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2.3 A RESPONSABILIDADE CIVIL E A ATIVIDADE NOTARIAL

2.3.2 Da natureza jurídica da atividade notarial

O legislador constituinte de 1988, ao elaborar a Carta Maior, estabeleceu os

princípios norteadores da administração pública, em seu artigo 37

86

, sendo tais princípios

informadores de toda a ordem da administração pública, sem os quais não se pode imaginar

uma sociedade humanamente organizada.

A Constituição Federal adotou a teoria da responsabilidade direta e objetiva do

Estado pelos danos que seus agentes causarem a terceiros. Isto se colhe do parágrafo 6º do seu

artigo 37: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de

serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a

terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

87

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

registradores e notários passaram a ter suas responsabilidades traçadas pela Lei Maior, por

coerência aos princípios da moralidade, eficiência e impessoalidade. Estes estão estatuídos no

seu artigo236, que dispõe que “os serviços notariais e de registros são exercidos em caráter

privado, por delegação do Poder Público”

88

, e, no parágrafo 1º deste artigo, que assim aduz:

“Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos

oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder

Judiciário”, determinando, no mesmo parágrafo 3°, que a exigência de “[...] ingresso na

atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se

permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou

remoção, por mais de seis meses.”

89

Consagra-se, nesse arquétipo, que “embora o notário exerça serviço de natureza

especial e os serviços notariais apontados sejam desempenhados em caráter privado, cuidam-

se de serviços públicos delegados”

90

, com o poder judiciário encarregado da fiscalização,

fundada em função correicional.

É grande a discussão na doutrina e na jurisprudência acerca da natureza jurídica

da atividade notarial e de registro. Assim, a pergunta que se faz é: os tabeliães e oficiais de

86

A Constituição Federal no seu Artigo 37 versa que: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”. Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit.

87 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit. 88 BRASIL. Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, loc. cit. 89 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit. 90 VENOSA, 2006, p. 256.

registro são servidores públicos ou profissionais do Direito que exercem atividade pública em

caráter privado? Para a resposta desta pergunta, necessário se torna a análise que segue.

Antes do advento da Lei dos notários e registradores, conforme predominante

posicionamento dos Tribunais, os notários e registradores eram considerados funcionários

públicos, e, na qualidade de servidores, o Estado era quem respondia pelos danos que estes

causassem a terceiros, independente da comprovação de culpa ou dolo.

Em 18 de novembro de 1994, foi sancionada a Lei Federal nº 8.935

91

, que

regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal, dispondo sobre a atividade dos notários e

registradores, com o propósito de definir atribuições, competências, formas de ingresso e de

extinção da delegação, de provimento das serventias vagas, entre outros temas, além de

definir a responsabilidade civil e criminal dos delegados extrajudiciais.

Com a chegada da mencionada Lei, começaram as divergências doutrinárias e

jurisprudenciais acerca da natureza da atividade notarial.

Extrai-se dos ensinamentos de Theodoro Júnior, citado por Gonçalves:

Humberto Theodoro Júnior, em artigo intitulado “Alguns impactos da nova ordem constitucional sobre o direito civil”, publicado na RT, 662 : 7, observou que uma das inovações importantes em matéria de responsabilidade civil objetiva do Estado “ocorreu em relação aos serviços notariais. No regime da Carta anterior havia controvérsia sobre se o Tabelião e os oficiais dos Registros Públicos deveriam ser tratados, ou não, como funcionários públicos. E, por conseguinte, se se deveria, ou não, reconhecer a responsabilidade civil do Estado pelos danos oriundos de irregularidade nos serviços notariais”. Depois de citar alguns acórdãos que demonstram a predominância, na jurisprudência, do entendimento sobre a responsabilidade do Estado pelos atos do serventuário de cartório, acrescentou: [...] não se pode mais insistir na qualidade de agentes do Poder Público para os notários e, por isso mesmo, não se haverá de entrever responsabilidade civil do Estado por ato de quem exerce em caráter privado o serviço notarial.92 (grifo nosso).

Em 1995, o Supremo Tribunal Federal assim se manifestou:

As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para desempenho de funções técnico-administrativas destinadas a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos (Lei nº 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos.93 (grifo nosso).

91 BRASIL. Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, loc. cit. 92 GONÇALVES, 2008, p. 522.

93 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.378. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, DF, 30 de novembro de 1995. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=ADIMC.SCLA.+E+1378.NUME.&ba se=baseAcordaos>. Acesso em: 11 abr. de 2009.

De sua vez, Mello citado por Stoco, afirma que “os titulares dos serviços notariais

são particulares em colaboração com a administração, na condição de delegados de ofícios

públicos.”

94

No mesmo sentido, o Procedimento de Controle Administrativo do Conselho

Nacional de Justiça nº 200810000004280 (Anexo F), citado por Stoco:

Assim, também os titulares de serviços notariais e de registro, embora particulares, alheios, pois,ao conceito de funcionário ou servidor público (art. 236 da Constituição), podem ser sujeitos passivos de mandado de segurança, porque são agentes públicos, exercem função pública delegada.(Regime Constitucional dos Servidores da Administração Pública Direta e Indireta. São Paulo: RT, 1990, p. 07).95 (grifo nosso).

Para Meirelles, notários e registradores são agentes que atuam em colaboração

com a Administração, nos termos da lição que segue:

Estes agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nesta categoria se encontram os concessionários e permissionários de serviço público, os serventuários de ofícios e cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos e demais pessoas que recebem designação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo.96 (grifo nosso).

E, ainda assevera “sobre a conduta desses agentes, entendemos que o Estado tem

responsabilidade subsidiária pelos seus atos funcionais lesivos aos usuários ou terceiros,

desde que a vítima comprove a insolvência do delegado, devedor principal.”

97

Cabe mencionar que o Tribunal de Justiça de São Paulo, em 28 de agosto de 2002,

considerou solidária a responsabilidade da Fazenda do Estado por ato de tabelião de notas na

lavratura de procuração com assinatura falsa, como se pode retirar do respectivo acórdão:

Na medida em que a função notarial é delegada, a responsabilidade pelo ilícito, solidária e objetiva, também é do Estado (CF, art. 37, § 6º; nesse sentido: Ag. Reg. em RE nº 209.354-PR, STF, 2ª T., Rel. Minº Carlos Velloso, j. 2.3.99, v.u., in DJU de 16.4.99; RE nº 175.739-SP, STF, 2a T., Rel. Min. Marco Aurélio, j. 26.10.98, in DJU de 26.2.99).98 (grifo nosso).

É importante ressaltar que a concessão ou permissão de serviço público não se

confundem com a delegação, visto que, naquelas categorias jurídicas, pressupõe-se a

exigência de contrato. O artigo 175 da Constituição Federal dispõe: “Incumbe ao Poder

94

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 603.

95 Ibid., p. 603.

96 MEIRELLES, 2007, p. 80. 97 Ibid., p. 81.

98 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 159.914-5. Relator: Roberto Bedaque. São Paulo, 12 de agosto de 2002. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/resultadoSimples.do>. Acesso em: 3 maio 2009.

Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre

através de licitação, a prestação de serviços públicos.”

99

A interpretação que se faz é que a

licitação é concedida ou permitida a pessoas jurídicas, através de contrato (adjudicação em

processo licitatório), sendo atividade material, fiscalizada pelo Poder Executivo, remunerada

por tarifa ou preço público e, facultativamente, exercida em caráter privado.

Entretanto, a delegação está disposta no artigo236 da Constituição Federal, que

assim dispõe: “Os serviços notariais e de registros são exercidos em caráter privado, por

delegação do Poder Público.”

100

O exercício notarial é exercido por pessoas físicas, investidas

através de concurso público, sendo atividade jurídica, fiscalizada pelo Poder Judiciário,

remunerada por tabela de emolumentos, e ainda, obrigatoriamente exercida em caráter

privado.

O Supremo Tribunal Federal tem entendido que:

Numa frase, então, serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas não são serviços públicos, propriamente. Inscrevem-se, isto sim, entre as atividades tidas como função pública lato sensu, a exemplo das funções de legislação, diplomacia, defesa nacional, segurança pública, trânsito, controle externo e tantos outros cometimentos que, nem por ser de exclusivo domínio estatal, passam a se confundir com serviço público.101 (grifo nosso).

E ainda:

Recurso que não demonstra o desacerto da decisão agravada. Servidores notários e registradores das serventias extrajudiciais. Não são servidores públicos. Aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade. Art. 40 da Constituição Federal. Inaplicabilidade. Precedentes. 102 (grifo nosso).

Em síntese, com o advento da Constituição da República de 1988

103

, os

doutrinadores e juristas passaram a debater a questão da natureza jurídica dos notários e

registradores. Assim, surgiram várias correntes divergentes sobre o tema, que ainda não

possuem posição predominante no meio jurídico. Isso porque o legislador ordinário e a falta

de técnica do constituinte transformaram a natureza jurídica dos notários e registradores em

uma figura jurídica híbrida, por assim dizer estranha ao Direito brasileiro. A Lei nº

8.935/94

104

veio tentar preencher uma lacuna deixada pela promulgação da Carta Magna,

99 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit. 100 BRASIL. Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, loc. cit. 101

BRASIL. Superior Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.643. Relator: Min. Carlos Britto, Brasília, DF, 8 de novembro de 2006. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBD.asp?item=2079>. Acesso em: 11 abr. de 2009.

102 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 655.378. Relator: Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF, 26 de fevereiro de 2008. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBD.asp?item=2079>. Acesso em: 11 abr. de 2009. 103 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit.

tendo em vista o parágrafo 3º do seu artigo 236. Entretanto, a Lei nº 8.935/94

105

acabou

acalorando ainda mais a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a natureza da

responsabilidade civil dos notários e registradores.

É possível sintetizar, neste âmbito, as principais posições doutrinárias e

jurisprudenciais, da maneira que segue:

I) Quanto à responsabilidade civil do Estado pelo ato do Tabelião:

a) objetiva e direta pelos atos notariais, admitindo regresso;

b) solidária e solidária com o notário;

c) subsidiária.

II) Quanto à responsabilidade do Tabelião:

a) o cartório não poderá ser responsabilizado, apenas o notário;

b) o cartório poderá ser responsabilizado, por deter personalidade jurídica;

c) a responsabilidade do notário é subjetiva;

d) a responsabilidade do notário é objetiva;

e) a responsabilidade do notário é exclusiva;

f) a responsabilidade do notário é solidária com o Estado.

Vale mencionar que, na vigência da Constituição Federal de 1969

106

, a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assim afirmava:

[...] os titulares de ofícios de Justiça e de notas, quer do foro judicial, quer do foro extrajudicial (e, portanto, também os tabeliães), eram servidores públicos e por seus atos praticados nessa qualidade respondia o Estado, com base no artigo 107, pelos danos por eles causados a terceiros, embora esse dispositivo constitucional não impedisse que a vítima do dano, se preferisse, acionasse diretamente o servidor público, com fundamento no artigo 159 do Código Civil”.107

Mesmo após a Constituição Federal de 1988 e a Lei dos notários e registradores, a

Suprema Corte brasileira mantém semelhante entendimento, como pode ser percebido no

acórdão que segue, in verbis:

CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. TABELIÃO. TITULARES DE OFÍCIO DE JUSTIÇA: RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. C.F., art. 37, § 6º. I – Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais funções,

105 BRASIL. Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, loc. cit.

106 BRASIL. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 21 mar. 2009.

107 PARANÁ. Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 116.662 - 1ª Turma. Relator: Moreira Alves. Curitiba, 16 de outubro de 1998. Disponível em: <http://www.parana-online.com.br/colunistas/69/49502>. Acesso em: 21 mar. 2009.

assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa (C.F., art. 37, § 6º). II – Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.108 (grifo nosso).

Já o artigo 28 da Lei nº 6.015/73 prevê a responsabilidade civil subjetiva dos

registradores e, consequentemente, dos notários. E prevê, ainda, em seu parágrafoúnico, que

são independentes a responsabilidade civil e a criminal, sendo que, uma vez comprovada a

existência de crime cometido pelo notário ou registrador, a sentença penal condenatória torna

certo o dever de indenizar, como se transcreve a seguir:

Art. 28. Além dos casos expressamente consignados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem, por culpa ou dolo, aos interessados no registro. Parágrafo único. A responsabilidade civil independe da criminal pelos delitos que cometerem.109

Há de se ressaltar que, com a vinda da Lei nº 8.935/94

110

, este artigo foi revogado,

ficando instituída a responsabilidade objetiva dos notários e registradores. A Constituição

Federal de 1988

111

trouxe dois artigos (37, § 6º, e 236) que modificaram a apreciação da

matéria. Referem-se eles, respectivamente: a) à responsabilidade civil objetiva do Estado; b) à

criação de lei que regulamentasse a responsabilidade de notários e registradores (Lei nº

8.935/94).

A partir destes dois dispositivos, a vítima possuía duas alternativas: acionar o

notário ou registrador, com base no artigo 28 da Lei nº 6.015/73

112

, ou acionar o Estado, com

base no parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal

113

. É que o registrador é

considerado um agente público, e, por isso, cabia à vítima acionar o Estado, com base na

responsabilidade civil objetiva.

Entretanto, a Lei nº 8935/94

114

extinguiu o duplo regime. Deste modo, a partir de

então, o notário tem a obrigação de reparação do dano proveniente da atividade notarial, que é

objetiva e pessoal do tabelião, excluída a responsabilidade subjetiva, pois seu artigo 22 assim

prevê: “Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos

108 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 209.354. Relator: Min. Carlos Velloso. Brasília, DF, 2 de março de 1999. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBD.asp?item=2079>. Acesso em: 11 abr. de 2009. 109

BRASIL. Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros Públicos, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L6015.htm>. Acesso em: 21 mar. 2009.

110 BRASIL. Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, loc. cit. 111 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit. 112 BRASIL. Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, loc. cit. 113 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit. 114 BRASIL. Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, loc. cit.

causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito

de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.”

115

Ademais, o artigo supracitado ampliou a responsabilidade civil dos notários e

registradores, por estabelecer que estes respondam pelos atos que eles mesmos praticarem,

bem como pelos atos que seus funcionários praticarem. Sua responsabilidade, portanto, em

muito se aproxima do disposto no inciso III do artigo 932 do Código Civil, que aduz: “São

também responsáveis pela reparação civil: o empregador ou comitente, por seus empregados,

serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”

116

,

embora não se tenha, aqui, natureza jurídica de empregador.

Com base neste entendimento, a Suprema Corte decidiu que, pela culpa do

preposto, responde, objetivamente, o notário:

[...] Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos [...]."117 (grifo nosso).

Sobre a possibilidade de ingresso de ação indenizatória em desfavor do Cartório,

frisa-se: os cartórios extrajudiciais não detêm personalidade jurídica própria.

Consequentemente, não possuem capacidade processual, ou seja, não podem ser parte em

juízo. Portanto, os danos causados a terceiros, pelo tabelião, diga-se, agente público, no

exercício de suas funções, são de responsabilidade do titular do cartório, conforme

entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – CARTÓRIO – ATO DE OFÍCIO – ESCRITURA – EXTRAPOLAÇÃO AOS LIMITES DO MANDATO EM QUE SE BASEOU – RESPONSABILIDADE CONFIGURADA.

Os cartórios extrajudiciais não detêm personalidade jurídica própria, razão por que não podem integrar o pólo passivo da ação de indenização, posto que incumbe ao seu titular responder pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia.

Deve ser julgada procedente a pretensão indenizatória, vez que induvidoso que a lavratura de escritura de especificação de unidades autônomas a pedido de mandatária, extrapolando aos limites do mandato, que somente permitia atos relativos à venda do imóvel, foi a causa direta e exclusiva dos danos morais causados.118 (grifo nosso).

115

BRASIL. Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, loc. cit. 116 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, loc. cit.

117BRASIL. Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 201.595. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, 28 de novembro de 2001. Disponível em:

<http://buziosp1.stf.gov.br/portal/constituicao/artigoBD.asp?item=505>. Acesso em: 11 abr. de 2009. 118 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação cível nº 461.493-5. Relator: Viçoso Rodrigues. Belo Horizonte, 4 de agosto de 2005. Disponível em:

Anota-se, contudo, que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça

(embasando-se na Lei nº 8.935/94

119

), no sentido de que o tabelião de notas presta seus

serviços por sua conta e risco econômico, reconheceu a legitimidade passiva do tabelionato

para ação de indenização, movida por usuário do respectivo serviço, em razão de erro na

lavratura de escritura pública:

CARTÓRIO DE NOTAS. Tabelionato. Responsabilidade civil. Legitimidade passiva do cartório. Pessoa formal. Recurso conhecido e provido para reconhecer a legitimidade do cartório de notas por erro quanto à pessoa na lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel.120

É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “Responsabilidade civil do

Estado. Danos morais. Ato de tabelionato [...]. Cabimento. Precedentes.”

121

Destarte, são públicos os serviços notariais e registrais, por tratarem-se de

serviços públicos de responsabilidade do Estado, que os delega a particulares, embora

prestados em caráter privado, sob delegação do Poder Público, mediante concurso público e

fiscalização pelo Poder Judiciário.

Em seu mais recente julgamento, a Corte Suprema decidiu que o Estado tem

legitimidade passiva neste caso, considerando-se que os cargos notariais são criados por lei e

providos mediante concurso público, o que faz dos atos de seus agentes serem dotados de fé

pública e sujeitos à fiscalização estatal:

Os cargos notariais são criados por lei, providos mediante concurso público e os atos de seus agentes, sujeitos à fiscalização estatal, são dotados de fé pública, prerrogativa esta inerente à idéia de poder delegado pelo Estado. Legitimidade passiva ad causam do Estado. Princípio da responsabilidade. Aplicação. Ato praticado pelo agente delegado. Legitimidade passiva do Estado na relação jurídica processual, em face da responsabilidade objetiva da Administração.122 (grifo nosso).

Por sua vez, Mello, citado por Gonçalves, afirma que “ao Estado, sim, caberá