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Estudo de caso de uma universidade de massa

4.3 Análise e discussão

O extraordinário sucesso do empreendimento descrito na narrativa acima (com um crescimento do alunado de cerca de 15% ao ano durante os últimos 40 anos, acompanhado de exuberante geração de caixa) só pode ser explicado por uma estratégia extremamente adequada. Durante a narrativa, é possível identificar-se as principais características dessa estratégia, o que pode servir de ponto de partida para a compreensão das estratégias das demais universidades de massa no Brasil.

Uma primeira característica dessa estratégia a ser apontada, e que está no cerne do seu sucesso, é a da oferta de um produto inteiramente adequado às necessidades de um determinado segmento da população, diferente em cada estágio da história do empreendimento. Começou com um cursinho para o exame de madureza, produto de grande demanda no início do “milagre brasileiro”, quando o mercado de trabalho estava aquecido e uma parcela grande da população adulta não tinha terminado sua educação média ou mesmo fundamental. O mercado dava preferência aos mais educados, mas a obtenção dessa educação pela forma regular era demorada e cara demais, mesmo em escolas públicas, devido ao seu custo de oportunidade. O exame de madureza veio responder a essa demanda, mas era necessário ser aprovado nele, o que explica a procura por bons cursinhos de preparação.

Quando, em 1973, o sistema do exame de madureza foi transformado em cursos supletivos, nos quais o aproveitamento do aluno passou a ser gradativamente feito pelo próprio curso e não por um exame estadual unificado, a necessidade de um ensino de qualidade começou a se reduzir, já que interessava a qualquer curso supletivo aprovar o máximo número de alunos possível. Nessa nova situação, a característica de diferenciação do

empreendimento em foco, com base na qualidade do ensino, passou a ser irrelevante. Além disso, começaram a ser oferecidos pelo governo cursos supletivos gratuitos. Possivelmente pressentindo esse problema, H decidiu ingressar no segmento dos cursos de 1º e 2º graus. É possível também que ele tenha demitido os docentes que fizeram greve, em 1973, percebendo que a diferenciação já não era tão relevante e que o controle dos custos tornava-se muito mais importante.

O ingresso no segmento dos cursos de 1º e 2º graus, ou dos “colégios”, seguiu a lógica da busca de diversificação das atividades, para reduzir o risco do empreendimento. Havia também uma complementaridade entre supletivo e colégio nos horários de ocupação das salas: colégio de dia e supletivo à noite. Nessa ocasião, a demanda de vagas em colégios particulares estava aumentando muito, devido à gradativa deterioração do ensino público fundamental e médio no estado de São Paulo, anteriormente de boa qualidade. H foi bem- sucedido na administração dos colégios, mas a situação era estrategicamente complexa. Por um lado, cada colégio da rede operava numa comunidade diferente, com peculiaridades e demandas locais, o que recomendava descentralização e uma certa autonomia de cada unidade. Os colégios concorrentes em cada localidade procuravam se diferenciar pela sua adaptação à comunidade local e personalização do atendimento. Por outro lado, a pressão sobre os custos aumentou com o fim do “milagre brasileiro” e o conseqüente aperto financeiro das famílias. Isso levou H, em 1981 e 1982, a entrar numa fase de corte de custos por meio da centralização e da padronização. Ao perceber que, administrados de forma centralizada e sem adaptabilidade local, os colégios da rede perderiam competitividade, ele resolveu ingressar no segmento de educação superior, no qual o ensino ficava mais distante das comunidades e das famílias e se prestava mais à padronização e a uma escala maior. A demanda de educação superior aumentava muito, e H. percebeu que, ao contrário das universidades públicas e das universidades privadas confessionais, que selecionavam uma parcela muito pequena dos candidatos ao ingresso nos seus cursos, sua rede poderia oferecer ingresso aos cursos basicamente a quem estivesse disposto a pagar. Por outro lado, essa oferta atrairia um segmento da população mais pobre, o que impunha um preço relativamente baixo para as mensalidades.

A estratégia do empreendimento foi, assim, mudando ao longo do tempo, com impressionante agilidade e adaptabilidade às novas situações do mercado, buscando os segmentos com maiores taxas de crescimento. Mas essa capacidade de adaptação rápida também se manifestou no âmbito da própria organização, especialmente no que se refere à

estratégia de crescimento da organização. É muito difícil crescer a uma taxa anual de 10-15% de forma orgânica. Por isso, H escolheu o método das aquisições, o que lhe permitiu um rápido crescimento. As aquisições, porém, exigem fundos, e, ao que tudo indica, H só precisou de ajuda financeira externa por duas vezes, a primeira quando um amigo emprestou dinheiro para que os sócios pudessem adquirir outros cursos de madureza, e a segunda quando H recebeu uma herança de seu avô, que foi utilizada para a aquisição do Colégio K. A razão é que o negócio sempre gerou muito dinheiro vivo (caixa) e a empresa pôde crescer, mesmo a uma taxa elevada, com seus próprios meios. Deve se ressaltar que as aquisições não se restringiram a operações, mas incluíram imóveis visivelmente caros.

O ingresso no ensino superior (3º grau) talvez tenha sido o lance estrategicamente mais admirável na história desse grupo. Nesse nível, as exigências governamentais eram, e são, notoriamente menores do que no nível fundamental e médio. Destacam-se dois pontos: a virtual ausência de controle das mensalidades pelo governo e a liberdade da existência de classes com mais de 50 alunos. O tamanho da classe é um potente redutor dos custos de uma escola; porém, em contrapartida, o tamanho da classe também reduz a qualidade do ensino. A adoção, por H, de uma estratégia de vantagem de custo foi, portanto, adequada ao seu segmento de alunos com menor poder aquisitivo e para quem a posse de um diploma de curso superior é subjetivamente mais valiosa do que a aquisição de conhecimentos, que, muitas vezes, não lhe parecem úteis no seu contexto social.

A escolha entre oferecer valor por meio do ensino de qualidade ou por meio de um diploma foi um dos trade-offs enfrentados por H. Por duas vezes, fez-se um esforço para enfatizar a qualidade. A primeira foi no curso preparatório para o exame de madureza, quando o valor buscado pelo aluno era, realmente, aprender para passar no exame ministrado pelo governo. Com os cursos supletivos, a aprovação passou a ser decidida pelos próprios cursos, e esse valor diminuiu ou desapareceu, sendo substituído pelo valor do diploma em si.. A segunda vez foi quando H investiu na pós-graduação, buscando conferir maior qualidade ao corpo docente e maior prestígio à instituição. Mas o modelo que ele tinha adotado na graduação, de baixa exigência na admissão e baixo custo por meio de economias de escala, já estava arraigado na instituição e era incompatível com a pós-graduação stricto sensu. Pode-se dizer que seria como querer operar uma oficina de valor (STABELL; FJESDSTAD, 1998) com a filosofia de uma cadeia de valor (ibid.). Os custos eram intoleráveis.

Outra observação que se extrai da narrativa é o estilo gerencial de H. Ele é uma personificação do empreendedor, e a formação das suas estratégias parece ajustar-se à descrição que Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) fazem da estratégia empreendedora. O caso não esclarece se os planos de H eram explícitos, formalizados, ou criados em grupo, mas a descrição sugere que o processo de criação das estratégias era bastante pessoal e intuitivo. Esse estilo gerencial e essa forma de criar estratégias são muito adequados a novos empreendimentos. Mas há o perigo de ele conduzir a empresa a uma excessiva centralização das decisões, que pode ser prejudicial à organização quando ela se torna maior e mais diversificada.

É interessante observar, no caso descrito, que a centralização promovida tanto na área administrativa como na pedagógica da rede de ensino na década de 80, em detrimento da diferenciação conseguida devido à qualidade dos docentes, que recebiam salários acima do mercado, não conseguiu aumentar o número de alunos, pois com a perda da pouca diferenciação que havia, não ocorreu uma contrapartida consistente. Ao passo que, nos cursos de nível superior, a perda da diferenciação, dado o novo movimento centralizador ocorrido a partir de 2000, foi compensada pela estratégia focada em preço, fazendo com que a Universidade A alcançasse, pelo menos até o momento, seus objetivos de crescimento, porém sem uma certeza na sua sustentabilidade, pois a permanência do sucesso da estratégia focada em preço depende muito da reação da concorrência, e isso provavelmente irá ocorrer em algum momento.

Além dessas observações extraídas da narrativa, é possível estender a análise por meio de dados adicionais, levantados pelo autor. Obtiveram-se dados sobre três outras universidades de massa da região Sudeste do país, assim como dados sobre uma universidade confessional (a PUC-Rio) e uma universidade pública (a USP). Esses dados encontram-se nas Tabelas 6, 7 e 8.

Universidade

A Universidade B Universidade C Universidade D simples de Médias B,C e D

Número de alunos Grad. 32.740

(93,1%) Pós-grad./Prof.: 2.420 (6,9%) Grad. 102.520 (93,8%) Pós-grad./Prof.: 6.740 (6,2%) Grad. 17.860 (97,4%) Pós-grad./Prof.: 486 (2,6%) Grad. 22.600 (95,2%) Pós-grad./Prof.: 1130 (4,8%) Grad. 95,5% Pós-grad./Prof.: 4,5% Ano de constituição Figura jurídica 1992

Socied. priv. por cotas de resp. limitada 1988 Privada, filantrópica 1993 Privada, s/ fins lucrativos 1972

Socied. priv. por cotas de resp. limitada

Imobilizado – líquido

de depreciação R$ 95.000mi 50,7% da rec. operacional R$ 148.246mi 32,4% da rec. operacional R$ 37.700mi 42% da rec. operacional R$ 56.750mi 41% da rec. operacional 38,4% da rec. operacional

Receita operacional R$ 187.250mi R$ 457.290mi R$ 89.760mi R$ 138.410mi

Taxas e anuidades - alunos

88,8% 87,19% 92,3% 93,06% 90,8%

Bolsas do Estado (Fies, ProUni, etc.)

4,69% 6,31% 3,8% 2,8% 4,3% Receitas de investimentos 1,86% 2,67% 1,1% 1,02% 1,6% Outras receitas 4,65% 3,83% 2,8% 3,12% 3,25% Salário e benef. em relação a rec. total

56% 67% 68% 71% 65,5%

Inadimplência 18% 21,2% 17,7% 19,3% 19,4%

Alunos por período Manhã/Tarde: 10% Not./Fim sem.: 90% Manhã/Tarde: 18% Not./Fim sem.: 82% Manhã/Tarde: 8% Not./Fim sem.: 92% Manhã/Tarde: 13% Not./Fim sem.: 87% Manhã/Tarde: 13% Not./Fim sem.: 87% Depto/Setor de receb.

doações Não Não Não Não

Receita operac. média

por aluno R$ 5.325,65 R$ 4.185,34 R$ 4.892,65 R$ 5.832,89

R$ 4.970,29

Tabela 6 – Dados das universidades de massa brasileiras – ano base 2005

Número de alunos Grad. 13.690 – 85,2% Pós e profiss. 2.380 – 14,8%

Ano de constituição 1940

Imobilizado líquido de depreciação R$ 65.183.373,00 – 42,8% da receita operacional Rec. operacional descontadas gratuidades, incluso rec. financ. R$ 152.312.724,00

Anuidades dos alunos 75,4%

Serviços prestados 8,6%

Doações 4,8%

Uso do patrimônio por terceiros 1,8%

Projetos específicos 6,8%

Outros 2,2%

Receita de investimentos 0,4%

Salários e benefícios em relação à receita operacional 48%

Alunos por período Manhã/Tarde 85%; Not. 15%

Receita operacional média por aluno R$ 9.478,08

Número de alunos Graduação e espec. 52.797 (68,4%) – Pós-grad. 24.408 (31,6%)

Orçamento total R$ 1.867.005.054,00

Despesas com pagamento de pessoal R$ 1.773.125.503,00 – 86,15% Dotação básica (unidades de ensino, hospitais, museus,

prefeituras, órgãos de apoio e serviço)

R$ 53.621.206,00 – 2,61% Adicionais (manutenção, transporte, treinamento, etc.) R$ 28.273.923,00 – 1,37% Projetos especiais, incluindo pesquisa e pós-graduação R$ 11.984.422,00 – 0,58% Parcela do orçamento por aluno R$ 24.182,43

Tabela 8 – USP: número de alunos e orçamento 2005

Como já foi explicado na apresentação da metodologia deste trabalho (Capítulo 3), usamos nesta análise o conceito de modelo de negócio, para explicitar melhor as diferenças entre as instituições que são analisadas. Com as informações das Tabelas 6, 7 e 8, estruturamos os seguintes modelos de negócio: para a Universidade A, juntamente com as outras três universidades de massa (Figura 4); para a PUC-Rio (Figura 5); e para a USP (Figura 6). Representamos também um modelo de negócio típico para universidades privadas americanas de ponta, com a finalidade de se ter um benchmark de nível global (Figura 7).

Na montagem dos modelos de negócio, em consonância com a literatura estudada, procuramos identificar quais os principais fatores de valor entregues pelas universidades, quais os clientes principais e qual a representatividade percentual de contribuição que cada fonte de receita apresenta no total da receita operacional das instituições. Foram ainda inseridas a estratégia e as forças externas que influem nos modelos de negócio, conforme sugerido por Osterwalder, Pigneur e Tucci (2005). No caso da USP, sua receita provém totalmente do governo do estado de São Paulo, já que ela não tem receitas provenientes dos alunos.

Universidades de massa brasileiras Valor gerado em:

Ensino (serviços educacionais) Conhecimento

Serviços

Ativos fixos (utilização) Titulação

Rede de relacionamentos

Alunos e suas famílias, empresas (geralmente para cursos executivos)

R$

Univ. A 88,8%; Outras 90,8% Anuidades

Valor entregue:

-Ensino (vinculado a professores) -Titulação (vinculado a aspectos legais) -Conhecimento (vinculado à transmissão)

-Rede de relacionamentos (vinculado ao ambiente social)

Estado (sociedade como um todo na forma representada)

R$

Univ.A- 4,69%; Outras 4,3% Bolsas: ProUni, FIES, Escola da família (SP)

Valor entregue: -Serviços educacionais

(vinculado a professores e aspectos legais a curto e médio prazos) Fundos de Investimento R$ Univ. A 1,86%; Outras 1,6% Mercado de capitais Valor entregue: -R$ (vinculado a lucros / sobras) Terceiros - locadores, usuários de bens e serviços R$ Univ. A 4,65%; Outras 3,25% Pagamentos Valor entregue: -Serviços -Uso de ativos

(vinculados a ativos físicos e mão-de-obra especializada)

Figura 4 – Modelo de negócio da Universidade A e outras universidades de massa brasileiras

Ambiente social Ambiente legal Forças competitivas Exigências dos clientes Mudanças tecnológicas

Forças externas Estratégia

PUC-Rio

Valor gerado em:

Ensino (serviços educacionais) Conhecimento

Prestígio Serviços

Ativos fixos (utilização) Titulação Rede de relacionamentos Doações (Ordem religiosa) R$ 4,8% Princípios religiosos

Alunos e suas famílias, empresas (geralmente para cursos executivos)

R$ 75,4% Anuidades

Valor entregue:

-Conhecimento (vinculado à transmissão) -Prestígio (vinculado a longo prazo)

-Titulação (vinculado a aspectos legais a longo prazo)

-Ensino (vinculado a professores)

-Rede de relacionamentos (vinculado ao ambiente social)

Serviços prestados, uso de ativos por terceiros e outras receitas.

R$ 10,4% Pagamentos

Figura 5 – Modelo de negócio da PUC-Rio

Valor entregue: -Mão-de-obra qualificada -Uso de ativos

-Prestígio -Conhecimento

Ambiente social Ambiente legal Forças competitivas Exigências dos clientes Mudanças tecnológicas

Forças externas Estratégia Projetos específicos Fundos de Investimento R$ 0,4% Mercado de capitais R$ 6,8% Contratos Valor entregue: -Conhecimento

-Prestígio Sobras de caixa Valor entregue:

-Conhecimento (vinculado à criação) -Serviços (vinculado a pessoal

USP

Valor gerado em:

Ensino (serviços educacionais) Conhecimento Prestígio Serviços Titulação Rede de relacionamentos Estado (sociedade na forma representada) US $ 100% Orçamento anual Valor entregue: -Conhecimento (vinculado à criação)

-Serviços (vinculado a ativos e

pessoal qualificado)

Alunos, suas famílias e empresas – (sociedade civil como um todo)

Valor entregue:

-Conhecimento (vinculado à transmissão) -Prestígio (vinculado a longo prazo)

-Titulação (vinculado a aspectos legais a longo prazo)

-Ensino (vinculado a professores)

-Rede de relacionamentos (vinculado ao ambiente social)

Figura 6 – Modelo de negócio da USP

Ambiente político - social Mudanças tecnológicas

Forças externas Estratégia de governo

Com as tabelas de dados apresentadas e os modelos de negócio desenvolvidos acima, algumas observações são feitas a seguir. Pode-se notar que a composição percentual de alunos por período, a porcentagem de contribuição de cada fonte de receita na composição da receita

Universidades de ponta norte- americanas

Valor gerado em:

Ensino (serviços educacionais) Conhecimento

Prestígio Publicações Serviços

Ativos fixos (utilização) Titulação

Rede de relacionamentos

Estado (sociedade como um todo na forma representada)

US $ 27,2%

Contratos (defesa, medicina, outros)

Valor entregue:

-Conhecimento (vinculado à

criação)

-Serviços (vinculado a ativos e

pessoal qualificado)

Alunos e suas famílias, empresas (geralmente para alunos de pós-graduação)

US $ 16,1% Anuidades

Valor entregue:

-Conhecimento (vinculado à transmissão) -Prestígio (vinculado a longo prazo)

-Titulação (vinculado a aspectos legais a longo prazo)

-Ensino (vinculado a professores)

-Rede de relacionamentos (vinculado ao ambiente social)

Terceiros - locadores, usuários de bens e serviços US $ 21,8% Pagamentos Valor entregue: -Serviços -Uso de ativos -Publicações

(vinculados a prestígio, ativos e conhecimento)

Ambiente social Forças competitivas Exigências dos clientes Mudanças tecnológicas

Forças externas Estratégia Pessoas / Empresas (Endowment) Fundos de Investimento US $ 27,06% Mercado de capitais US $ 7,84% Contratos e doações Valor entregue: -Conhecimento -Prestígio (vinculado a longo prazo) Ambiente legal

operacional total, a porcentagem do imobilizado líquido em relação à receita operacional e a receita operacional média por aluno da Universidade A apresentam valores muito próximos daqueles das outras universidades de massa, o que nos leva a supor que possuem modelos de negócio semelhantes e, por isso, possivelmente poderiam adotar estratégias de sucesso similares.

Dentre os diversos captores de valor apresentados nos modelos de negócio, sem dúvida, a categoria mais relevante é a dos alunos e suas famílias. Aliás, essa é a finalidade primordial das instituições de ensino. Observando-se os modelos de negócio, percebe-se que a Universidade A e as universidades de massa em geral têm uma dependência virtualmente total das receitas provenientes das anuidades dos alunos, chegando esse valor a representar em torno de 90% das receitas. Em comparação, na PUC-Rio, esse valor está em torno de 75% e, na USP, é nulo. Já nas universidades norte-americanas as fontes de receitas são mais diversificadas; a receita advinda dos alunos, em particular, representa cerca de somente 16% da receita operacional.

Dada a importância da relação entre aluno e universidade e, particularmente no caso das universidades de massa, a total dependência financeira que a instituição têm com o aluno, cabe aqui uma discussão mais extensa do papel do aluno numa universidade, incluindo seus papéis de captores de valor e de pagante. Sobre isto, há opiniões diversas. No Capítulo 2, vimos que o aluno pode ser visto alternativamente como freguês, cliente, produto em processo, trabalhador ou sócio júnior. Dessas interpretações, aquelas em que o papel do aluno é simultaneamente de captor de valor e pagante são as de freguês e cliente. Como se pode ver na Tabela 2 (Capítulo 2), a diferença essencial entre freguês e cliente é que o primeiro sabe qual é sua necessidade e deve ser atendido no seu desejo, enquanto o segundo reconhece a autoridade do provedor do serviço (decorrente de seu conhecimento e de sua experiência) e está disposto a seguir sua orientação. Segundo essa tipologia, os alunos das universidades de massa enquadram-se melhor na categoria de fregueses do que na de clientes. Nas universidades que têm programas fortes de pós-graduação stricto sensu, os alunos desses programas exibem mais características de clientes, o que fica reforçado se notarmos que a pós-graduação stricto sensu é bem representada pelo modelo da oficina de valor (STABELL; FJELDSTAD, 1998).

Nas universidades de massa, mais de 90% dos alunos são de graduação. Além disso, em torno de 90% deles freqüentam a escola no período noturno, o que nos leva a concluir que eles exercem trabalho remunerado, sendo portanto, em geral, os principais financiadores dos

seus estudos. (A receita das escolas advinda de bolsas de estudo, também observada na mesma tabela, não chega a 5%.) Esses fatos sugerem que os alunos se sentem como fregueses dos serviços educacionais. Essa percepção provavelmente é transferida de forma inconsciente para os professores e administradores das instituições.

Em comparação, na PUC-Rio e na USP, a maioria dos alunos freqüenta os cursos no horário comercial. Desses fatos podemos inferir que normalmente os alunos da graduação destas últimas não arcam pessoalmente com as despesas escolares, pois em geral não teriam condições de exercer uma atividade com remuneração suficiente no horário comercial. Quem paga as mensalidades, no caso da PUC-Rio, são as famílias dos alunos e, no caso da USP, é o governo do estado. Devido à sua origem, os alunos dessas duas instituições estão mais propensos a se verem como clientes da universidade, uma vez que a própria condição de alunos dessas instituições de prestígio exigiu deles um comportamento de clientes (isto é, aceitando a autoridade intelectual dos professores) na sua formação pré-universitária.

Com relação ao valor entregue, acreditamos que, dos oito fatores de valor mencionados no Capítulo 2, destacamos os cinco mais relevantes para esta discussão. O primeiro é o prestígio, que não consideramos um fator de valor relevante nas universidades de massa, mas é muito importante nas demais categorias. Não afirmamos que este esteja totalmente ausente nas universidades de massa, porém que, quando comparado com o prestígio da PUC, cuja tradição no ensino remonta à época do Descobrimento, com os padres jesuítas, ou da USP, que possui renome internacional, ou mesmo das universidades de ponta norte-americanas, que possuem reconhecimento mundial, seu nível é muito pouco relevante. Existem alguns elementos que consideramos como os mais prováveis para que esse fator de valor não tenha destaque na Universidade A e nas universidades de massa congêneres. O prestígio advém de um processo de longo prazo, baseado em geral nas realizações dos membros da comunidade acadêmica da universidade. Um elemento que inibe o prestígio nas universidades de massa é a forte concorrência pelos melhores alunos das escolas secundárias, que essas universidades sofrem por parte das universidades públicas. Por exemplo, a USP tem prestígio nacional e internacional e, além disso, é gratuita. Portanto, atrai uma grande demanda, da qual seleciona os melhores alunos. (Geralmente também são aqueles com maiores recursos para poder freqüentar as melhores escolas secundárias e os melhores cursos preparatórios para o vestibular, e com tempo livre para estudar.) Essa situação acaba criando um círculo vicioso, pois como as universidades de massa não possuem prestígio relevante, elas não conseguem atrair os melhores alunos; isso inibe o aparecimento de ex-alunos com

destaque social, o que contribui para manter baixo o prestígio da universidade. Poder-se-ia argumentar que, se as universidades de massa não conseguem prestígio por intermédio dos

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