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Arbitrariedade, abuso de autoridade e confiança legítima do

1 POSICIONAMENTO METODOLÓGICO: METODOLOGIA

2.5 Arbitrariedade, abuso de autoridade e confiança legítima do

Pode-se afirmar que arbitrariedade e direito são dois conceitos em campos opostos em uma análise valorativa de seus significados. A função do direito, em essência, é coibir o que é arbitrário, é trazer ao mundo das relações jurídicas travadas na sociedade a necessária segurança entre os sujeitos.

Se no decorrer de determinada situação, regida por uma lei, um indivíduo resolve agir de maneira arbitrária, aquele que se sentir lesado pode se valer da prerrogativa de buscar a correção pelo direito através de uma demanda administrativa ou judicial.

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“L’a vita del diritto, insomma, è dominata dal bisogno di garantirsi nei confronti di qualsiasi motivo di arbitrio e di incertezza non soltanto nel momento normativo astratto, come possibilità di previsione da parte dei soggetti delle conseguenze giuridiche dei propri comportamenti”.CAIANI, Luigi. I giudizi di valore nell’interpretazione giuridica. Podova: Cedam, 1954. p. 57.

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Ávila . Humberto. Segurança Jurídica: Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário, 2ª Edição, São Paulo- SP, Malheiros, 2012

Ao travar suas relações na vida social, cada pessoa física ou jurídica, só o faz na certeza de que eventual ato lesivo de outrem poderá ser coibido pelos meios adequados. Nem mesmo sair na rua, dirigir um veículo, ou comprar no supermercado com um cartão do banco seria possível sem a confiança que cada um depositada na estrutura jurídica então existente.

É nesse sentido que se depreende que os conceitos de segurança jurídica, confiança legítima e de Direito se tornam indissociáveis. Dito de outra maneira, é razão de existir do Direito fazer com que os indivíduos tenham segurança jurídica ao travar qualquer tipo de negócio regido pelas leis.

Segundo Canotilho:

O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsalvemente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da pretecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito.”63

Conforme se depreende da citada lição, a segurança jurídica é elemento estruturador e constitutivo da existência do próprio Estado de Direito.

Se é assim na vida privada, também o é nas hipóteses em que o Direito incide sobre as relações fisco-contribuinte. Considerando o enorme poder estatal, e tendo em conta que a função de garantir a segurança jurídica é do próprio Estado, parece contraditório imaginar que a violação da segurança jurídica, ou seja, a quebra a confiança, se dê por atos desse mesmo ente.

Todavia, a realidade e a prática demostram que tais entes públicos, apesar de existirem como ser no plano jurídico, e de estarem presentes no plano fático com suas respectivas estruturas materiais, eles sempre são compostos por seres humanos, cuja falibilidade e a propensão ao engano e ao erro dispensam maiores explicações.

Por essa razão, mais importante do que a confiança que o indivíduo deposita no Estado em suas atividades ordinariamente administrativas, sobreleva

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CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Almedina. Coimbra- Portugal. Pág.:257

com maior relevância a confiança depositada no papel do Estado como entidade julgadora de violações ao direito.

É nesse sentido que a arbitrariedade, muitas vezes manifesta como abuso de autoridade quando praticada por um agente investido de poder estatal, torna-se verdadeira afronta aos postulados mais basilares de uma sistema jurídico. E o é com ainda maior intensidade se esse ato cometido o for por um agente do poder judiciário.

Canotilho faz o necessário enquadramento de conceitos, em que afirma: Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos actos dos poderes públicos.64

Portanto, adotando-se como premissa a lição do citado doutrinador, é possível classificar a Segurança Jurídica em sentido objetivo, que se refere à estabilidade do direito em si, e Segurança Jurídica em sentido subjetivo, que se refere à proteção da confiança depositada pelos indivíduos nos atos emanados pelos poderes públicos.

Essa classificação, conforme é possível notar, adota como critério a funcionalidade da Segurança Jurídica dentro do Direito. Essa segurança pode ser em relação ao direito abstrato de maneira genérica, ou em relação a um ato concreto específico.

Tanto em um caso como outro, entretanto, é função inequívoca da segurança afastar uma situação de arbitrariedade. Essa é, de maneira essencial, a função e o papel da segurança jurídica, ou seja, de ser o elemento que compõe o conceito de Direito e que o faz se contrapor ao arbítrio.

Assim, quando se cita a segurança jurídica apenas, assim é feito para tratar do estado de equilíbrio que se espera do direito de maneira abstrata. Todavia, quando se fala em proteção á confiança legítima, aponta-se para o sentido subjetivo

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da segurança jurídica. Em ambos os casos, sempre tendo em conta que ela é a própria antítese do abuso e do arbítrio.

2.6 SEGURANÇA JURÍDICA E ESCOLA ALEMÃ

Os atos do Poder Público, em especial aqueles visando a restrição de direitos, deve sempre ser fundamentada em ampla argumentação, pormenorizando os fundamentos de fato e de direito que demonstrar que determinada escolha é a correta. Essa é uma questão imperiosa para todo Estado Democrático de Direito, razão pela qual a discricionariedade no momento de decidir não se compatibiliza com os preceitos das constituições modernas. Em outras palavras, todo ato administrativo tendente à restrição de direitos fundamentais não deve estar fundamentação em alegações simples e rasas de que seria o chamado “interesse público”.

Nessa discussão, emerge com especial relevância a exigência de integridade no direito, cujo desenvolvimento se deu por meio dos trabalhos de Ronald Dworkin, que teorizou acerca de duas dimensões nas quais é defendido de maneira expressa uma leitura da constituição voltara para a moralidade pública.

A integridade no direito, para a primeira dimensão, é o entendimento segundo o qual uma decisão deve ser orientada por princípio e não por acomodações políticas ou por mera estratégia das pessoas envolvidas65. O que é defendido por Dowrkin nesse ponto é justamente o Estado de Direito contra meros argumentos consequencialistas.

Por sua vez, a segunda dimensão da integralidade consiste em uma reflexão acerca da interpretação66. Aqui o que é discutido é que o direito não se curva à moral subjetiva do julgador ou de parcela da sociedade. A decisão tomada deve ser calcada em uma argumentação interpretativa que justifique expressamente o porquê daquele entendimento ser o melhor dentro daquele modelo

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DWORKIN, Ronald. Direito da Liberdade: leitura moral da constituição americana, São Paulo, Martins Fontes, 2010, p. 132 e 133.

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constitucional67. Essa dimensão, portanto, trata da construção interpretativa que se faz no ordenamento jurídico.

Portanto, a justificação da decisão se dá no âmbito procedimental, ao se realizar uma argumentação voltada para a integralidade do sistema jurídico- constitucional debatido, o que se faz na forma de princípios. Estão não se traduzem em um enunciado textual, mas sim à construção de significados a partir de conceitos jurídicos expressos.

Ora, nessa concepção, segurança jurídica nada mais é do que o próprio respeito à integralidade do direito, justificado segundo princípios interpretativos e argumentativos extraídos do sistema constitucional. É, portanto, uma segurança jurídica em uma acepção objetiva, cujo enfoque se dá no resultado da fundamentação da decisão tomada.

Eis que o princípio da segurança jurídica, como aprendemos no direito alemão, possui uma faceta importante, subjetiva, representada pelo “princípio da proteção” 68.

O princípio da segurança jurídica, entendido nesta linha do que se desenvolveu, inicialmente, no direito alemão, como proteção à boa fé e à confiança (Treu und Glaube) do cidadão, depois, no Direito da União Europeia, como “princípio da proteção à confiança legítima” (Vertauenschutzprinzip), está hoje amplamente reconhecido também entre nós, na legislação (Lei n. 9.784/99, arts. 2º. e 54) e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal69, como princípio de valor constitucional, imanente ao princípio do Estado Democrático de Direito, e que serve de limite à invalidação, pela Administração Pública, dos seus atos eivados de ilegalidade ou de inconstitucionalidade. Essa é uma concepção subjetiva porque o enfoque do estudo se dá no ato pelo qual o indivíduo na sociedade deposita sua confiança no Estado.

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Cf. DWORKIN, ib. 68

Cf., para tanto, ALEXY, Robert e DREIER, Ralf, “Precedent in the Federal Republic of Germany”, in Interpreting Precedents: a Comparative Study, Neil Maccormick e Robert Summers (coords.), Londres, Dartmouth, 1989, p. 19.

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3 TEORIA DOS JOGOS

A expressão “Teoria dos Jogos” tem sido utilizada modernamente, desde o final da primeira metade do século passado até chegar nos nossos dias, como um conjunto de pensamentos e pensadores que se utilizam do fenômeno social que é o jogo para teorizar em suas áreas.

No campo da história, esse trabalho começou a ser desenvolvido por Johan Huizinga, que por volta da década de 1930 do século passado se propôs a analisar o jogo como fenômeno um cultural na sociedade humana.

Ainda no mesmo período, por volta da década de 1940, o matemático John von Neumann realizou estudos em sua área com o objetivo de demonstrar que problemas de natureza econômica poderiam ser explicados a partir de soluções lógicas encontradas em jogos de estratégia.

O trabalho de Neumann foi sucedido pelos estudos de John Forbes Nash, que revolucionou a análise de problemas matemáticos a partir dos jogos, resultando no que ficou conhecido como “Equilíbrio de Nash”. Por seus trabalhos e contribuições através da matemática Nash foi agraciado pelo Prêmio Nobel de Economia em 1994.

Já no âmbito do direito, Gregório Robles Morchon na década 1980 empreendeu frutificantes estudos no campo da filosofia, também utilizando os jogos como paradigma de análise. Conforme se verá adiante, a contribuição de Robles foi conseguir extrair três categorias de regras nos jogos que são extremamente úteis na análise jusfilosófica.

Todos os pensadores acima expostos possuem em comum o fato de buscarem no fenômeno social que é o jogo um meio para desenvolver estudos teóricos em suas áreas. Partindo da história, passando pela matemática e a economia, chegando até o direito.

A multiplicidade de visões e análises, oriundas de ramos do conhecimento humano aparentemente distintos, poderia levar a crer que não existiria uma confluência de ideias entre esses teóricos, de maneira tal que não se poderia falar

em “uma” teoria dos jogos, mas sim em várias teorias dos jogos, cada qual em seu ramo.

Todavia, a realidade é diversa, pois neste trabalho foi possível identificar elementos em comum e essencialmente complementares entre esses teóricos. Uma vez que o objeto de estudo de todos eles é essencialmente o mesmo, ainda que varie o tipo de jogo e a metodologia, todos esses pensadores foram capazes de extrair princípios semelhantes.

Neste capítulo serão delineadas as características essenciais de cada um desses teóricos e identificar os pontos em comum. Considerando que esta tese pertence ao campo da filosofia do direito, a contribuição que se pretende alcançar é circunscrita ao campo jurídico, especialmente para o conceito de Segurança Jurídica.