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2 A CRISE AMBIENTAL: ENFOQUE NAS VISÕES SISTÊMICA E COMPLEXA

3.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E ECODESENVOLVIMENTO: LIMITES

A crise ambiental desvelada a partir dos anos 1960, ao mesmo tempo em que trouxe à tona os efeitos da degradação dos recursos naturais e as ameaças do equilíbrio planetário, pôs em discussão os modelos de desenvolvimento hegemônico propostos tanto pelo capitalismo como pelos países de regime comunista. Conforme já referido, sensibilizados pela gravidade do problema em questão, representantes de diversos setores da sociedade conseguiram fazer com que a ONU incluísse a temática em sua agenda, tendo como desdobramentos uma série de eventos e a produção de vários documentos. Dentre esses, destacam-se as conferências de Estocolmo (1972), Rio-92 (Rio de Janeiro) e Rio +20, em 2012, e os relatórios “Limites do crescimento” (1972) e Brundtland – “Nosso futuro comum” (1987) (LARA; OLIVEIRA, 2017; VIZEU; MENEGHETTI; SEIFERT, 2012).

No cerne dos debates da problemática socioambiental, emergem as formulações de novos conceitos de desenvolvimento, com a inclusão das variáveis ambientais. Desponta primeiramente o conceito de Ecodesenvolvimento, o qual teve discussão preliminar durante a Conferência de Estocolmo, em 1972, sendo lançado oficialmente por Maurice Strong, no ano seguinte, na reunião do então recém-criado Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA FERNANDEZ, 2011; GAVARD, 2009; JOLY, 2003; LAYRARGUES, 1997; MONTIBELLER FILHO, 1993;

MONTIBELLER FILHO, 2008). Sua fundamentação contou com a importante contribuição posterior de Ignacy Sachs, como proposta de um novo projeto civilizatório.

Já nos anos 1980 é introduzido um novo conceito, envolto na expressão “Desenvolvimento Sustentável” (DS), cuja origem é anglo-saxônica ("Sustainable Development"). Sua utilização dá-se pela International Union for Conservation Nature – IUCN, com a tradução oficial na língua francesa como "Développement Durable". Em português a tradução literal remeteria a “Desenvolvimento Durável” ou na sua variável mais utilizada, “Desenvolvimento Sustentável”. Outras expressões foram surgindo com equivalência em português, tal como “Desenvolvimento Viável” (MONTIBELLER FILHO, 1993; RAYNAUT; ZANONI, 1993).

Incorporando, portanto, definitivamente as variáreis ambientais (pelo menos teoricamente), o novo conceito recebeu o indicativo de seus princípios durante a Conferência Mundial sobre a Conservação e o Desenvolvimento, da IUCN, em Ottawa, Canadá, em 1986. Destarte, o Desenvolvimento Sustentável e Equitativo, para galgar o posto de novo paradigma, deveria: i) integrar conservação da natureza e desenvolvimento; ii) garantir a satisfação das necessidades humanas básicas; iii) buscar equidade e justiça social; iv) buscar a autodeterminação social e a diversidade cultural; v) manter a integridade ecológica (MONTIBELLER FILHO, 1993; MONTIBELLER FILHO, 2008).

Com a elaboração do Relatório Brundtland, em 1987, por meio, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMED), o DS ganhou sua definição conceitual. Partindo da compreensão de que o modelo econômico focado apenas nos aspectos monetários estava superado por conta de seus impactos negativos, a nova concepção indicava que DS seria aquele que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades (GAVARD, 2009; IPIRANGA; GODOY; BRUNSTEIN, 2011; LACERDA; CÂNDIDO, 2014; MONTIBELLER FILHO, 2008; NASCIMENTO; BURSZTYN, 2012).

Aos poucos, a proposta foi sendo difundida para os diversos setores, como um novo imperativo, colocando a questão da preservação ambiental como foco nas atividades socioeconômicas (LACERDA; CÂNDIDO, 2014). Assim, passou- se a orientar os processos produtivos do presente, tendo como base cinco atributos de sustentação, que seriam: i) Ele transforma aquilo que é percebido como negativo,

no caso poluição e degradação, em utopia positiva; ii) ao se preocupar com as gerações futuras, insere o ingrediente ético; iii) ao se colocar como durável, ajuda a amenizar as preocupações em relação ao futuro; iv) consegue abrigar concepções variadas por conta da flexibilidade que apresenta como conceito, e v) permite que os conteúdos socioeconômicos presentes sejam revistos no âmbito do desenvolvimento (GODARD, 2015; MONTIBELLER FILHO, 1993).

Nas discussões pela construção da sustentabilidade, levando em conta o grau de complexidade engendrada em tal questão, Sachs (2002) apresentou seu contributo, apontando oito critérios a serem observados no processo:

i) Social: promoção de justiça e equidade;

ii) Cultural (respeito às tradições e autonomia dos povos); iii) Ecológico (preservação do potencial do capital natural);

iv) Ambiental (respeito e valorização da capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais);

v) Territorial (melhoria do ambiente urbano, superação das disparidades inter-regionais e estratégias de desenvolvimento ambientalmente seguras para áreas ecologicamente frágeis);

vi) Econômico (desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado, com segurança alimentar, capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção, razoável nível de autonomia na pesquisa científica e tecnológica e inserção soberana na economia internacional);

vii) Política nacional (democracia definida em termos de apropriação universal dos direitos humanos, desenvolvimento da capacidade do estado para implementar o projeto nacional, em parceria com todos os empreendedores e um nível razoável de coesão social);

viii) Política internacional (promoção da paz, cooperação, co- desenvolvimento com justiça, controle institucional, princípio da precaução na gestão do meio ambiente).

Pela dedicação em grande parte de sua produção científica no esforço de indicar uma alternativa concreta para um modelo socialmente justo e ecologicamente prudente, na perspectiva do ecodesenvolvimento, Sachs torna-se um de seus mais importantes teóricos (OLIVEIRA; MONTEIRO, 2015). A visão ensejada por ele se constituiu como o principal estímulo na problematização desta tese, pela convicção

de que o ecodesenvolvimento, que precede ao conceito de DS, pode ser um caminho possível a ser trilhado como alternativo ao modelo atual.

Ao propor o que poderia ser chamado de terceira via (FERNANDEZ, 2011; OLIVEIRA; MONTEIRO, 2015), uma opção alternativa às correntes de defesa do “crescimento zero” e do “direito de crescimento econômico”, Sachs sinaliza para a possibilidade de um processo endógeno, partindo-se das potencialidades locais que corresponderiam às condições de se compatibilizar um desenvolvimento harmônico ao conjugar os elementos sociais, culturais e econômicos, com prudência em relação aos recursos naturais e ao ambiente (MONTIBELLER FILHO, 1993; RAYNAUT; ZANONI, 1993). Essa vertente, de reconhecimento dos âmbitos local e regional como premissa básica ao desenvolvimento, encontrou resistência exatamente por ir de encontro aos interesses da economia mundial (GAVARD, 2009).

Diante do horizonte indicado, o conceito de Sachs não exclui a preocupação com as questões econômicas sem, no entanto, deixar de vinculá-las à problemática socioambiental. Fica explícita a sua inclinação ética, vislumbrando-se um desenvolvimento que esteja alinhado às necessidades sociais mais amplas, no tocante à melhoria da qualidade de vida das populações, na preservação do meio ambiente e salvaguarda das gerações futuras. Dentro desta ótica, propõe-se uma relação orientada por uma solidariedade sincrônica com a atual geração, uma vez que a lógica produtiva é direcionada ao atendimento das necessidades mais fundamentais dos seres humanos (MONTIBELLER FILHO, 1993; MONTIBELLER FILHO, 2008; OLIVEIRA; MONTEIRO, 2015).

Orientado também para o futuro, o ecodesenvolvimento volta-se igualmente às gerações que ainda virão, considerando o necessário uso racional dos recursos naturais, para que seu direito de desenvolvimento seja garantido. "Trata-se de gerir a natureza de forma a assegurar aos homens de nossa geração e a todas as gerações futuras a possibilidade de se desenvolver” (SACHS, 1981, p.14). Vislumbra-se assim um projeto civilizacional, evocando um novo modelo de sociedade humana, com outro estilo de vida, outros valores, com objetivos definidos na experiência coletiva e com a visão voltada ao futuro (SACHS, 1981).

Considerando, portanto, o contexto que o conceito em questão sugere, Sachs indica os seus cinco pilares de sustentação, sendo eles a sustentabilidade social, econômica, ecológica, territorial e cultural. Quando se busca promover um

desenvolvimento que gere equidade social como estratégia nas múltiplas dimensões, busca-se a sustentabilidade social. Ao se manter a capacidade de produção dos ecossistemas, com base um manejo eficiente dos recursos, contando- se com aporte de investimento público-privado, dá-se condição à sustentabilidade econômica. A preservação da biodiversidade, por meio do uso racional dos recursos naturais, permite a sustentabilidade ecológica. O equilíbrio na configuração das áreas urbana e rural no tocante à distribuição espacial dos recursos remete à sustentabilidade territorial, enquanto o respeito aos aspectos das identidades, aspectos tradicionais das comunidades e suas especificidades compreende a sustentabilidade cultural (MONTIBELLER FILHO, 1993; MONTIBELLER FILHO, 2008; OLIVEIRA; MONTEIRO, 2015).

Para além das diferenças que possam parecer meramente de ordem semântica, considerando os contextos complexos nos quais as propostas estão inseridas, há entre ecodesenvolvimento e DS diferentes concepções de mundo, visões distintas da realidade e análise da complexidade do contexto social, político, cultural, ecológico, econômico. Por esta razão, no entendimento de Vieira e Cazella (2006), o Ecodesenvolvimento traz um enfoque que sinaliza para alternativas mobilizando diferentes setores e níveis de ação coletiva. Ao mesmo tempo, contempla as perspectivas do planejamento e da gestão, nos âmbitos rural e urbano, buscando suprir as necessidades de cada região por meio do aperfeiçoamento de ecotécnicas. Insere-se nesse contexto a participação ativa das comunidades na definição dos indicadores ecológicos, culturais, econômicos e políticos na construção do processo (VIEIRA, 2013).

A abordagem direcionada às especificidades regionais indica a possibilidade de um ecodesenvolvimento territorial, conceito trabalhado por Vieira (2013), o qual remete a processos locais e suas complexas dinâmicas de interação socioambiental no território. Tal perspectiva seria uma via alternativa ao processo globalizatório em curso, que tem na receita neoliberal seu projeto hegemônico com estratégia de organização “fordista” como modelo. Dentro desta ótica, vislumbra-se a “[...] abertura de novos espaços de manobra para uma recomposição social ajustada a um novo projeto de sociedade” (VIERA, 2013, p. 127). Dentro desse novo formato, o setor empresarial, por exemplo, teria como driblar a concorrência à qual está submetida segundo as dinâmicas de preço e custo do mercado, podendo

estabelecer relações cooperativas sinérgicas com o conjunto de atores inseridos no processo (PECQUEUR, 2006).

No contexto em questão, o território não está reduzido ao conjunto de elementos naturais e de outros sistemas superpostos, mas como um espaço sob intervenção contínua.

O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida (SANTOS, 1999, p. 8).

Nele interagem reciprocamente os ambientes biofísico, construído e social, cujas relações positivas precisam ser promovidas (MAGNAGHI, 2005), de modo a se consolidar uma governança capaz de se impor à “[...] exploração econômica corrosiva da territorialidade autêntica” (ALBAGLI, 2004, p. 63).