• Nenhum resultado encontrado

PROGRAMA ESCOLA ZÉ PEÃO: Uso Social da Leitura e da Escrita dos Operários-Educandos da Construção Civil

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "PROGRAMA ESCOLA ZÉ PEÃO: Uso Social da Leitura e da Escrita dos Operários-Educandos da Construção Civil"

Copied!
95
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO – CE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO POPULAR

ANTONAIDE RODRIGUES BÜHNE

PROGRAMA ESCOLA ZÉ PEÃO:

Uso Social da Leitura e da Escrita dos Operários-Educandos

da Construção Civil

JOÃO PESSOA – PB 2016

(2)

ANTONAIDE RODRIGUES BÜHNE

PROGRAMA ESCOLA ZÉ PEÃO:

Uso Social da Leitura e da Escrita dos Operários-Educandos

da Construção Civil

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção do título de mestra.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Jorge Lopes da Silva

JOÃO PESSOA – PB 2016

(3)

B931p Bühne, Antonaide Rodrigues.

Programa Escola Zé Peão: uso social da leitura e da escrita dos operários-educandos da construção civil / Antonaide Rodrigues Bühne.- João Pessoa, 2016.

95f.

Orientador: Eduardo Jorge Lopes da Silva Dissertação (Mestrado) - UFPB/CE

1. Educação de jovens e adultos. 2. Letramento social. 3. Alfabetização. 4. Programa Zé Peão.

(4)
(5)

Dedico este trabalho

Ao meu marido e anjo Dieter Wilhelm Bühne e aos meus filhos Amenai Helena Mathilde Rodrigues Bühne e Dieter Edgar Wolfram Bühne, pelo amor e pela paciência, por me ensinarem, a partir das suas existências, a lutar na vida sem perder a docura. E a ser melhor, a cada dia, como ser humano, tarefa difícil diante de todas as nossas limitações.

Aos operários-educandos do Programa Escola Zé Peão, que me permitiram conhecer um pouco de suas lutas e conquistas cotidianas.

(6)

AGRADECIMENTOS

Faço uso das primeiras linhas deste tópico para agradecer ao meu querido pai e amigo Deus e à minha querida mãe e amiga Nossa Senhora, fontes da minha força e sabedoria, aos quais me entrego, totalmente e sem nenhuma dúvida.

Agradeço, também, ao Prof. Dr. Eduardo Jorge Lopes da Silva, por ter aceito fazer essa caminhada científica ao meu lado como orientador.

Às Profas. e amigas Cláudia Costa Duarte, Maria José Candido Barbosa, Ruth Helena Fidelis de Souza Oliveira, Iara Silva de Lucena e Josiane Ferreira, que me orientaram, aconselharam e me ajudaram nos momentos mais difíceis da pesquisa.

À amiga Profa. Dra.Veronica Pessoa, pelas importantes considerações e sugestões relacionadas ao meu trabalho; principalmente, pelo respeito às minhas limitações acadêmicas.

À minha mãe Amenai Rodrigues Souza e aos meus irmãos, base de tudo, que sempre acreditaram em mim e me deram apoio.

Em especial, ao meu irmão Emerson Uruana Rodrigues de Souza, in memoriam, pois, quando se encontrava nesse plano terreno, acreditou e me apoiou para essa caminhada.

Aos Coordenadores e Professores do Programa Escola Zé Peão, que permitiram e me apoiaram na realização desta pesquisa.

A todos os jovens e adultos que coloboraram, com seus relatos e suas experiências, para a efetivação deste trabalho.

Ao meu cunhado Wolfram Bühne, que cuidou dos meus filhos, para que este trabalho fosse concluído.

A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que esta pesquisa fosse realizada.

(7)

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo investigar como os educandos do Programa Escola Zé Peão (PEZP) fazem uso da leitura e da escrita, na perspectiva do letramento em suas relações sociais. No que refere aos fundamentos teóricos do letramento para a relização deste trabalho, buscou-se suporte na abordagem histórico-cultural. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso. Os dados foram coletados a partir da técnica de observação não participante, nas salas de aula localizadas nos canteiros de obras, no espaço da formação inicial e continuada do PEZP, tendo as observações sido registradas em diário de campo. Os dados foram coletados por meio da realização de entrevistas semiestruturadas com os educandos-operários. Os resultados revelaram que os educandos pesquisados exercem práticas socias letradas e reconhecem o valor da leitura e da escrita para as suas atividades e a resolução de problemas cotidianos. As conclusões indicam a importância de serem trabalhadas as práticas pedagógicas, no processo de alfabetização de jovens e adultos, na perspectiva do uso social da leitura e da escrita.

(8)

ABSTRACT

This research aimed to investigate how the students of the Zé Peão School Program (PEZP) make use of the reading and the writing, through literacy perspective in their social relations. As regards the theoretical foundations of literacy for realizing this work, we search for support in the historical-cultural approach. It is a qualitative research, with a case study. Data were collected from the non-participant observation technique, in classrooms located at construction sites, in the space of initial and continuing training of PEZP, and observations were recorded in a field diary. Data were also collected by conducting semi-structured interviews with the workers learners. The results revealed that the students surveyed exercise literate social practices and recognize the reading and writing value to their activities and solving everyday problems. Our findings indicate the importance of working pedagogical practices in the process of teaching youths and adults how to read and write, through the perspective of social use of reading and writing.

Keywords: Literacy. How to read and write process. Education of youths and adults.

(9)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Nível de alfabetismo funcional por porcentagem da população por escolaridade Nível de alfabetismo funcional da população de 15 a 64 anos por escolaridade da população – 2011–2012 (Em %): ...25

Tabela 2: Caracterização dos operários/educandos ...63

(10)

LISTA DE SIGLAS

ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação APL Alfabetização na Primeira Laje

COLE Congresso de Leitura do Brasil

DEJA Departamento de Educação de Jovens e Adultos ECT Empresa de Correios e Telégrafos

EJA Educação de Jovens e Adultos

EP Educação Popular

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INAF Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional

MEC Ministério da Educação

MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização PAS Programa Alfabetização Solidária PBA Programa Brasil Alfabetizado

PEZP Programa Escola Zé Peão/Projeto Escola Zé Peão PJMP Pastoral da Juventude do Meio Popular

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNBE Programa Nacional Biblioteca na Escola PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação ProEXT Programa de Extensão Universitária

PROFA Programa de Formação de Professores e Alfabetizadores PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica

SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SINTRICOM Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil, Pesada, Montagem e do Mobiliario de João Pessoa e Região

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TST Tijolo Sobre Tijolo

UEPB Universidade Estadual da Paraíba UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFPB Universidade Federal da Paraíba

(11)

UFSJ Universidade Federal de São João Del-Rei

(12)

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 11

1 INTRODUÇÃO ... 13

1.1 ENTRE BUSCAS E SAÍDAS: as Trajetórias de Vida e as Várias Faces do Letramento ... 13

1.2 O LETRAMENTO TAMBÉM SE FAZ PRESENTE NOS MOVIMENTOS SOCIAIS ... 14

1.3 O LETRAMENTO TAMBÉM FAZ PARTE DO MUNDO DO TRABALHO ... 16

1.4 OS LETRAMENTOS NO ESPACO ACADÊMICO E A RELEVÂNCIA DO OBJETO DE PESQUISA ... 18

2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO ... 23

2.1 LETRAMENTO E CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS ... 24

2.2 ALFABETIZAÇÃO E POLISSEMIA CONCEITUAL ... 32

2.3 A LEITURA E A ESCRITA E O SEU USO SOCIAL ... 38

2.4 AÇÕES VOLTADAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA LEITURA ... 46

3 PROCEDIMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS ... 49

3.1 OS INTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS: o Diário de Campo e a Entrevista ... 50

3.2 O PROGRAMA ESCOLA ZÉ PEÃO COMO LÓCUS DE PESQUISA ... 51

3.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA ... 61

3.4 A ANÁLISE DOS DADOS: A ANÁLISE DE CONTEÚDO... 64

4 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS ... 65

4.1 ANÁLISE DAS PRÁTICAS SOCIAIS DE LETRAMENTO DOS EDUCANDOS DO PEZP ………..………... 65

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 81

REFERÊNCIAS ... 84

APÊNDICE A: Perguntas que guiaram as entrevistas ... 90

ANEXO A: Carta de anuência ... 91

(13)

APRESENTAÇÃO

No Brasil, no cenário contemporâneo, os processos de aquisição da leitura e da escrita, sobretudo pelos alunos da escola pública, ainda representam desafios a serem alcançados. Essas dificuldades se apresentam, especialmente no âmbito da leitura, nas últimas décadas, como têm evidenciado os índices resultantes de avaliações do sistema, a exemplo do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), cujos percentuais permitem inferir a não correspondência entre os níveis de leitura e o percurso formativo dos educandos, tornando essa realidade ainda mais desafiadora e complexa.

Como base nisso, considera-se que o avanço no processo de modernização das sociedades e o desenvolvimento da tecnologia requisitam, cada vez mais, habilidades de leitura e de escrita que devem estar além do ato de codificar e decodificar. Contudo, mesmo inserida numa sociedade grafocêntrica, a escola, apesar de ser um direito, ainda não foi conquistada por grande parte dos brasileiros.

Nessa direção, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), de 2004 – 2013, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que o Brasil, no ano de 2013, registrou que 8,5% dos brasileiros de 15 anos ou mais não conseguem utilizar a leitura e a escrita para se informar, realizar planejamentos ou mesmo documentar algo. Isso representa mais do que a ausência de processos formais de escolarização, visto que incide no direito ao pleno exercício da cidadania que passa pela aquisição dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade.

A discussão acerca do letramento no sentido do uso social da leitura e da escrita, na perspectiva ampla do letramento como prática social, é o objeto desta pesquisa. Segundo Street (2014), esse tipo de pesquisa tornou-se alvo de interesse de vários estudiosos nos últimos anos, pois muitos dos estudos acadêmicos que refletem sobre esse tema tinham como foco as consequências cognitivas da aquisição do letramento. Ainda, de acordo com Street (2014), os “Novos Estudos do Letramento” relacionados ao papel deste na educação são limitados. Assim, para a definição de letramento enquanto prática social crítica, torna-se necessário que certos aspectos históricos e transculturais da vida do educando sejam levados em consideração, sendo ainda relevante que ele seja assessorado em suas práticas de letramento.

Ao discorrer sobre o letramento, na perspectiva social, Tfouni (2006, p. 9) assevera que essa prática:

(14)

Por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita, entre outros casos, procura estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de escrita de maneira restrita ou generalizada; procura ainda saber quais práticas psicossociais substituem práticas ‘letradas’ em sociedades ágrafas. Desse modo, o letramento tem por objetivo investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social.

Pensado dessa forma, o letramento tem como definição a inserção na multiplicidade de práticas de leitura e de escrita, assim como a capacidade que os educandos têm de usar a leitura e a escrita na resolução dos problemas cotidianos.

O presente trabalho está organizado em cinco capítulos. O primeiro traz-se relatos da história da pesquisadora, nos quais são apontadas algumas de suas experiências relacionadas com o objeto de pesquisa.

O segundo reflete acerca das bases teóricas que fundamentam esta dissertação e apontando, dentre outros elementos, pelos aspectos da leitura e da escrita e pelo seu uso social. O terceiro capítulo apresenta o caminho da pesquisa, descreve os instrumentos da coleta de dados utilizados e discorre sobre o lócus e os sujeitos desta investigação.

O quarto capítulo analisa e interpreta os dados, tentando compreender a forma como se dá a relação dos sujeitos pesquisados com a leitura e a escrita no seu uso social. Por fim, as considerações finais constituem uma reflexão acerca dos resultados obtidos neste estudo.

(15)

1 INTRODUÇÃO

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra, e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele”. (FREIRE, 1988, p. 22).

Nesta seção, procede-se à contextualização do objeto de estudo, recuperando o encontro com este no contexto das memórias desta pesquisadora. Evidencia-se que o mesmo vem sendo construído ao longo de diferentes tempos e espaços, situando, no âmbito da trajetória de vida da pesquisadora, as inquietações que resultaram na elaboração do projeto gerador da dissertação.

1.1 ENTRE BUSCAS E SAÍDAS: AS TRAJETÓRIAS DE VIDA E AS VÁRIAS FACES DO LETRAMENTO

Quando se inicia este processo de retomada dos sentidos do que esta pesquisadora faz e por que faz, depara-se com o questionamento sobre o interesse dela em investigar sobre o uso social da leitura e da escrita, na perspectiva do letramento do jovem e do adulto, pelo Programa Escola Zé Peão, na linha de pesquisa Educação Popular (EP).

Em sua memória recente, a pesquisadora recorda-se que, desde muito cedo, se envolveu com o mundo letrado. A mãe, professora no Sertão da Bahia, que fora, também, professora do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)1, seduzia-a, com seu trânsito pelo mundo das letras. Como filha mais velha, sempre acompanhou os encantos e desencantos da mãe para com a educação. Presenciou os desabafos dela, ao denunciar as péssimas condições de trabalho, a remuneração baixa, a sala de aula com número excessivo de alunos, entre outros aspectos. Mas ela falava ainda do prazer que sentia em ver seus alunos felizes, quando conseguiam ler ou escrever uma palavra, mesmo que fosse apenas uma. O fazer pedagógico da mãe, aos poucos, toma consciência a respeito das condições concretas existentes no trabalho do professor. Mas esta pesquisadora se pergunta por que fala sobre a mãe. E responde que ela foi responsanvel pela sua alfabetização, tendo lhe apresentado os códigos, através do quais ocorreu a passagem para o “ler” e “escrever”. A partir dela, deram-se seus primeiros contatos com a lecto-escrita – ou seja, com o desenvolvimento das suas habilidades de leitura e de escrita – e a sua inserção no mundo letrado. Assim, foi num banco, numa sala

1 Projeto criado pela Lei n. 5.379, de 15 de dezembro de 1967, criado e mantido pelo regime militar de 1964, voltado para a alfabetização de adultos.

(16)

pequena de uma casa feita de barro, no interior do Sertão da Bahia, que lhe foram apresentadas as letras. Os livros, os jornais, as revistas em quadrinhos ou outros materiais escritos não fizeram parte da infância desta pesquisadora. O que dispunha para uso era o quadro verde na parede, com as letras do alfabeto que ainda se fazem presentes na memória dela. A mesa era feita de tábuas, com blocos nas extremidades os quais serviam de pernas. As tarefas que lhe impunham eram aprender o a e i o u, escrever o prórpio nome, decorar a tabuada e o A BC. E aprendeu tudo isso! Não sabia para que servia, mas aprendeu. Quando foi para a escola, de fato, já estava alfabetizada, ou seja, já sabia “ler” e “escrever”.

Por isso, o mundo das letras fascinava-lhe e, ao mesmo tempo, dava-lhe medo: um dos castigos da época era ficar sentada em um cantinho da sala, repetindo inúmeras vezes a lição que não fora feita. Confessa que sempre tive dificuldade em entender esse amontoado de códigos. Não se discutia o contexto e a sua relação com o texto; o importante era decodificar os símbolos. Na verdade, até hoje, ainda não descobriu a utilidade de alguns conteúdos da Matemática e, até mesmo, da Língua Portuguesa.

Essas lembranças retornam à mente na atualidade, quando se propõe estudar o letramento social, em uma experiência de Educação de Jovens e Adultos. Apesar das distâncias físicas e temporais entre o antes e o agora, os fatos aproximam-se, uma vez que reforçam inquietações e questionamentos sobre a leitura e a escrita numa perspectiva emancipatória.

1.2 O LETRAMENTO TAMBÉM SE FAZ PRESENTE NOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Outra experiência que esta pesquisadora vivenciou e que foi de suma importância para a a formação dela foi o trabalho desenvolvindo junto à Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), principalmente, por favorecer o seu encontro com a Educação Popular, possibilitando que ela se reconhecesse como sujeito dos processos nos quais estava envolvida. Assim, foi a Pastoral da Juventude um movimento que marcou a sua vida pessoal, de estudante e profissional. O hino da PJMP, denominado de ILEAO, transcrito abaixo, toca-ma e contagia-a, mesmo nos dias atuais.

Ileao, ileao, a juventude é a bandeira do Amor Com o coração, com as duas mãos

Com todo povo a gente faz um mundo novo (refrão) Somos filhos de trabalhadores

A nossa classe é a classe popular

(17)

Também queremos trabalhar, participar, É a juventude do Meio Popular

(Roberto Malvezzi).

Esse hino despertou-lhe a capacidade de sonhar. O sonho deve ser aqui entendido numa perspectiva de utopia libertadora que, para além de conceitos e vertentes, expresse o compromisso com a construção de uma sociedade mais humana e justa, um lugar onde caibam todos.

Dessa forma, teve início a sua trajetória nos movimentos populares. No interior da Bahia, na cidade de Pilão Arcado, na década de 1980, atuou como militante no movimento supracitado, contribuindo, também, na condição de coordenadora. A PJMP, nesse sentido, objetivava, através de seus jovens, testemunhar e vivenciar o evangelho e a evangelização como instrumentos de luta das camadas pobres da sociedade, visando a uma prática libertadora, no sentido de transformar uma determinada realidade que oprime em outra que liberta (FREIRE, 1987), contribuindo para a transformação da pessoa humana e da sociedade. Era, então, um espaço de discussão acerca das micro e macroestruturas políticas e econômicas do país. De acordo com Nascimento (2009, p. 29),

A PJMP foi o reflexo de anseios e conflitos vivenciados por agentes sociais no âmbito da conjuntura sociopolítica e eclesiológica das décadas de 1960 e 1970, especialmente na América Latina e Brasil, as quais representaram, para as sociedades organizadas, um momento de mudanças profundas em quase todas as instâncias do mundo contemporâneo.

A Pastoral da Juventude foi o espaço que os jovens da sua cidade tinham para refletir acerca dos problemas sociais e políticas do país. A educação também fazia parte dessas reflexões. Utilizava-se o teatro de rua para refletir sobre como se vivia na cidade, sem perder o foco da situação do Brasil. Marca as memórias desta pesquisadora o trabalho de evangelização, junto com os outros jovens, realizado no interior da cidade. Nesses nossos encontros, percebia-se que a maioria da população adulta não sabia ler nem escrever. E isso ficava mais evidente quando

era

solicitado a que alguém lesse um trecho da bíblia ou algum folheto com informações sobre como tratar a água em casa ou, ainda, quando da assinatura da lista de presença do encontro. Essa problemática se acentuava, embora não fosse esse o foco de atuação do movimento, haja vista que a questão da seca era emergente. É importante ressaltar que, mesmo nos dias atuais, esse problema ainda não foi solucionado. Conviver com essa desigualdade só favoreceu a percepção dela sobre o quanto a falta de leitura e de escrita,

(18)

por parte da maioria da população, também se constituía num dos grandes desafios a serem superados, sendo também objeto de desejo e de sonhos.

Esses momentos de reflexão sobre a vida dela foram decisivos para uma compreensão sobre a situação de miséria que as pessoas viviam e que muitos ainda vivem. Entendeu esta pesquisadora que a concentração de riquezas, por parte de um pequeno grupo, não er a algo natural como muitos queriam que acreditassem. Essa elucidação veio da sua inserção nas ações da Pastoral da Juventude do Meio Popular, através das múltiplas linguagens utilizadas nos espaços educativos, especialmente o teatro.

De acordo com Calado (2012), o trabalho embasado nas múltiplas linguagens é uma das principais características da Educação Popular, em suas perspectivas crítica e humanizadora. Entretanto, não se pode deixar de destacar, como um dos limites desse movimento, a pouca utilização do registro escrito das atividades desenvolvidas, prevalecendo uso da oralidade e da fotografia como instrumentos primordiais na sistematização de sua memória.

Mediante essas questões, pode se afirmar que a PJMP a fez nascer de novo, considerando que possibilitou a ela a recriação do seu eu – pessoal e profissional –, ao se permitir compreender melhor a sua inserção no mundo, as ideologias que sustentam os fatos e explicam como as coisas são. A partir disso, pode-se compreender e, ao compreender, libertar-se. Entende-se esse novo nascimento, conforme palavras de Freire (1987, p. 33), como um: “Nascer da superação da contradição, com a transformação da velha situação concreta opressora, que cede lugar a uma nova, de libertação”. Além disso, a Pastoral da Juventude também contribuiu para sua vida de educadora, ao oportunizar-lhee a compreensão da educação como um ato político e, também, como um dos instrumentos de libertação e de tomada de consciência. Esse espaço de discussão possibilitou-lhe apreender os letramentos da vida, entendendo o letramento em sua dimensão social e na sua multiplicidade como parte integrante e inerente do processo de aprendizagem.

1.3 O LETRAMENTO TAMBÉM FAZ PARTE DO MUNDO DO TRABALHO

A trajetória da pesquisadora na educação formal e, portanto, no letramento escolar se deu no início da década de 1990, em uma creche – cujo trabalho se destinava ao cuidado de crianças carentes – organizada, dirigida e financiada por uma entidade alemã situada no interior do Sertão da Bahia. À época, ela era formada no nível do magistério, única formação que se tinha na cidade para atuar como professora. Esse curso “habilitou-a” a trabalhar no

(19)

campo da Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nesse contexto, o objetivo da creche era atender às crianças carentes da região.

No primeiro momento, ao chegar à sala de aula, sentiu-se confusa e sem saber o que fazer. A creche tinha três turmas, sendo ela destinada ao trabalho com as crianças da faixa etária de 05 (cinco) a 06 (seis) anos. A meta era a alfabetização dessas crianças. O que a ajudou, nesse primeiro momento, foi o que tinha apreendido a partir das observações do trabalho desenvolvido pela mãe. Dessa maneira, prevaleceu a reprodução daquelas vivências: apresentação das letras, famílias silábicas e frases curtas. As práticas de leitura que desenvolveu, durante muito tempo, estiveram voltadas para a codificação-estruturalista e a amecanicista, baseadas nas repetições: uma concepção mecânica da leitura e da escrita. Essas situações são denominadas por Street (2014) de modelos autônomos de letramentos. A crítica do autor acima no que tange ao modelo autônomo de letramento incide sobre o fato de esse modelo ter como foco central a avaliação das capacidades cognitivas e individuais do sujeito, deixando de lado a forma como esses sujeitos utilizam o texto escrito em diferentes contextos históricos, culturais e sociais.

Não se sentia satisfeita com esse trabalho, e essa insatisfação trazia o acúmulo das discussões advindas da Pastoral da Juventude, principalmente no tocante à função social da educação, muito embora, naquela época, não tivesse clareza sobre a definição de letramento. Anos depois, porém, começou a estudar esse assunto. Em reunião com o diretor geral da creche, apresentou, com apoio das colegas de trabalho, as dificuldades pedagógicas sentidas naquele processo. A partir disso, foram organizados – contando com a participação de diversos profissionais da educação, com titulação acadêmica na área, sendo a maioria pedagogos – encontros de formação mensais. Aos poucos, foi se tornando alfabetizadora de fato. E, no fazer cotidiano do seu trabalho, nas descobertas, a partir da participação em oficinas pedagógicas, foi se apropriando e usando, de forma mais segura e crítica, a escrita. Esse percurso vai dando corpo à fala do educador Paulo Freire (1987) sobre a ideia de o ser humano estar em construção e sobre a condição de seu inacabamento. Ao se reconhecer inacabada, ela precisou buscar leituras que lhe permitissem rever, criticamente, seus modos de ser, pensar e agir, em particular no contexto educacional.

(20)

1.4 OS LETRAMENTOS NO ESPACO ACADÊMICO E A RELEVÂNCIA DO OBJETO DE PESQUISA

No ano de 1998, então, foi aprovada no vestibular para ingresso no Curso de Pedagogia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). No espaço acadêmico, foram-lhe apresentados alguns pressupostos teóricos da educação, principalmente da Educação Infantil. Seu primeiro contato com a academia foi um choque, em razão de vir de um mundo onde o destaque era dado à questão da oralidade, enquanto a academia requer outros tipos de letramento, os quais, necessariamente, passam pela escrita. Exigem-se outros saberes e níveis de leitura e de escrita mais complexos, o que, de certo modo, ainda não estavam constituídos em sua formação escolar. Isto fazia com que ela vivesse um processo saudosista em relação à época dos movimentos sociais, nos quais esteve inserida, lugar em que seu letramento era valorizado. Todavia, no espaço da Universidade, teve a oportunidade de ler diversas obras de Paulo Freire, sendo A Pedagogia do Oprimido a que mais a marcou. Não se pode deixar de mencionar, também, que foi nesse espaço onde conheceu o Programa Escola Zé Peão (PEZP). O PEZP, lócus da sua pesquisa, era noticiado por diversos professores da UFPB, ao longo do seu processo formativo, destacando, sobretudo, a contribuição do mesmo na formação do educador, principalmente no campo da Educação de Adultos, fato que despertou ainda o interesse dela. Nesse período, o Zé Peão não era um programa, mas um projeto de extensão voltado à Educação de Jovens e Adultos (EJA). No segundo semestre do curso, em 1998, resolveu participar de sua formação e seleção que acontecia, na maioria das vezes, no espaço da UFPB. Desse modo, foi selecionada e passou a integrar a equipe do Projeto. Na época, ficou encantada com o processo de formação oferecido pelo Programa: nesse espaço, suas vivências e experiências anteriores foram valorizadas. No Programa, foi apresentada, oficialmente, à modalidade da Educação de Jovens e Adultos, modalidade esta pela qual se apaixonou.

Na metodologia adotada para o trabalho de alfabetização, observou que a vida cotidiana pode e deve ser uma das ferramentas do fazer pedagógico. Aprendeu a confrontar os diferentes tipos de textos e a entender os diversos usos que se faz diariamente da língua enquanto instrumento de poder e de transformação social. Teve, também, entendimento da real função da leitura e da escrita na sociedade. Lembra que, na época em que fez a seleção para o Programa, a concorrência era alta, visto que muitos estudantes, de diferentes licenciaturas da UFPB, desejavam fazer parte da equipe de educadores desse Programa. Atuou como alfabetizadora no Programa no período compreendido entre 2000 e 2003. Em

(21)

2004, passou a atuar na condição de Coordenadora Pedagógica. Não tem dúvidas da contribuição política e pedagógica do Programa para sua vida como um todo. Primeiro, o Programa lhe ensinou a trabalhar com uma modalidade da educação, a EJA, da qual, no Curso, ainda não tivera conhecimento. Segundo, essa atuação ampliou sua concepção sobre o trabalho da alfabetização, antes restrito à Educação Infantil. Aprendeu, a partir da formação e dos planejamentos semanais, com a Coordenação Pedagógica e os colegas de trabalho, a refletir sobre as questões metodológicas e a dimensão política para se trabalhar com o público da EJA.

Além dessas indicações, há um aspecto em particular no Programa que fez diferença na sua trajetória profissional: a sistematização das atividades pedagógicas realizadas em sala de aula. No início, esse confronto com a sistematização do Programa pareceu-lhe complexo, visto que, nos movimentos sociais, onde atuou, havia a supremacia da oralidade sobre a escrita. De fato, a ênfase dada à oralidade é também um aspecto de discussão e valorização do letramento. No entanto a desvalorização do registro escrito deixou lacunas no seu trabalho profissional e na sua vida pessoal.

A partir do ingresso dela na experiência do PEZP, essa dificuldade foi sendo superada. Nesse trabalho, o registro da prática pedagógica era realizado através de uma ficha de sistematização, entregue, semanalmente, sendo lida e avaliada pela Coordenação Pedagógica do Programa. Esse instrumento ajudou-a nas reflexões sobre o trabalho didático-pedagógico desenvolvido em sala de aula. Esse espaço também foi seu primeiro contato com a discussão acerca do letramento, objeto da preseente pesquisa. Além desse espaço, pôde aprofundar as discussões acerca do letramento no ano de 2005, quando dos seus estudos no âmbito da pós-graduação lato sensu, investigando a temática do letramento na EJA.

Esse estudo teve como objetivo discutir as concepções de alfabetização e de letramento e o modo como estavam sendo trabalhadas, ou não, em algumas escolas da rede municipal da Paraíba. Com essa oportunidade, aprofundou, teoricamente, seus conhecimentos sobre as concepções de letramento e alfabetização e suas interrelações.

Na sequência, no período de 2005 a 2010, residiu na Alemanha, onde foi alfabetizada em uma segunda língua. Depois de um ano estudando o idioma alemão, submeteu-se a um teste, com objetivo de avaliar seu nível de letramento, na perspectiva de habilitar-se para o trabalho. Nessa ocasião, percebeu que as discussões realizadas sobre o letramento estavam mais voltadas o letramento digital. Havia, assim, uma preocupação, por parte do governo, quanto ao acesso dos adultos aos meios tecnológicos, ou seja, o uso social da tecnologia. Na definição de Soares (2002, p. 151), o letramento digital é “certo estado ou condição que

(22)

adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e da escrita na tela, diferente do estado ou condição do letramento dos que exercem práticas de leituras e escrita no papel”.

Assim, ao retornar ao Brasil, em 2011, foi convidada pela Coordenação do PEZP para assumir o trabalho integrando a Coordenação Pedagógica do Programa. A partir de então, pôde visualizar, com mais clareza, que o letramento é uma temática presente na pauta desse projeto. Essa percepção tem se dado, principalmente, a partir de dois elementos centrais: a) a construção das pautas de formação do Programa, cujo trabalho assume o letramento enquanto uma das perspectivas metodológicas do Programa; b) a leitura do relatório que o atual Coordenador Geral do PEZP enviou ao Programa de Extensão Universitária – ProEXT, no qual pode ser identificado como um dos objetivos do programa: “Politizar a tomada de posição dos operários-educandos frente aos desafios cotidianos, fazendo uso de conteúdos sistematizados próprios do mundo letrado”. Além disso, e não menos importante, um dos princípios que norteiam a prática pedagógica do Programa Escola Zé Peão, desde o seu surgimento, em 1990, é o princípio da significação operativa, que defende “o exercício da busca cotidiana de sentido para ‘o que se faz’ e ‘por que se faz’” (IRELAND, 1998, p.15).

Diante do exposto, é possível observar a função social da leitura e da escrita, ou seja, a partir desses elementos, pode-se dizer que o Programa Escola Zé Peão propõe um trabalho que se baliza na perspectiva do letramento enquanto uso social das habilidades da leitura e da escrita e dos códigos matemáticos.

No ano seguinte, em 2012, somando-se a essa experiência, foi aprovada na seleção para Professora Substituta, na área de aprofundamento em Educação de Jovens e Adultos, na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Campus lll, cidade de Guarabira. Na ocasião, ministrou a disciplina “Alfabetização e Letramento na Educação de Jovens e Adultos”. Esse trabalho, de modo instigante, favoreceu seus estudos e pesquisas sobre o tema em questão, visto que agora, no contexto do Ensino Superior, teve a oportunidade de aprofundar as discussões teóricas e práticas sobre o letramento na EJA.

Dessa maneira, apesar das recorrências com que se tem refletido acerca da relevância do letramento, tornando-se comum afirmar que a leitura e a escrita são instrumentos facilitadores para a apropriação do conhecimento socialmente valorizado, estudos apontam que o Sistema Educacional Brasileiro ainda apresenta significativos registros de pessoas que não utilizam os códigos da leitura e da escrita no seu cotidiano, seja para o lazer, seja mesmo para a resolução de problemas diversos.

(23)

Sobre esse tema, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) 2004 – 2013, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constata que, no Brasil no ano de 2013, registrou-se que 8,5% da população de 15 anos ou mais não sabem ler nem escrever. Buscando-se os dados por região, no Nordeste concentram-se 16,9% da população que não dominam os códigos da leitura e da escrita. Todavia vale ressaltar que a pesquisa também aponta que houve uma melhora nos dados sobre a questão, quando relacionados ao ano de 2003, em que foi constatado, no Brasil, um índice de 11,5% e, na região Nordeste, de 22,4% de analfabetos adultos. Mesmo com a melhora evidenciada pelos dados, ainda se tem um número significativo de pessoas excluídas do processo de aquisição e do uso do código da leitura e da escrita.

Outro aspecto importante que reforça a relevância da temática desta pesquisa, que tem como objeto o uso social da leitura e da escrita (letramento), no campo da Educação de Jovens e Adultos, é a insuficiência de estudos acadêmicos, ao menos no âmbito da pós-graduação em Educação, produzidos na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em torno dessa matéria.

Essa afirmação, por sua vez, requisita a realização de um levantamento das produções – dissertações e teses – disponibilizadas no site do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFPB), especialmente no período de 2009 a 2013. Identificamos, porém, que a produção discente dessa Pós-Graduação não está digitalizada e disponível para consulta pública na página eletrônica do PPGE. Por esse motivo, a metodologia utilizada para a triagem dessas produções deu-se tomando como base a leitura dos títulos que abordavam o uso social da leitura e da escrita, na EJA e no PEZP. Para assegurar a confirmação da abordagem dos mesmos, realizou-se a leitura dos respectivos resumos e a conferência de suas palavras-chave. A partir desse levantamento, verificou-se que, das 136 dissertações que compunham o banco de dados, apenas 16 (dezesseis) apresentavam como foco a modalidade EJA. Além disso, 03 (três) das 16 (dezesseis) identificadas direcionavam seu olhar para a concepção e a prática de leitura. Desse processo, destaca-se que, em determinadas dissertações, os sujeitos pesquisados eram professores e não educandos, quando o foco eram as “práticas de leitura”. Foram elas: a) Concepções de leitura na Educação de Jovens e Adultos – Curso Técnico em Agroindústria – IFPB (SOUZA, 02.09.2010; b) Práticas de leitura em Cajazeiras – PB (1930 a 1950): memórias de ex-professores (ALBUQUERQUE, N13.12.2010; c) Concepções e práticas de leitura na Educação de Jovens e Adultos: o que revelam as memórias dos estudantes do IFPB. Campus: Cajazeiras (BANDEIRA, 30.03.2011).

(24)

Quanto às teses do período citado, foram pesquisados 41 trabalhos, e nenhum deles focalizava a pesquisa sobre o uso social da leitura e da escrita na modalidade EJA ou mesmo no PEZP.

Outro site utilizado para complementação das informações relativas ao tema estudado – letramento voltado para os sujeitos da EJA – foi o da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). Essa Associação organiza reuniões anuais, desde 1978, para discutir questões relacionadas à educação. Até o momento, foram realizadas 36 reuniões anuais. O olhar da autora desta dissertação direcionou-se para as cinco últimas reuniões, ocorridas no período de 2009 a 2013. Selecionaram-se para a pesquisa o GT10 – Alfabetização e Leitura e o GT18 – Educação de Pessoas Jovens e Adultas.

No transcurso desse período, foram apresentados 120 trabalhos. Destes, poucos discutiam as práticas de leitura e de escrita, tendo como sujeito o educando jovem e adulto. Foram trabalhados temas tais como: concepções de alfabetização e de leitura do Programa de Formação de Professores e Alfabetizadores (PROFA); alfabetização e letramento na perspectiva infantil; letramento digital na EJA; a linguagem matemática; a interdisciplinaridade na EJA no PEZP; o desafio do professor em alfabetizar letrando.

Percebe-se, nas buscas feitas durante a realização deste estudo, que muitos dos trabalhos trazem a visão instituída a partir do olhar do professor, sendo poucos os que primam por apresentar o olhar do educando jovem e adulto. Assim, os dados apontados demonstram que o tema relacionado ao uso social da leitura e da escrita na EJA, na perspectiva do aluno, ainda se constitui num desafio, no contexto da produção acadêmica nesse campo.

Diante do exposto, levanta-se a seguinte questão, relacionada ao objeto de pesquisa: que usos os educandos do Programa Escola Zé Peão fazem da leitura e da escrita, na perspectiva do letramento, em suas relações sociais? Como objetivo geral, investigam-se as práticas de leitura e de escrita dos educandos do Programa Escola Zé Peão, em seu cotidiano, considerando a perspectiva social do letramento. Com relação aos objetivos específicos, define o seguinte: identificar os significados e as múltiplas funções que os educandos participantes da pesquisa atribuem à leitura e à escrita, em suas relações sociais.

Na análise das intenções postas na pesquisa, que permitem perceber as distâncias e as aproximações entre o idealizado e o realizado, confirma-se que o processo de investigação, além de sua dimensão formativa e instigadora, permitiu a sistematização de saberes, cujo alcance, entre outras questões, amplia a produção do conhecimento sobre o letramento no contexto da Educação de Jovens e Adultos, contribuindo, dessa feita, com a produção científica e social acerca desses temas.

(25)

2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

A sociedade atual apresenta, cada vez mais, a marca do desenvolvimento tecnológico, requisitando, assim, dos sujeitos jovens e adultos, o conhecimento e a apropriação do sistema gráfico como possibilidade de se posicionar e intervir criticamente na sociedade. Diante dessa demanda, acentua-se a necessidade de mudanças no campo educativo, de modo a capacitar o sujeito a preencher um formulário, ler e entender um contrato de trabalho, manusear aparelhos tecnológicos, entre outras ações que o ato de ler e de escrever, de forma mecânica, por si só, não garante.

Além disso, de acordo com essas novas exigências, é preciso usar novas habilidades de leitura e de escrita adquiridas pelo processo de alfabetização para, em outros termos, fazer uso social dessas habilidades. Para Soares (1998, p. 45-46),

As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem a competência para usar a leitura e a escrita para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não leem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio.

Nesse sentido, concorda-se com Soares (1998), quando acentua a importância de as pessoas incorporarem práticas de leitura e de escrita, instrumentalizando-se para o uso da leitura e da escrita na sociedade. Concorda-se, também, com Street (2014), quando evidencia que a escola precisa começar a avaliar menos o que as pessoas sabem sobre alguns textos escritos e se preocupar mais com a forma como elas usam os mesmos em diferentes situações históricas e culturais.

Nas leituras realizadas acerca do conceito de letramento, tanto Soares (1998) quanto Kleiman (1995b) esclarecem que o mesmo surgiu devido às várias críticas às concepções tradicionais de leitura e de escrita ocupadas com a perspectiva de codificar e decodificar, sem relacioná-las com as demandas sociais que predominavam ou predominam na sociedade.

(26)

2.1 LETRAMENTO E CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

Sabe-se que as discussões sobre letramento provocam uma reflexão sobre o processo de alfabetização, cujo enfoque será dado na sequência deste estudo. Nas décadas de 1980 e 1990 (Século XX) e início do século XXI, os linguistas, interessados em investigar os processos de aquisição da leitura e da escrita, compreendem o letramento como um suporte socialmente necessário ao processo de alfabetização. Para Soares (2010), a discussão dessas questões leva a outro conceito, o de alfabetismo. Esse seria um “fenômeno complexo, que envolve diferentes tipos e graus de habilidades de compreensão e usos da linguagem escrita, além de atitudes a ela relacionadas” (RIBEIRO, 1999, p. 47). Em outras palavras, um estudo que se preocupe em analisar o processo de alfabetismo irá “desvendar relações entre a aquisição e o uso da escrita com mudanças no plano da cultura, da organização social e do funcionamento cognitivo dos indivíduos” (RIBEIRO, 1999, p. 25).

Por isso, a discussão sobre os processos da leitura e da escrita vai além do desenvolvimento das habilidades de ler e de escrever e passa a considerar a forma como elas estão sendo abordadas e utilizadas na sociedade.

Dessa forma, considerando que o presente estudo focaliza a leitura e a escrita na perspectiva do letramento enquanto uso social e que, segundo Ribeiro (1999), o alfabetismo tem como uma de suas preocupações a de compreender, conceitualmente, os usos e as atitudes da leitura e da escrita, torna-se relevante a discussão acerca desse fenômeno. Além disso, o analfabetismo funcional restringe direitos, reduzindo as possibilidades de que os sujeitos alcancem, de maneira plena, a cidadania.

Nesse sentido, alguns pesquisadores e estudiosos desse tema alertam para o perigo das generalizações precipitadas e dos reducionismos simplistas. Ribeiro (1999), por sua vez, destaca três problemas teóricos, resultados da complexidade do alfabetismo enquanto fenômeno cultural: a relação entre a dimensão social e individual do alfabetismo; a relação do alfabetismo com a escolarização e, por fim, as condições nas quais podem se estabelecer as relações entre o alfabetismo e as características psicológicas de indivíduos ou grupos, sem cair nas armadilhas de um determinismo estreito. De acordo com a autora, essas três relações tornam o fenômeno complexo e difícil de ser trabalhado. Ela aleerta para o perigo de se olhar o fenômeno do alfabetismo numa visão unidimensional das competências de leitura e de escrita.

Diante da necessidade de buscar indicadores mais precisos sobre alfabetismo funcional, o Instituto Paulo Montenegro e a Ação Educativa desenvolveram, em 2001, o Indicador

(27)

Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF). A tabela abaixo do INAF apresenta dados coletados nos anos de 2011 e 2012. A pesquisa foi aplicada com uma amostragem de mais de 2.000 (duas mil) pessoas, com idade entre 15 e 64 anos, investigando sobre o nível de alfabetismo funcional.

Tabela 1: Nível de alfabetismo funcional por porcentagem da população por escolaridade Nível de alfabetismo funcional da população de 15 a 64 anos por escolaridade da população – 2011–2012 (Em %):

Níveis

Escolaridade

Nenhuma Fundamental I Fundamental II Médio Superior

Analfabeto 54 8 1 0 0

Rudimentar 41 45 25 8 4

Básico 6 43 59 57 34

Pleno 0 5 15 35 62

Fonte: Anuário da Educação Brasileira, 2014.

Com a exposição desses dados, faz-se necessária a apresentação dos significados do analfabetismo e dos níveis de alfabetismo. Com relação aos níveis, são eles: alfabetismo rudimentar, alfabetismo nível básico, alfabetismo nível pleno. Segundo o INAF, estado de analfabetismo ocorre quando os sujeitos “não dominam as habilidades medidas”; no alfabetismo rudimentar, o sujeito é capaz de “localizar uma informação simples em enunciados de uma só frase, um anúncio ou chamada de capa de revista, por exemplo.”. Quanto ao alfabetismo nível básico, os sujeitos “localizam uma informação em textos curtos ou médios, mesmo que seja necessário realizar inferências simples”. No alfabetismo nível pleno, “localizam mais de um item de informação em textos mais longos, comparam a informação contida em diferentes textos, estabelecem relações entre as informações (causa/efeito, regra geral/caso, opinião/fato), reconhecem a informação textual, mesmo que ela contradiga o senso comum” (ANUÁRIO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, 2014).

Ainda segundo a fonte consultada, essa pesquisa é aplicada a cada dois anos, com amostragem de 2 mil pessoas, junto à população de 15 a 64 anos.

Ao analisar esses indicadores, alguns elementos chamaram a atenção; dentre eles, a relevância do fato de que 8% dos jovens e adultos que fizeram parte da pesquisa, embora tenham frequentado o ensino fundamental I, não demonstraram nenhuma habilidade para a leitura e a escrita. Outro fato merece registro: 1% dos alunos consultados que frequentou o ensino fundamental II apresentou a mesma falta de desenvoltura ou o mesmo comportamento dos 8% dos educandos supracitados.

(28)

Foi, também, observado que 45% dos entrevistados cursaram o ensino fundamental I, demonstrando um nível de ensino rudimentar, ou seja, conseguem identificar informações simples de um pequeno texto. Além disso, identificou-se, na tabela, que 8% dos sujeitos pesquisados que frequentaram o ensino médio possuem as mesmas habilidades textuais dos que frequentaram o fundamental I. Outra informação relevante diz respeito a 4% dos alunos que fizeram o ensino superior, tendo as mesmas capacidades de utilização da língua escrita dos educandos anteriormente mencionados.

Em referência ao ponto que trata da educação básica, surpreende o seguinte fato: 6% dos entrevistados, mesmo sem frequentar uma escola, apresentaram o nível de escolaridade básica. Constata-se, igualmente, que 59% dos sujeitos que fizeram parte da pesquisa cursaram o ensino fundamental II, apresentando o grau de escolaridade básica.

Foi observado que 5% dos educandos cursaram o ensino fundamental I e encontram-se na categoria “alfabetismo nível pleno”, o que significa, conforme já mencionado, “localizar mais de um item de informação em textos mais longos, comparar informação contida em diferentes textos, estabelecer relações entre as informações (causa/efeito, regra geral/caso, opinião/fato), reconhecer a informação textual mesmo que ela contradiga o senso comum” (ANUÁRIO BRASILEIRO DA EDUCAÇÃO, 2014).

Enfim, um dos elementos preocupantes na leitura da tabela é a pouca frequência dos alunos à educação formal, ou seja, sem nenhuma escolaridade. É inquietante ver que um número significativo de educandos que estão no ensino médio ou superior apresentem níveis de escolaridade rudimentar ou básica. A leitura que se faz, em relação aos níveis de apreensão dos códigos da lecto-escrita, é que “os leitores” formados pelas escolas brasileiras não conseguem fazer uma compreensão crítica do que leem. Segundo Freire (1989), esse olhar crítico sobre a leitura “implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”.

De acordo com esses dados, uma parcela significativa da população jovem e adulta, 54%, não tem as habilidades necessárias de leitura e de escrita, ou seja, não se apropriou dos códigos da leitura e da escrita. É notória a existência de ações como, por exemplo, a adoção de programas como: Programa Alfabetização Solidária (PAS), idealizado em 1996 pelo Ministério da Educação e coordenado pelo Conselho da Comunidade Solidária; Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA); e, um dos mais atuais, Programa Brasil Alfabetizado (PBA), elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), entre outros. Todos esses programas foram criados para esse público, com o objetivo de reduzir ou acabar com esses índices. No entanto é visível que essas ações2 ainda não foram eficazes no enfrentamento dessa problemática.

2 No decorrer do texto, vão ser apresentadas algumas ações no campo da legalidade para as questões específicas da leitura e da escrita.

(29)

Retomando a questão do letramento, em sua perspectiva conceitual, evidencia-se que o termo letramento vem do latim littera, que significa “letra” e do inglês literacy, que quer dizer “capacidade de ler e escrever, estado de ser alfabetizado”. Acerca da questão do letramento, recorre-se, num primeiro momento, a Soares (2003a), uma das pioneiras no estudo do tema no Brasil. A autora alerta que, só quando houver uma articulação entre os estudos desenvolvidos nas diversas áreas de conhecimento e quando forem considerados os aspectos políticos e sociais do indivíduo, poderá existir coerência no entendimento sobre o processo de alfabetização.

Garcia (2004), por sua vez, esclarece que têm ocorrido muitas discussões sobre os significados do letramento, apontando que é comum, entre autores como Goular (2001; 2002); Kleiman (2001); Ribeiro (1999); Soares (2001; 2002 e 2003) e Tfouni (1988; 2004), explicar que o letramento surge da necessidade de se compreender algo amplo que está além da alfabetização, pensada enquanto domínio tecnológico da leitura e da escrita. E, ainda, que essa necessidade é decorrente das sociedades atuais, conhecidas por alguns pensadores como grafocêntricas. Essas sociedades, a cada dia, exigem novos usos da leitura e da escrita, inclusive por pessoas consideradas analfabetas.

Mesmo sabendo que existem autores que destacam o letramento como neologismo desnecessário, como esclarece Brotto (2008 apud SOUZA; CARDOSO, s.d.), o posicionamento adotado nesta dissertação foi o de apresentar um suporte teórico de autores que discutem o letramento e a alfabetização como fenômenos que, embora distintos, são complementares no ato de ensinar a ler e a escrever. Assim, Soares (2001, p. 39) define letramento como “resultado da ação de ensinar e aprender as práticas de leitura e escrita”. Ou seja, ser letrado diz respeito ao estado ou à condição de quem não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam na sociedade em que vive, conjugando-as com as práticas sociais de interação oral.

Nesse sentido, a língua não é considerada apenas instrumento de transmissão de mensagens, porém como um meio através do qual os interlocutores vão construindo sentidos e significados ao longo de suas trocas linguísticas, orais ou escritas. Os sentidos são constituídos segundo as relações estabelecidas com a língua, com o tema sobre o qual se fala, escreve ou lê, levando em consideração seus conhecimentos prévios, atitudes, preconceitos e as relações que os interlocutores mantêm entre si.

De acordo com Soares (2002), um indivíduo pode não saber ler e escrever, isto é, ser “analfabeto’’, mas, de certa maneira, pode ser “letrado’’ (com sentido vinculado ao letramento). Da mesma forma, um indivíduo pode ser “alfabetizado”, mas não fazer uso social

(30)

das competências ligadas à leitura e à escrita. No que se refere à questão da alfabetização, esta é considerada como um processo permanente de aprendizagem quer seja da língua escrita ou da oral, pois estas estão sempre em processo de desenvolvimento.

A esse respeito, Soares (2001) argumenta que é preciso compreender que não se pode considerar alfabetizada uma pessoa que seja apenas capaz de decodificar símbolos visuais em sonoros, ou seja, que lê apenas sílabas ou palavras isoladas, nem também aquela que é incapaz de usar adequadamente o sistema ortográfico da língua e de se expressar por escrito. Significa dizer que, para ser considerada alfabetizada, uma pessoa precisa saber se relacionar com os diferentes tipos de textos, entender a significação de determinada palavra em diferentes contextos, e não somente reconhecer os códigos da língua.

Outra pesquisadora no assunto é Kleiman (1995a). Segundo ela, o termo letramento não está ainda dicionarizado, e a variedade de estudos nesse domínio torna o conceito complexo. Entende essa autora que o mencionado termo foi utilizado pela primeira vez na década de 1980, por Mary Kato. E define letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos e para objetivos específicos (KLEIMAN, 1995a, p. 19).

Para essa autora, o letramento consiste nas práticas e eventos relacionados ao uso, função e impacto social da escrita. Essa concepção não se limita às práticas comunicativas mediadas pelo texto escrito, ou seja, às práticas que envolvem os atos de ler e de escrever. Dessa maneira, o letramento também se faz presente no momento em que alguém é escriba de outra pessoa, quando uma criança reconta uma história que ouviu dos seus pais, ao refletir sobre determinada realidade, ao discutir determinado tema na associação sindical, entre outros atos.

Desse modo, em sentido amplo, o letramento também se faz presente na oralidade. O processo de alfabetização se ocupa com a aquisição da escrita, da leitura e das práticas de linguagem, ao passo que o letramento se preocupa com os aspetos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade. Com o objetivo de alcançar um melhor entendimento sobre o assunto, Kleiman (1995a) cita o exemplo de uma alfabetizadora que fez parte do seu projeto de pesquisa e que escrevia poemas. Essa alfabetizadora afirmava que, se não escrevesse poemas, se sentiria morta, pois os poemas eram uma forma de ela brincar com as palavras. Essas ações de escrever poemas e brincar com as letras e refletir sobre a escrita se constituem em práticas de letramento. Essas práticas podem ser orais ou escritas e podem ocorrer em várias agências de letramento que mostram orientações diferenciadas: família, local de trabalho, escola, sindicato, entres outras.

(31)

Para entender os eventos de letramento, recorre-se a Kleiman (apud PEREIRA, 2004, p. 105), que define como eventos de letramento “situações em que a escrita constitui parte essencial para fazer sentido da situação, tanto em relação à interação entre os participantes como em relação aos processos e estratégias interpretativas”. A ação de uma mãe contar uma historinha para o filho antes de dormir e a participação numa assembleia sindical são ações que se constituem em eventos de letramento. Segundo Jung (2007), as práticas de letramento dizem respeito aos padrões culturais de uso da leitura e da escrita em uma situação particular. Ou seja, as pessoas trazem o conhecimento cultural que têm para a leitura e a escrita, enquanto que os eventos são atividades particulares nas quais o texto escrito tem o seu papel. No decorrer dessa obra, outros autores explicam o que são eventos e práticas de letramento.

Percebe-se a importância de trazer, para a reflexão sobre o letramento, os dois modelos de letramento apresetados por Street (1984), e discutidos por Soares (2001) e Kleiman (1995b). São eles: o modelo autônomo e o ideológico. O primeiro é uma concepção que enxerga o letramento apenas como uma prática. Ou seja, o letramento aqui é desenvolvido apenas de uma forma. Segundo Street (1984, p. 161 apud BARROS, 2011, p. 15), o modelo autônomo de letramento é definido como o “uso da escrita em seus aspectos técnicos, independente do contexto social”. Dentro desse modelo, é valorizada a decodificação de grafemas em fonemas, de forma descontextualizada. Ainda segundo os autores citados,

na prática, o modelo concretiza-se pelo desenvolvimento de habilidades técnicas individuais de decodificação de grafemas em fonemas e de produção de textos com correção ortográfica e gramatical, estruturação adequada, sem relação com os usos e significações sociais da escrita (BARROS, 2011, p. 15).

A escola é o espaço valorizado dentro desse modelo. A autonomia está relacionada ao fato de que a escrita, por si só, daria conta de todo o processo de sua aquisição, independentemente do contexto. Portanto, ela não estaria presa ao contexto para ser produzida ou interpretada. Aqui ela é vista como neutra, imparcial. Neutralidade essa que, para Street (2014), não existe.

Quanto ao modelo ideológico, afirma que existem várias práticas de letramento e que essas são determinadas social e culturalmente. Nesse modelo, a prática de letramento considera o contexto e a instituição na qual essa prática foi adquirida. Para Street (1984, p. 162 apud BARROS, 2011, p. 15), a “produção da escrita [está] intimamente ligada às estruturas culturais e de poder numa dada sociedade”. Para esses autores, o uso do termo ideológico dá-se em razão de a escrita refletir “autoridade e poder, de um lado, e resistência

(32)

individual e criatividade, do outro, segundo as características socioculturais dos grupos que a produzem e a interpretam”. Esse modelo de letramento considera os usos e as funções da escrita vinculadas a questões do poder e da cultura.

Jung (2007), ao discutir a leitura e a escrita-letramento dentro dessas duas concepções, aborda que o modelo autônomo apresentado por Street é reducionista, haja vista que a escrita é completa em si mesma. Assim, o leitor não precisa considerar o contexto de produção e interpretação ao escrever. A escola, ao adotar esse modelo de letramento, atribui ao indivíduo o seu fracasso na escola. A autora traz a pluralidade do modelo ideológico e concebe o letramento, assim como Street, a partir dos aspectos sociais e culturais. Dessa forma, os significados que a escrita tem para os grupos sociais dependem do contexto e das instituições em que ela é adquirida e praticada.

Dessa maneira, a forma como a linguagem escrita ou o processo de letramento se desenvolve depende do grau de letramento das instituições sociais (família, escola) em que o sujeito está inserido (BÜHNE, 2005).

O que é quase comum nos autores citados até o momento é o fato de o letramento ser visto em duas dimensões: social (práticas sociais) e individual (alfabetização). Nesta, o letramento está vinculado a habilidades de leitura e de escrita como característica pessoal e individual; naquela, às “práticas sociais, isto é, o que as pessoas fazem com as habilidades e os conhecimentos relacionados com a leitura e a escrita”. Barros (2011, p. 15); Rameh; Araújo (2006), ao conceituar a alfabetização e o letramento, apresentam a alfabetização como um processo do letramento, esclarecendo que isso acontece a partir do momento em que a pessoa se apropria ainda mais da língua escrita. Já o letramento vai além da alfabetização, pois acontece antes, durante e depois, não se limitando à alfabetização e ao espaço escolar. Pensando dessa forma, o letramento acontece também em vários espaços como igrejas, rodas de conversa com os amigos, na família, entre outros, e não somente nos ambientes formais da educação.

De acordo com essas autoras, o letramento acontece antes mesmo da leitura e da escrita num contexto extraescolar. Ao analisar o ato de alfabetizar, elas alertam que alfabetização não é apenas ensinar as letras, as sílabas, as palavras e frases, mas, sobretudo, saber as razões do como e quando alfabetizar. Dessa forma, a alfabetização deixa de ser apenas o ato de ler e escrever, extendento-se ainda ao ato de saber o que se lê e o que se escreve. É comum, na discussão que as autoras fazem acerca da alfabetização, conceberem-na como uma ação que vai além da decodificação de sons e letras, à medida que possibilita, também, compreender o significado as palavras utilizadas nas diferentes situações.

(33)

Mollica e Leal (2009, p. 11) recorrem a Soares (s.d.) para apresentar dois conceitos importantes na discussão: letramento social e letramento escolar. O primeiro está relacionado ao “conhecimento de mundo, aos saberes inatos ou adquiridos pela experiência, enquanto que o letramento escolar está ligado às habilidades específicas em relação à apropriação da lecto-escrita e da lecto-escrita matemática”. Ainda segundo essas autoras, o letramento diz respeito a uma variedade de saberes de origem sociopolítico-cultural que os cidadãos podem exibir e colocar em prática em suas comunidades, mesmo não sendo alfabetizados.

Ao pensar o letramento na perspectiva freiriana, Rameh e Araújo (2006) dizem que a proposta político-pedagógica de Freire – embora, na época, ainda não se usasse o termo letramento, como atualmente é utilizado no mundo acadêmico – tem o seu olhar para a humanização dos seres humanos. Para Freire (1987, p. 73), a educação tem que ser problematizadora, ou seja, corresponder

à condição dos homens como seres históricos e à sua historicidade. Daí, que se identifique com eles como seres mais além de si mesmos [...] como seres que caminham para frente, que olham para frente; como seres a quem o imobilismo ameaça de morte; para quem o olhar para trás não deve ser uma forma nostálgica de querer voltar, mas um modo de melhor conhecer o que está sendo, para melhor construir o futuro.

Desse modo, a prática educativa em Freire (1987) reflete a dinamicidade da vida e tem no sujeito e no seu modo de viver, e nas relações desse sujeito com o mundo, seus pontos principais de reflexão. E é esse olhar sobre as relações dos sujeitos envolvidos no processo educativo e sobre a real função da leitura e da escrita na sociedade, assim como as práticas letradas que esses sujeitos acumulam, que caracterizam a reflexão do letramento social.

Até o preseente momento, a partir da explanação feita pelos teóricos que pesquisam o tema, torna-se evidente que não existe um único tipo de letramento3. Então, pode-se falar não de letramento, no singular, mas de letramentos, no plural. Com isso, algumas interrogações vêm à tona: Que tipo de letramento se almeja?; Quais os letramentos são necessários para dar conta das demandas sociais da atualidade; e, o mais importante: Que tipo de letramento o jovem e adulto busca ao entrar na escola?

3 O letramento, na perspectiva social, será discutido no item 2.3, no qual é abordado o uso social da leitura e da escrita.

(34)

Ao tratar da alfabetização, de acordo Rameh e Araújo (2006), mesmo na dimensão técnica da aprendizagem, presente no ato de codificar e decodificar, ela não deveria ser trabalhada desvinculada da vida das pessoas.

2.2 ALFABETIZAÇÃO E POLISSEMIA CONCEITUAL

A alfabetização também pode gerar instigantes discussões. Por entender o seu conceito como algo plural e dependente das relações e do contexto em que está sendo trabalhado, sabe-se que não é nada fácil a sua conceituação. Nessabe-se sabe-sentido, ao refletir sobre essabe-se assunto, Tfouni (2006) enfoca que esta se refere ao processo individual de aquisição de habilidades da leitura e da escrita ou como processo de representação de objetos diversos de natureza diferente.

O primeiro gera mal entendido porque, muitas vezes, a alfabetização é pensada como algo que chega ao fim. Assim, ela é descrita por objetivos instrucionais. Pensada a partir desse primeiro enfoque, a alfabetização deixa de ser um processo contínuo que se acaba no ato de codificar e decodificar. A autora concorda que, na alfabetização, existe uma ligação entre a instrução formal e as práticas pedagógicas escolares, que são variáveis trabalhadas separadamente, difíceis de lidar.

Quanto ao letramento, focaliza aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita por um indivíduo ou grupo de indivíduos. O letramento não deve ser estudado apenas com pessoas que dominam o código escrito, mas, também, deve investigar as consequências da ausência da escrita no que concerne ao aspecto individual, remetendo ao social mais amplo. Tfouni (2006) convida a discutir o letramento numa perspectiva social, não se limitando, portanto, à discussão técnica da leitura e da escrita.

Ainda de acordo com Tfouni (2006), dois elementos são importantes, ao se refletir sobre o que ela denomina de complexidade da produção e codificação textual, que são graus ou níveis de alfabetização. Por exemplo, a leitura de uma cartilha ou manual didático de computação requer habilidades específicas e níveis de alfabetização diferenciados. Esse exemplo deixou claro que o ato mecânico da alfabetização – o de privilegiar os aspectos gramaticais em detrimento das práticas sociais da leitura – não dá conta das várias habilidades de que o sujeito necessita.

No que se refere à alfabetização, Soares (2001) considera essa ação como um processo permanente de aprendizagem, seja da língua escrita, seja da oral, pois estas estão sempre em processo de desenvolvimento. A autora ainda diz que é preciso compreender que não se pode

Referências

Documentos relacionados

(1998) afirma que “as inter- relações entre as atividades, o espaço e o ajuste, são a essência de qualquer planejamento de arranjo físico, independente do

Os candidatos reclassificados deverão cumprir os mesmos procedimentos estabelecidos nos subitens 5.1.1, 5.1.1.1, e 5.1.2 deste Edital, no período de 15 e 16 de junho de 2021,

DEPARTAMENTO DE GENÉTICA Unidade de Citogenética Unidade de Genética Médica Unidade de Genética Molecular Unidade de Rastreio Neonatal Unidade de Investigação e

Atualmente o estado do Rio de Janeiro está dividido em 15 Diretorias Regionais: Serrana I, Serrana II, Norte Fluminense, Noroeste Fluminense, Baixadas Litorâneas,

II - Investigar como se dá o processo de aquisição da leitura e da escrita por meio de levantamento bibliográfico acerca da alfabetização e o letramento e, realização

escolar e entrevistas com roteiros semiestruturados aplicados às professoras formadoras da Universidade Federal de Permabuco (UFPE) e da Escola Cristo Rei, aos profissionais

teste era realizado da seguinte maneira, o psicólogo, que no caso era a máquina (Eliza), conversava com as pessoas com o objetivo de ajudá-las a sancionar seus

Respondendo às hipóteses levantadas, utilizando os modelos formados à partir dos dados referentes ao banco de dados da PNS 2013, utilizando o modelo de regressão