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1 POSICIONAMENTO METODOLÓGICO: METODOLOGIA

4.6 Análise dos Fatores que Provocaram a Mudança

A análise da dinâmica de posições tomadas pelas decisões do STF ao longo do tempo, especificamente no caso do FUNRURAL, serve como excelente ponto de partida para estudo da aplicabilidade da teoria dos jogos.

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Parecer PGFN, In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tributário. Ec 20/98. Nova Redação Ao Artigo 195, I da Cf. Possibilidade de Edição de Lei Ordinária Para Instituição de Contribuição de Empregadores Rurais Pessoas Físicas Incidente Sobre a Comercialização da Produção Rural. RE 718874/RS. Acórdão Eletrônico. Relator: Min. EDSON FACHIN. Brasília, DF, 30 de março de 2017. DJe. Brasília, 29 set. 2017. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 15 jun. 2018.

As idas e vindas do posicionamento do judiciário acerca desse tema foram influenciadas por diversos fatores, dentre os quais podem ser elencados os seguintes:

a) Fator legislativo: alteração das normas ao longo do tempo; b) Fator estrutural: mudança na composição da corte ao longo do tempo;

c) Fator político: discussões acerca da reforma da previdência e a tomada de posição do Senado em favor do contribuinte com a edição da Resolução 15/2017;

d) Fator jurídico: busca da mitigação da guinada jurisprudencial através da modulação de efeitos.

4.6.1 Fator legislativo

Diante de todo escorço histórico feito até aqui, é de fácil constatação que as alterações legislativas ao longo do tempo são os principais responsáveis pela mudança jurisprudencial do STF em 2017.

Inicialmente tinha a previsão do art. 195, §8º da CF/88 em perfeita sintonia com o art. 25, da lei 8.212/91. Em seguida, sobreveio a Lei nº 8.540/1992 que alterou a redação do art. 25 fazendo incluir ali um novo sujeito submetida a uma tribulação sem a correspondente hipótese de incidência fixada no texto constitucional.

Como já exposto em linhas pretéritas, no capítulo acerca da teoria dos jogos, a regra que estabelece o sujeito do direito pertence ao âmbito ôntico-prático, ou seja, é uma regra ôntica.

Junto com essa lei lei sobreveio também uma questão de inconstitucionalidade, pois teria ocorrido violação ao processo legislativo, uma vez que a criação de contribuição social fora das hipóteses previstas na constituição exigiria lei complementar. A reserva constitucional de que algumas matérias sejam tratadas por um quorum diferenciado de votação no processo legislativo é, a um só

tempo, elementos do âmbito ôntico prático de competência e de procedimento. Portanto, tratam-se de regras ônticas e técnico-convencionais.

Em seguida, o texto constitucional foi alterado pela EC 20/98, seguida de uma nova lei (Lei nº 10.256/2001) que versou sobre o mesmo artigo 25.

O primeiro posicionamento do STF foi sob a vigência da lei pré EC 20/98, enquanto. A segunda tomada de posição do Supremo, dessa vez em favor do fisco, foi sob a legislação já sob o mando da citada emenda constitucional.

Todavia, essa referida alteração de jurisprudência não justifica, por si só, pela simples mudança normativa, vez que mesmo após a alteração persistiram pontos controversos na doutrina permitiam e abriam espaço para discussão da constitucionalidade da cobrança.

Aliás, deve-se ressaltar que a escolha do legislador infraconstitucional, em acrescentar em um mesmo artigo de lei (art. 25 da lei 8.212/91) tributos destinados a pessoas distintas, com fundamentos distintos na CF/88, é prática no mínimo questionável do ponto de vista da redação legislativa.

4.6.2 Fator estrutural

Há que se considerar, também, a questão estrutural da composição da corte. Entre o ano de 2010, quando o primeiro precedente foi julgado em favor do contribuinte, e o ano de 2017, quando se decidiu em favor do fisco, decorreram inúmeras mudanças na corte.

Especialmente salta aos olhos que o voto vista que puxou os demais é do Ministro Alexandre de Moraes, que passou a compor a corte apenas um mês antes do julgamento. Frise-se que o voto do Ministro Relator, que foi vencido, era em favor do contribuinte e em privilégio à jurisprudência consolidada da corte.

Todavia, casos recentes têm demonstrado que a alteração da composição da Suprema Corte do Brasil é sim fator determinante e corriqueiro nas alterações jurisprudenciais, de maneira que isso tem contribuído para formação de um estado de insegurança jurídica generalizado, no qual nem mesmos os precedentes com força vinculativa podem ser considerados definitivos.

Analisando a partir do âmbito ôntico-prático, deve-se ressaltar que a composição dos julgadores de um determinado processo é regra ôntica organizacional, por sua vez o dever de fundamentação é uma regra ténico- convencional.

4.6.3 Fator Político

Não passa despercebido também que, no caso do FUNRURAL, há um complexo fator político envolvido.

A rediscussão do FUNRURAL, tributo destinado à Seguridade Social, se dá no contexto de discussões acaloradas acerca da necessidade reforma da previdência em virtude da queda da arrecadação fiscal, desequilíbrio nas contas e principalmente em razão do envelhecimento da população.

Isso certamente deve ser considerado como um fator determinante na formação do entendimento dos julgadores, especialmente no caso dos Ministrados recém-indicados, que tendem a não contrariar as forças políticas responsáveis por sua nomeação.

Há que se ressaltar, todavia, que a falta de consenso político também contribuí para configuração de uma situação de insegurança jurídica. Observa-se que o Senado Federal, ao editar a Resolução 15/2017, dando eficácia Erga Omnes à decisão de 2010.

Ocorre que a atuação do Senado, concretizando a previsão do art. 52, X, da CF/88, veio mais de 7 anos após a decisão do STF. Assim, por certo que a inércia daquela casa legislativa durante todos esses anos é fator responsável pela mudança jurisprudencial.

De fato, analisando-se o julgamento do RE 718874/RS, é possível extrair o seguinte debate:

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Para mim, a pedra de toque é saber se essa lei nova, de 2001, versou, a partir da Emenda Constitucional nº 20/1998, uma base de incidência nova, considerada a Emenda. Mas parece que não versou.

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - O caput do art. 25. Mantidos os incisos da Lei nº 9.528 de 97.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) – Ela equiparou. O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Essa é uma das questões que nos diferencia no voto entre mim e o Ministro Fachin. O que fez a Lei? A Lei, uma vez afastada, afastado o grande problema, o problema maior que o Supremo Tribunal Federal entendia para declarar a inconstitucionalidade das leis anteriores, a Lei, agora, com base na Emenda 20, que permitia a receita como base de cálculo, colocou no art. 25. E os incisos I e II, que - e eu volto a insistir - jamais foram retirados do ordenamento jurídico, porque houve a declaração incidental para um caso concreto; não houve aplicação do art. 52, X, para que o Senado Federal retirasse; não houve a transcendência prevista para que se retirasse do ordenamento jurídico, no meu posicionamento; e nos termos da Lei nº 95 de 96, a Lei Complementar, que prevê a técnica legislativa, houve a possibilidade desse, a meu ver, aproveitamento sem nenhum problema, porque o contribuinte, ele tem, ao ler a norma, ele tem todos os elementos possíveis e necessários para verificar qual é sua tributação.115 (sem destaques no original)

De fato, o Senado só veio a se pronunciar sobre essa questão após o julgamento do RE 718874/RS em 2017, portanto, resta inequívoco que a conduta daquela casa legislativa ao longo dos anos foi fator determinante para a posição do STF.

No referido RE 718874/RS com repercussão geral foram opostos embargos de declaração pelas partes e pelas entidades que figuraram como amicus curiae¸ alegando que a posterior edição da Resolução 15/2017 pelo Senado era fato superveniente que deveria ser julgado pelo Supremo, sendo que em que 23 de maio de 2018 os recursos foram conhecidos e não providos.

4.6.4 Fator Jurídico: análise da segurança jurídica

Conforme aduzido em linhas pretéritas, após a conclusão do julgamento RE 718874/RS foram opostos embargos de declaração pelas partes e também pelas entidades que atuavam como amicus curiae.

Humberto Ávila emitiu parecer nesse sentido, no qual argumenta, em síntese, que o STF verdadeiramente teria promovido uma mudança de

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tributário. Ec 20/98. Nova Redação Ao Artigo 195, I da Cf. Possibilidade de Edição de Lei Ordinária Para Instituição de Contribuição de Empregadores Rurais Pessoas Físicas Incidente Sobre a Comercialização da Produção Rural. RE 718874/RS. Acórdão Eletrônico. Relator: Min. EDSON FACHIN. Brasília, DF, 30 de março de 2017. DJe. Brasília, 29 set. 2017. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 15 jun. 2018.

jurisprudência, razão pela em nome da proteção da segurança jurídica deveria haver a modulação dos efeitos da decisão.

Mudança de jurisprudência ocorre quando uma decisão judicial manifesta entendimento diretamente contrário àquele manifestado em uma decisão judicial anterior e eficaz sobre a mesma matéria. O Fenômeno existe quando um tribunal, abandonando a linha que vinha seguindo até então para resolver uma questão de direito, “gira” (vire de bord), “muda completamente” (change de tout au tout), e formula uma resposta em forte oposição com o princípio anteriormente sustentado.

[...]

No caso ora analisado, a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal expressamente altera a decisão anterior, substituindo as consequências jurídicas da declaração iode inconstitucionalidade definhada anteriormente. Antes, toda a obrigação tributária era inconstitucional, agora apenas o elemento referente ao seu sujeito passivo; ou, em outras palavras, antes o caput e os incisos do art. 25 eram inconstitucionais, agora apenas o seu caput. A definição de mudança de jurisprudência está vinculada exatamente à existência de uma decisão judicial posterior modificativa (Änderungsentscheidung), que se afasta de outra decisão judicial inicial (Ausgangsentscheidung) eficaz sobre a mesma matéria. É exatamente este o caso ora analisado: a decisão judicial deste E. Corte, ora analisada, manifesta entendimento diretamente contrário àquele manifestado em uma decisão judicial anterior eficaz sobre a mesma matéria. Importante mencionar que não havia qualquer precariedade com relação à decisão anterior. Pelo contrário, trata-se de decisão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal transitada em julgado em 01.06.2011.116

Nesse sentido, defendeu-se que deveria haver modulação de efeitos a fim de resguardar as situações jurídicas já consolidadas sob o entendimento jurisprudencial anterior.

Esta doutoranda já se manifestou em sua dissertação de mestrado acerca da segurança jurídica nos atos emanados pelo poder judiciário:

A relação entre o Sobreprincípio da Segurança Jurídica e os atos jurisdicionais é de fundamental importância, pois qualquer obstáculo ocorrido nessa relação conduz o ordenamento jurídico a um estado de Insegurança.

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ÁVILA, Humberto. Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 718.874. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tributário. Ec 20/98. Nova Redação Ao Artigo 195, I da Cf. Possibilidade de Edição de Lei Ordinária Para Instituição de Contribuição de Empregadores Rurais Pessoas Físicas Incidente Sobre a Comercialização da Produção Rural. RE 718874/RS. Acórdão Eletrônico. Relator: Min. EDSON FACHIN. Brasília, DF, 30 de março de 2017. DJe. Brasília, 29 set. 2017. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/>. Acesso em: 15 jun. 2018.

Por vezes as manifestações do Poder Judiciário atingem tantas pessoas, e produzem resultados tão amplos na sociedade que suas consequências passam a ser levadas em consideração n momento da tomada de decisão.

A modulação de efeitos, como ficou conhecida, surgiu a partir de uma maior sensibilização do julgador constitucional com matérias nas quais a decisão pode modificar situações já consolidadas na sociedade afetando a segurança jurídica ou o interesse social.

[...]

Assim, o referido princípio inequivocamente se dirige também para coibir abusos do poder judiciário, exigindo-se do julgador postura adequada no sentido de se garantir a confiabilidade e a calculabilidade de seus atos. 117

Nesse sentido, é inequívoco que a decisão do STF no RE 718874/RS configurou-se uma mudança jurisprudencial, cujas consequências implicarão a alteração de situações já consolidadas, razão pela qual restará violada a segurança jurídica pelo viés da confiabilidade e a calculabilidade dos atos emanados pelo Poder Judiciário.

Apesar desses argumentos, o Supremo Tribunal Federal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, rejeitou os embargos de declaração, sendo que foram vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio, que os acolhiam para modular os efeitos da decisão de constitucionalidade.

Nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99, a modulação de efeitos dependeria de um quórum de no mínimo 2/3 dos votos, razão pela restou indeferido o pedido postulado nos embargos de declaração.