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AJUIZADOS

Para melhor análise acerca da inexistência da antinomia jurídica, faz-se

necessário, primeiramente, rever o seu conceito.

França, citado por Barros, conceitua antinomia da seguinte maneira:

Antinomia jurídica é a oposição que ocorre entre duas ou mais regras (total ou parcialmente contraditórias), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, as quais colocam o destinatário numa posição insustentável devido à ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado.60 (grifo nosso).

Ocorre que, na prática, uma interpretação errônea, quanto à hierarquia das leis

referentes à escritura pública, ocasiona a dispensa da certidão de feitos ajuizados por parte de

59 KOLLET, 2008, p. 124.

60 BARROS, Francisco Dirceu. Direito eleitoral: teoria, jurisprudência e mais de 1.000 questões comentadas. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 20.

alguns notários de nosso Estado, que justificam tal dispensa na omissão das leis posteriores à

Lei nº 7.433/85.

61

No entanto, em análise aos requisitos da lavratura de escritura pública, previstas

nas leis citadas neste capítulo, observa-se que as referidas normas não conflitam, nem de

forma geral, nem de forma específica, em relação à exigência da certidão de feitos ajuizados

na lavratura da escritura pública.

Conforme visto, as normas que disciplinam a matéria (escritura pública), no

ordenamento jurídico federal e no ordenamento do Estado de Santa Catarina vigentes, são:

– O Código Civil

62

, que apresenta os requisitos básicos para a lavratura da

escritura pública;

– A Lei 6.015/73

63

,

que apresenta o princípio da continuidade registral, e se

manifesta quanto ao objeto da transação imobiliária;

– A Lei nº 7.433/85

64

, que apresenta os requisitos específicos para a lavratura da

escritura pública;

– O Decreto nº 93.240/86

65

, que complementou algumas disposições acerca da

escritura pública e revogou as disposições em contrário;

– O Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina

66

, que,

nos artigos 896 a 910, apresentou requisitos e orientou dispensas.

Analisando-se as legislações pertinentes à matéria da escritura pública, verifica-se

que o Código Civil

67

, o Decreto nº 93.240/86

68

e o Código de Normas da Corregedoria-Geral

da Justiça de Santa Catarina

69

não fizeram alterações, exigências ou dispensas acerca da

exigência de certidão de feitos ajuizados para a lavratura de escritura pública que gerassem

conflitos com a Lei nº 7.433/85

70

, motivo pelo qual, não se está diante de caso de antinomia

jurídica.

Não se verifica hipótese de antinomia, pois o que há, na verdade, é, de um lado,

previsão legal expressa e, de outro, omissão legislativa acerca da matéria em normativos

61

BRASIL. Lei Federal nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985, loc. cit. 62 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, loc. cit.

63 BRASIL. Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, loc. cit. 64 BRASIL. Lei Federal nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985, loc. cit. 65

BRASIL. Decreto nº 93.240, de 9 de setembro de 1986, loc. cit.

66 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina, loc. cit.

67 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, loc. cit. 68 BRASIL. Decreto nº 93.240, de 9 de setembro de 1986, loc. cit.

69 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina, loc. cit.

posteriores. Mas, de qualquer modo, estes normativos jamais poderiam sobrepor-se à previsão

legal contida na Lei nº 7.433/85, eis que esta é hierarquicamente superior àqueles.

Assim, na hipótese fictícia de antinomia entre o Código de Normas do Estado de

Santa Catarina e a Lei nº 7.433/85

71

, prevaleceria a Lei, porque é norma superior e, portanto,

tem o condão de revogar a inferior. Porém, como já dito, trata-se de omissão, e não de

confronto de disposições. Seja como for, cabe anotar, por fim, que, em relação à dispensa da

certidão de feitos ajuizados na lavratura de escritura pública, a Corregedoria-Geral da Justiça

de Santa Catarina editou, em 27 de junho de 1986, a Circular nº 10/86, com o seguinte teor:

Tendo em vista a aplicação da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985, solicito esclarecer aos serventuários do foro extrajudicial dessa comarca que a exigência da certidão de feitos ajuizados, a que se refere o § 2º do artigo 1º desse diploma, constituindo direito disponível da parte, poderá ser dispensada, bastando constar, no corpo da escritura, declaração expressa do outorgado, nesse sentido. [...].72

A orientação transcrita é oriunda, ressalta-se, de simples circular da Corregedoria-

Geral da Justiça de Santa Catarina.

O artigo 3º do Código de Normas dispõe sobre os atos do Corregedor-Geral, e,

entre eles, está o conceito de circular:

Art. 3º Os atos do Corregedor-Geral da Justiça serão: [...] e) ofício-circular: forma de comunicação em caráter específico, de menor generalidade que as circulares, embora colimem o mesmo objetivo, o ordenamento do serviço; f) circular: instrumento em que se divulga matéria normativa ou administrativa, para conhecimento geral [...].73(grifo nosso).

Para Di Pietro, circular “[...] é o instrumento de que se valem as autoridades para

transmitir ordens internas uniformes a seus subordinados.”

74

Hely complementa:

Circulares são ordens escritas, de caráter uniforme, expedidas a determinados funcionários ou agentes administrativos incumbidos de certo serviço, ou de desempenho de certas atribuições em circunstâncias especiais. São atos de menor generalidade que as instruções, embora colimem o mesmo objetivo: o ordenamento do serviço.75 (grifo nosso).

Neste pensar, observa-se que as circulares também não estão no mesmo âmbito

normativo das Leis, motivo pelo qual é impossível admitir que uma circular, diga-se, um ato

71

BRASIL. Lei Federal nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985, loc. cit.

72 A Circular nº 10/86, por não estar disponível no site da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina, foi solicitada, via e-mail, pelo Cartório de Paz de São Ludgero, Santa Catarina. Cf. FREITAS, X. R. Informações [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <cartoriosl@matrix.com.br> em 18 abr. 2008.

73 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina, loc. cit.

74 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 242. 75 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 167.

de menor generalidade, conflite com uma Lei ordinária, como é o caso da Lei nº 7.433/85

76

,

motivo pelo qual descabe falar em conflito de tais leis, em razão da natureza de cada uma.

Conclui-se, portanto, que inexiste antinomia jurídica entre as leis que regulam a

escritura pública, especificamente no tocante à exigência de certidão de feitos ajuizados na

lavratura da escritura pública, pois as omissões mencionadas e as orientações prestadas em

circular não têm o condão de preponderância legislativa, sequer configurando antinomia

jurídica, como já exposto.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO TABELIÃO NA LAVRATURA DE ESCRITURA

PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM RELAÇÃO À DISPENSA DA

CERTIDÃO DE FEITOS AJUIZADOS

Neste capítulo, abordar-se-á a principal problemática deste estudo, que consiste na

verificação da responsabilidade civil do notário pela dispensa da certidão de feitos ajuizados

na lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel.

Com o fim de se analisar a legalidade e as consequências da dispensa desta

certidão, prática comum na maioria dos cartórios do Estado de Santa Catarina, inicia-se o

presente capítulo com o conceito e a finalidade da certidão de feitos ajuizados na lavratura de

escritura pública, citando o dever da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa

Catarina de fiscalizar os atos dos tabeliães e o posicionamento deste órgão acerca da dispensa

da certidão de feitos ajuizados. Por fim, será procedida a análise da responsabilidade civil

aplicada decorrente da dispensa da certidão de feitos ajuizados.