo, fazer compras e anotar pedidos.

Nas observações feitas nas salas de aula e anotadas no diário de campo, registrou-se o cansaço, várias vezes abordado por eles, com ênfase, nas entrevistas. Percebeu-se que ele se manifestava mais forte na segunda feira, já que a maioria deles, nesse dia, precisavam sair de casa às 4 horas da manhã, para estar no serviço às 6, conforme explicam no relato. Lembre-se que esses educandos-operários, na sua maioria, são do interior da Paraíba, onde ainda residem. Ao longo da semana, trabalham na capital João Pessoa. O sábado e o domingo, eles passam com a família, no interior, retornando ao trabalho na segunda-feira. No decorrer da semana, dormem nas obras. Com isso, não é estranho o cansaço mencionado por eles. Cansaço esse que dificulta o processo de ensino e aprendizagem.

Identificou-se, também, através da observação de campo, o pouco conhecimento de alguns educadores para trabalhar a leitura e a escrita. Isso fazia com que a discussão acerca desse tema não fosse além da oralidade, muitas vezes, constituindo apenas um monólogo do educador para com o educando, resultando numa aula cansativa e sem progresso nas práticas de leitura e de escrita. A respeito dessas práticas, sem sentido e deseempenhadas por meio de métodos tradicionais de leitura e de escrita, na maioria das vezes presentes nas salas de aula da EJA, é interessante dialogar com Soares (1998. p. 45-46):

As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem a competência para usar a leitura e a escrita para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não lêem [sic] livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio.

Na citação acima, a autora tece críticas ao processo de alfabetização pelo viés tradicional da leitura e da escrita, em que os sujeitos alfabetizados codificam e decodificam o sistema ortográfico, no entanto não conseguem, na maioria das vezes, se envolver em práticas sociais de leitura e de escrita. Por exemplo, não conseguem ler livros, jornais, revistas, entre outras práticas letradas.

Quanto a essa prática tradicional de leitura e de escrita, Street (2014) considera-a, em seus trabalhos sobre letramento, como modelo autônomo. Consiste na utilização da leitura e da escrita em seus aspectos técnicos que, por sua vez, são processos de decodificação de grafemas em fonemas. No que tange à construção de textos, esse modelo prioriza a correção ortográfica e gramatical, a estruturação adequada, sem fazer nenhuma relação com os usos e os significados sociais da escrita. O autor, nos seus trabalhos, critica o modelo autônomo, por esse priorizar apenas os aspectos técnicos citados acima. A importância da questão técnica da língua não é desvalorizada, contudo a crítica reside no fato de esses elementos serem trabalhados sem considerar os aspectos sociais da língua escrita.

Outro ponto abordado na entrevista foi a relação, no trabalho, entre os educandos e os seus colegas, o patrão etc. Ou seja, buscou-se resgatar a forma como se dão as relações estabelecidas no trabalho, haja vista que se compreende que elas se fazem presentes em determinadas práticas letradas.

Duas palavras foram muitas vezes citadas nas respostas dos alunos a essa questão, a saber: parceria e respeito. Eles consideram o respeito e a parceria importantes instrumentos no ambiente de trabalho.

Nas observações feitas na formação inicial e continuada do PEZP, uma das coordenadoras pedagógicas declarou que uma das consequências do processo de letramento desses sujeitos, de acordo com os princípios do Programa, era algo que melhorava as relações interpessoais deles, nos diversos espaços nos quais eles estão inseridos. A coordenação pedagógica afirmava isso a partir de relatos dos próprios alunos, ao longo da trajetória do PEZP. Pensando dessa forma, os processos que os levaram a aprender a ler e a escrever estão situados dentro de uma perspectiva de educação mais humanística, com viés crítico e problematizador. Neto (2004, p. 16) fundamenta melhor essa fala: “Precisa desenvolver-se uma educação que faça ver aos trabalhadores que eles não estão sozinhos e se constituem como uma classe, onde o valor da solidariedade é uma marca”.

A partir desse pensamento, a prática educacional precisa incluir, no seu fazer cotidiano, eventos de letramento que reflitam valores como o da solidariedade, parceria e respeito. Vê-se aqui a necessidade de retomada do conceito de eventos de letramento, tendo em vista que já foi trabalhado na fundamentação teórica do texto. Esses eventos representam “Qualquer ocasião em que o trecho da escrita é essencial à natureza das interações dos participantes e a seus processos interpretativos (HEATH, 1982 apud STREET, 2014, p. 18). Nesta pesquisa, os eventos de letramento se constituem nas aulas, na formação inicial e continuada e nas reuniões pedagógicas do Programa Escola Zé Peão.

Investigada a relação dos educandos com o Programa Escola Zé Peão, os educandos avaliaram-no positivamente. Alguns deles afirmaram não saber ler nem escrever quando começaram a participar do PEZP. Todavia o Programa Escola Zé Peão não foi a primeira experiência escolar de alguns operários-educandos entrevistados. A seguir, algumas falas sobre o tema:

A minha escola é boa, porque o pouco que eu aprendi, eu aprendi aqui, porque... quando eu cheguei aqui em João Pessoa, eu não sabia pegar um ônibus! Muitas vezes... quando eu cheguei aqui, em noventa e sete, eu pegava ônibus pela cor... e cheguei a me perder! Hoje eu chego na rodoviária assim e... tenho umas dificuldades, mas “pra” vista do que eu era... melhorou bastante, né?! Fico olhando assim... algumas coisas eu desenrolo... outro dá “pra” soletrar... e assim é a vida... tenho o interesse de aprender através das dificuldades mas... Já, já lê... eu não tenho o domínio verdadeiro, mas dá “pra lê alguma coisa!”.

Professora, eu vou lhe falar da escola agorinha! Minha relação com a escola, a partir do dia que eu comecei a estudar... ela faz muito bem “pra” mim! É muito bom! Eu... eu num... apesar de já ter essa idade, eu num... eu num me acho que já passou da idade, não, eu tenho que “vim” “mermo”! Eu gosto! Eu gosto!

(Educando 6, entrevista realizada no dia 13/11/2014)

Tá boa! Eu “tô” aprendendo o que eu não sabia “né”? Quando eu comecei a estudar no projeto, foi em dois mil e dois, que eu comecei... em dois mil e dois! Aí... eu não sabia de nada! Sabia “nem” ler um nomezinho assim... não sabia ler, “pra” pegar um ônibus tinha que perguntar a alguma pessoa “pra” onde ia... “pra” saber o destino dele... e agora graças a Deus, só basta eu olhar o destino que eu já sei “pra” onde vai!

(Educando 11, entrevista realizada no dia 05/11/2014).

Nos comentários, ficam evidente o orgulho e o respeito dos operários-educandos para com o Programa Escola Zé Peão. De uma forma geral, eles falam dos seus avanços e seus envolvimentos em práticas letradas, a partir do momento em que começaram a frequenter as aulas do PEZP.

Percebe-se, também, nos discursos dos educandos 1 e 11, o significado real da leitura e da escrita para a realização das atividades diárias. Para eles, a leitura e a escrita possibilitaram, entre outras coisas, a independência em pegar um ônibus, considerando que, antes, dependiam da ajuda das pessoas para o uso da leitura. Isso reafirma a importância da leitura e da escrita na perspectiva social do letramento. Mais uma vez, as suas falas relacionam a leitura e a escrita aos usos sociais. De acordo com Soares (2004, p. 106),

na vida cotidiana, eventos e práticas de letramento surgem em circunstâncias da vida social ou profissional, respondem a necessidades ou interesses pessoais ou grupais, são vividos e interpretados de forma natural, até mesmo espontânea; na escola, eventos e práticas de letramento são planejados e instituídos, selecionados por critérios pedagógicos, com objetivos predeterminados, visando à aprendizagem e quase sempre conduzindo a atividades de avaliação.

A autora apresenta aqui dois tipos de letramentos. O letramento resultante de eventos e práticas vivenciados nos espaços informais, que são os letramentos sociais e o letramento trabalhado no espaço escolar, denominado letramento escolar. E o letramento social que, nas falas dos educandos, em quase todas as questões, é identificado como atividades realizadas por eles ao longo do dia e que estãorelacionadas com as práticas de leitura e de escrita.

A próxima questão trabalhada é significativa para a presente pesquisa, porque apresenta os vários olhares dos educandos sobre a leitura e da escrita. Mesmo que, nas questões anteriores, também se façam presentes esses olhares, neste momento, a questão é mais direta.

À pergunta relativa ao que entendem sobre leitura e escrita, quase consensualmente, os educando entrevistados apresentaram a questão a leitura e a escrita relacionadas com as práticas significativas do seu cotidiano. Nesse sentido, a leitura e a escrita se configuram como instrumentos imprescindíveis para melhorar a interação, a comunicação, o convívio social e a inserção no mercado de trabalho, conforme pode ser constatado nas seguintes citações:

A leitura, acho que é... o conhecimento de... das palavras, das coisas do... se relacionar melhor com as pessoas, com a sociedade, com “todo” em geral né?!

Assim... é quando o cara tem o vício de ler, né?! Lê livro, só “vevi” lendo, estudando, eu acho que é... a pessoa que é o leitor, porque sempre “tá” lendo, né?! “Tá” sempre... olhando os livros, estudando, pesquisando, procurando aprender mais... “tá” se fazendo um verdadeiro leitor! A escrita, eu acho que é uma fórmula de... comunicar com... através da escrita eu digo quem eu sou, escrevendo. É porque escrevendo a pessoa pode se expressar de várias formas, né?! Escrevendo... é uma formula de... comunicar com... através da escrita eu digo quem eu sou, escrevendo.É porque escrevendo, a pessoa pode se expressar de várias formas, né?! Escrevendo...

(Educando 2, entrevista realizada no dia 13/11/2014 )

Saber lê é a pessoa saber... assim... pegar um ônibus... muitas coisas, é muito interessante mesmo! Lê uma “praca”, por exemplo, assinar um negócio, não assinar errado, porque ele “tá” lendo. Ele “tá” vendo que aquilo alí não é pra ele assinar... e a pessoa que não sabe não, se eu entregar um papel dizendo... pode entregar um papel dizendo qualquer coisa, a pessoa assina, porque não sabe. A pessoa que sabe escrever é muito interessante, porque escreve muita coisa que... Escreve um nome da... assim, o nome de uma escola, o nome da pessoa, o nome da família, qualquer negócio escreve, é muito... é interessante mesmo!

(Educando 3, entrevista realizada no dia 25/11/2014)

Leitura... eu acho que leitura é assim... leitura é muito perfeito! O que a leitura significa, “né”? A pessoa que sabe lê sabe lê! Saber lê é o seguinte... quem não sabe, corre muito risco de vida sem saber se o negócio vai cair, se você passar... perigo, você já “tá” sabendo como está, em perigo, “né”?! Já sabe lê essa palavra... o “cabra” que não sabe lê vai cair daqui sem saber olhar! (O aluno esta falando da importancia da leitura para o trabalho na construcao civil.) Lê tudo, é... lê tudo! Já eu, é o seguinte aprender lê... eu acho que não sou dez, não, mas já sei de muito aí “pra” lê... até mesmo, “né”?, “pra” saber lê o português completo, eu acho que nenhum de nós sabe, “né”?! Até doutorado o cara aqui brasileiro, não sabe ainda lê, porque é diferente de um estado “pra” outro...

(Educando 8, entrevista realizada no dia 18/11/2014).

Na fala sobre a matéria acima, alguns educandos se reportam à diversidade linguística, considerando-a um elemento complexo e diferente. Além disso, para eles, a leitura e a escrita assumem uma concepção de aplicabilidade prática, para o convívio social. De acordo com

Leffa (1996 p.10), “A leitura é o reconhecimento do mundo através de espelhos. Como esses espelhos oferecem imagens fragmentadas do mundo, a verdadeira leitura só é possível quando se tem um conhecimento prévio desse mundo.”.

Em conformidade com a autora acima, a leitura está diretamente ligada às vivências e experiências dos sujeitos. É importante lembrar que essas vivências dos sujeitos e a diversidade linguística foram consideradas valiosas, no trabalho do “método” de trabalho de Paulo Freire, para se trabalhar a Educação de Adultos.

Discutindo, ainda, a concepção de leitura e de escrita apresentada pelos educandos, um outro pensador reflete acerca da língua. Koch (2009, p. 17, grifo da autora) define a leitura como

uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes (enciclopédia) e sua reconstrução no interior do evento comunicativo.

Para a autora, a leitura é uma atividade complexa e tem como foco a interatividade e a produção de sentidos. Pensando dessa forma, ela deve ter como fio condutor de interação quem escreve o texto (autor), o próprio texto e quem lê o texto; no caso, o leitor.

Referindo-se à reflexão acerca da leitura e da escrita direcionada à abordagem do letramento, Soares (2004, p. 75) assim se posiciona:

o que o letramento é, depende essencialmente de como a leitura e a escrita são concebidas e praticadas em determinado contexto social; letramento é um conjunto de práticas de leitura e escrita que resultam de uma concepção de quê, como, quando e por que ler e escrever.

Vê-se que as falas dos educandos, em nenhum momento, se distanciam do que as autoras acima dizem a respeito das concepções acerca da língua na perspectiva de uso social. Contraiamente, eles demonstram como essas concepções dão vida no dia a dia.

Outro questionamento feito, na entrevista, diz respeito à maneira como os educandos refletem acerca da importância da leitura e da escrita na realidade de seu cotidiano. Nas suas respostas, percebe-se que a leitura e a escrita são tão importantes que os sujeitos que não têm esse domínio são comparados a um cego. A comparação entre o não domínio da leitura e a escrita associada à cegueira é recorrente em várias falas dos educandos jovens e adultos que ainda não conseguem ler, conforme pode ser observado nos depoimentos abaixo:

Muito importante, porque a pessoa que não sabe ler é cega! Porque eu “tô” com isso... com esse informe! Eu “tô” com um informe “pra” dar a uma pessoa, aí eu digo: você vai entregar esse informe “pra” uma pessoa, você vai dizer o que “tá” escrito aqui! Se eu não “suber” lê, como é que eu vou repassar “pra” aquela outra pessoa? Se ele não “suber” também? Como é que eu vou... como é que eu vou dizer “pra” ele? A gente vai ter que pedir a