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2 A CRISE AMBIENTAL: ENFOQUE NAS VISÕES SISTÊMICA E COMPLEXA

5.4 ANÁLISE DOS DADOS: ENFOQUE NAS QUATRO MACROVARIÁVEIS DE

A gestão de recursos comuns, conforme já sinalizado, remete a um contexto complexo, composto por múltiplos atores e instituições, em jogos de interesses igualmente diferenciados. Esse processo estabelece as dinâmicas do território na apropriação de tais recursos, as quais deveriam estar orientadas na perspectiva de co-gestão, quando tratamos de bens de direito coletivo. Esse mesmo enfoque traz à tona a necessidade de experiências adaptativas, marcadas por aprendizagens sociais na superação de conflitos e que permitam a construção de novos arranjos impulsionados pela cooperação (BERKES, 2009).

Considerando-se, portanto, o cenário que compreende a questão dos recursos comuns, optou-se pela utilização de modelo analítico que pudesse dar conta do alto grau de complexidade do problema em estudo. Neste sentido, recorreu-se às quatro macrovariáveis de Oakerson (1992), por meio das quais pôde- se descortinar os significados que estão por trás das articulações envolvendo a apropriação dos recursos hídricos na área abrangida pelo estudo. São elas: i) os atributos físicos e tecnológicos do recurso, ii) as regras de interação dos atores envolvidos na gestão, iii) a arena de ação na qual ocorrem as interações entre os envolvidos e iv) os resultados e consequências da gestão.

As quatro macrovariáveis constituem, de modo articulado, um instrumento que contribui para a compreensão e prospecção de possibilidades alternativas futuras na gestão dos comuns. Embasados em Hess e Ostrom (2007) e Oakerson

(1992), essas são brevemente descritas a seguir, estando resumidas subsequentemente na Figura 9:

Atributos físicos e tecnológicos: os recursos comuns apresentam limites de uso, conforme a sua natureza, dependendo de onde estão localizados, a sua quantidade e abundância, etc. Preponderantemente, tem-se como principal atributo, aqui, a água, além dos elementos com os quais mantém relação de interdependência, como os geológicos, geomorfológicos, clima e cobertura vegetal. Diante destes aspectos, a tecnologia acaba sendo determinante para a forma como se faz o manejo dos recursos e os aspectos inter-relacionados a estes.

Arranjos institucionais: as dinâmicas de apropriação e uso dos recursos comuns engendram regramentos para este fim, estruturando as escolhas individuais e coletivas. Tais regras devem contribuir para que se estabeleça uma relação de equilíbrio e os recursos se mantenham em padrão de disponibilidade em regime de propriedade comum.

Os padrões de interação: As interações nos processos de gestão dos recursos comuns envolvendo os atores – agentes políticos, econômicos e sociedade – dão-se num espaço em que são tomadas as decisões. Nem sempre aqui se tem a observância dos regramentos. Assim, no âmbito de uma arena de ação, ocorre a experiência das escolhas, com a participação de segmentos, em regime cooperativo ou não, bem como as consequências destas, as quais podem ser positivas ou negativas.

Os resultados e consequências: As interações nos processos de apropriação dos recursos comuns apresentam inter-relações entre as três primeiras macrovariáveis, sendo a terceira (os padrões de interação) a responsável por gerar respostas, que são os resultados ou consequências.

Figura 9 - Modelo analítico de Oakerson com suas quatro macrovariáveis

Fonte: Hess e Ostrom (2007, adaptado) e Oakerson (1992). 5.4.1 Análise sob a perspectiva transescalar

A situação-problema que delineia esta tese compreende notadamente um campo de interações complexas o qual não pode ser analisado de forma fragmentada, sob pena de mascarar a realidade que a cerca, ou trazê-la à tona de modo superficial. Assim sendo, as dinâmicas de poder entrelaçadas na apropriação dos recursos comuns suscitam um olhar que contemple as múltiplas escalas em que atuam os diversos atores e muitos interesses em jogo. Tais interações devem ser analisadas sob diversos aspectos, considerando a sua natureza transescalar. Desta forma, deve-se levar em conta onde elas ocorrem e os tipos de articulação de caráter institucional, respectivamente em conexões horizontais (espaço geográfico) e verticais (níveis de organização) (BERKES, 2005).

A utilização do enfoque analítico transescalar ganha relevo, sobretudo, por conta da natureza das escalas, sendo elas resultantes da vida em sociedade, engendrando aspectos históricos, econômicos, culturais, políticos. Como tal, sua consideração em processos como o aqui abordado deve ser introduzida, podendo contribuir para a formulação de políticas voltadas a novos arranjos contratuais no território (BRANDÃO, 2012). A importância da percepção dessa perspectiva de não linearidade continua sendo um grande desafio tanto no âmbito acadêmico como nos espaços de tomada de decisão (BUTZKE, 2014).

As dinâmicas sociais, conforme Smith (1993), compreendem um processo cotidiano dimensionado em escalas, a começar pelo corpo, passando pelo âmbito internacional, comunitário, urbano e regional. “Isto quer dizer: eu vivo cotidianamente no mundo e no meu local, no meu município, na minha cidade, no meu país…” (VAINER, 2002, p. 24). Nessa perspectiva, elas se transformam em arena e momento em que os jogos de poder socioespacial são estabelecidos, recebendo regulação, sendo contestados e negociados. Portanto, acabam sendo, concomitantemente, resultado e consequências dessas dinâmicas sociais de disputa por controle e poder (SWYNGEDOUW, 1997).

Componentes de contextos profundos, as escalas não podem ser compreendidas como elementos estáticos, tampouco autoisoláveis. Isso porque resultam de um complexo de relações sociais transescalares que as interpenetram, configuraram e transformam permanentemente” (FERNÁNDEZ, 2018, p. 287). Levando em conta tal visão, em consonância com a natureza do objeto de estudo da tese, destaca-se a relevância da opção pelo “[...] tratamento transescalar como necessário tanto para abordagens analíticas (escalas de análise), quanto para a construção de estratégias políticas, isto é, de sujeitos e projetos políticos” (VAINER, 2002, p.25).

Apresentados os critérios metodológicos, são socializados a seguir os resultados da pesquisa, indo ao encontro dos objetivos indicados pela tese.

6 AS MACROVARIÁVEIS DE OAKERSON APLICADAS À REALIDADE DAS