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Quantidade de crianças Érika Patrícia (gênero e idade)

Encontro 3. Uso comum Meninos R

8.2 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Após a descrição dos dados coletados ao longo dos três dias do experimento, foi possível observar alguns fenômenos em consequência da fala e interação dos alunos. Como forma de resgatar pressupostos apontados por autores que embasaram a fundamentação teórica dessa investigação, serão feitas relações e costuras entre os resultados compreendidos ao final das abordagens e conceitos estabelecidos anteriormente. Os retalhos agora costurados serviram para dar início às conclusões que serão sugeridas ao final desse documento de tese.

8.2.1 Encontro 1

Conforme já afirmado, o primeiro dia de coleta de dados junto às crianças refletiu um desafio maior para a pesquisa devido à falta de relacionamento anterior entre a pesquisadora e os sujeitos, impasse resolvido quando do início da dinâmica proposta pela metodologia ofertada por Saramago (2008), aplicada ao protocolo experimental da pesquisa. Conduzir a abordagem utilizando-se do ambiente no qual a criança está inserida – a escola/creche - e, em especial, expressando-se através de informações presentes no seu repertório caracterizaram-se como ações relevantes durante a coleta de dados, como propuseram Greenspan & Greenspan, 1993; Campos, 2008; Souza e Castro, 2008; Franceschini e Campos, 2008; Delgado e Müller, 2008.

Da construção das cartelas à sua aplicação, coube observar que a inserção dos sujeitos – e as referências que os constituem - foram singulares para obtenção de dados relevantes para esse relato. Desse modo, de início, como abordagem introdutória, foi de grande valia inserir no diálogo com as crianças conteúdos que elas comumente veem ao longo das aulas, como desenhos, cores e formas. O uso das cartelas e da dinâmica de sala de aula auxiliada pelas professoras que agora aturam como tutoras (Saramago, 2008) foi de suma importância para o bom andamento da abordagem.

184 Das quatro turmas observadas nessa investigação, foi possível considerar um nível de compreensão

excelente por parte das crianças nas três faixas etárias. Ainda na fase de utilização das cartelas, as crianças das turmas BII e Pré I demonstraram entendimento adequado dos elementos presentes nas quatro categorias apresentadas. As preferências e interesses por características de gênero foram observadas já em um primeiro momento de explanação das fichas ilustradas, em todas as turmas abordadas. O sujeito C., de três anos, quando compreendeu a textura de flores, de imediato retrucou que “era florzinha, de menina...” e divertiu os colegas. A aluna M., de cinco anos, apontou que “adorava coisas com princesas, porque era de menina”.

Além das preferências explícitas dentre formas, texturas e personagens, as cartelas de cores também geraram algum burburinho entre os alunos. As cores separadas em colunas que de forma indireta ajustavam-se a padrões cromáticos femininos, masculinos e neutros também foram alvo de comentários interessantes dentre os sujeitos. O aluno P., de quatro anos, afirmou que gostava de pintar os desenhos que fazia e que gostava de todas as cores, mas preferia azul. Sua colega H., de três anos, coloriu a princesa toda de rosa, porque era sua cor favorita. Os exemplos relatados acima podem comprovar o que já foi apontado por autores como Rodrigues, 2003; Bee, 2003 e Shaffer, 2005, que propõem que crianças ainda na primeira infância já demonstrem preferências e compreensões de gênero. As atitudes das crianças quando em contato com escolhas que possibilitem relatos relacionados ao gênero fazem com que tais comportamentos pareçam estar enraizados no entendimento dos pequenos, que têm reação instantânea quando as opções vão de encontro às suas preferências.

Outra ficha demonstrada às crianças, a cartela de personagens, gerou reações tão interessantes quanto à de cores junto aos sujeitos. Ao longo da abordagem foi possível observar que as meninas, em sua maioria, demonstram menos resistência do que os meninos quanto à recepção dos personagens quando aplicados em algum suporte. Os desenhos de carros e robôs eram claramente melhores aceitos pelo público feminino do que as bailarinas e princesas durante a aceitação pelos meninos. Para as alunas, as cores ou elementos complementares inseridos nas ilustrações seria suficiente para sua aceitação. M., de quatro anos, disse que “robô não era coisa de menina”, quando a colega W., também de quatro anos afirmou que gostava da figura. Imediatamente ela retrucou que “poderia ser se ela pintasse ele de rosa”. A procura pelas personagens femininas não ocorreu por parte dos meninos das turmas. Tais atitudes dos alunos durante escolhas e compreensões quanto ao gênero ratificam o pensamento dos autores supracitados que justificam que apenas a noção rudimentar sobre as percepções de gênero já parece ser suficiente para deflagrar padrões estereotipados nas crianças.

185 O primeiro encontro teve como desfecho a pintura de desenhos vistos ao longo da explanação das

cartelas. Nesse momento também foi possível observar preferências entre os gêneros e reações quando postos em contato com escolhas que relacionavam várias características gráficas visuais inseridas aos personagens que coloriram (cor, forma, textura), além da definição dos lápis e cores que ilustrariam seus desenhos. Ao longo da atividade lúdica para colorir o desenho, o aluno J., de 5 anos, parou de pintar e ficou esperando algum lápis azul ser liberado entre os colegas, pois “queria pintar o robô da cor de homem”. Esse é apenas um exemplo dentre muitos ao longo da atividade que ratifica que a preferência de gênero tem início quando muitas vezes a criança ainda não tem a noção exata de suas preferências, o que reflete o pensamento de Bee (2003) e Shaffer (2005) às custas da aprendizagem social, quando a modelação e repetição de atitudes dos mais velhos servem de referência para as condutas dos pequenos. Certamente as reações e interações que as crianças aqui observadas demonstram refletem atitudes que costumam vivenciar em seu cotidiano, a partir dos exemplos que vislumbra nos seus ambientes de convívio comum.

8.2.2 Encontro 2

A abordagem do segundo encontro ocorreu sem contratempos, visto que esta pesquisadora já havia estabelecido vínculos suficientes com as turmas para que a interação ocorresse de forma mais natural e participativa. Nesse momento, a simulação de compra de uma peça de roupa escolhida por eles gerou um

frisson nas turmas. Como proposto e acatado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da UFPE, ainda que

tivesse sido avisado que os produtos faziam parte da pesquisa e que as camisetas contextualizavam material técnico de sala de aula, ficou claro a partir da coleta que a responsabilidade dada aos alunos para auxiliar na compra da própria roupa tinha grande representatividade para eles.

De início, a montagem do experimento composto por arara, cabides e camisetas em meio à sala de aula surpreendeu os sujeitos e a atividade em forma de brincadeira apontou para resultados de relevância para a investigação. Como proposto por Kudo et al (1994, p. 250), a partir dos três anos de idade “a criança consegue participar, esperar a vez e obedecer a regras”. A notória maturidade das crianças comprovada por tal dado permitiu que o andamento das demais etapas do experimento acontecessem sem prejuízos para o desfecho da abordagem. Notou-se que diferentemente dos alunos das escolas particulares, observados durante pesquisa anterior, os estudantes das escolas públicas são menos inibidos para participar de atividades com pessoas de fora do seu convívio. Talvez pela realidade das próprias escolas oferecerem menos atividades diferentes da rotina de sala de aula, os alunos demonstraram

186 bastante participativos e interessados nas dinâmicas oferecidas ao longo do experimento, exatamente por

representar novidade para eles.

Os alunos demonstraram ansiedade para participar da escolha das camisetas e possibilitaram que muitas informações fossem coletadas durante a coleta. De início, um dado relevante a ser destacado caracteriza-se pela observação de que a cor é o primeiro fator decisório das crianças durante a escolha das peças. Dentre os sujeitos observados, 32 crianças realizaram a escolha imediatamente pela cor. Isso significa que quase metade dos alunos que participaram da abordagem estabelece que a cor configura a característica inicial para a seleção de uma peça. Em muitos casos, quando surpreendidos por elementos gráficos do gênero oposto impressos em camisetas no padrão cromático preferido, os sujeitos trocavam de imediato, como forma de reforçar sua opção primária.

C., um garoto de quatro anos, escolheu a camiseta azul com a bola de futebol impressa sobre pegadas. Para ele, optou pela camisa por gostar muito de jogar bola e porque tinha “uma patinha de cachorro”. A menina M. de três anos, escolheu a camiseta rosa imediatamente pela cor. Olhou todas as peças nos diversos tons de rosa, roxo e lilás na arara e ficou com a que tinha a fada sobre flores. Ela justificou que preferiria aquela porque tinha princesa e flores, que ela adora. A aluna M., de 5 anos, passou um bom tempo escolhendo a camiseta dela, olhando estampa por estampa, até definir que a camiseta azul marinho com a bailarina impressa sobre flores seria a selecionada. Para ela, o personagem fez com que ela tomasse a decisão e por vestir roupa rosa, ela gostou mais. Ao contrário da colega, o menino E., de quatro anos, escolheu a camiseta inicialmente pela cor e tomou um susto, “oxe, é de menina!!”, quando se deparou com a fada impressa sobre a camiseta azul. Em seguida ele separou a peça a partir da combinação de cor e estampa, acolhendo a alaranjada com a bola impressa sobre bolhas para seu uso.

Os comentários extraídos da coleta, dentre tantos outros importantes e relevantes do experimento refletem propostas elaboradas por Kudo et al (1994) e Montigneaux (2003). Assim como apontado pelos autores, as crianças demonstravam preferências de formas, padrões coloridos e relação íntima com a contagem de histórias e personagens.

Como visto anteriormente tomando como fundamento o pensamento de Kudo et al (1994), o jogo do simbólico tem início na criança a partir dos três anos e a partir disso ela passa a compreender o mundo que a cerca. Utilizando-se como exemplo a dinâmica em sala de aula, os alunos puderam entender a realidade ao seu redor e contribuir com a investigação por meio de uma construção rica de saberes, por meio de afirmações, escolhas e atitudes. Ainda segundo Kudo et al (1994) e Montigneax (2003), ao tomar

187 como partida a representação mental dos objetos que esta fase simbólica permite, os sujeitos conseguem

interiorizar conceitos e se projetar no tempo e espaço, mostrando sua voz ao escolher e defender preferências dentre diversas opções. Nesse momento a fala da criança passa a interessar na pesquisa, pois denota o que prefere e como se dá essa escolha.

Desse modo, torna-se possível vislumbrar a importância dos métodos de abordagem durante o experimento, de forma que sugerem respostas seguras e eficazes para a investigação. De tal forma, pode- se apontar o método qualitativo como responsável por fornecer dados individuais das crianças, como elas realizam as escolhas e os fatores que convergem para tal seleção. Por sua vez, o método quantitativo sugere os resultados em grupo, ao focar o volume das preferências e como isso reflete para os resultados do experimento.

Nesse segundo encontro, foi de suma importância aplicar elementos vistos durante a apresentação do experimento, como cores, formas, texturas e personagens ao longo do período de vivência com os alunos nas creches. Em especial a presença de tais figuras-chave na construção das camisetas caracterizou-se como relevante pelo fato delas atuarem como forma de identificação das crianças, de modo a facilitar o contato entre pares por aproximá-los por meio de preferências e necessidades comuns. Além disso, o fato comprova o que já tinha sido observado em investigação anterior: que a compreensão das cores dos objetos pelas crianças ao relacioná-los com seu gênero existe desde a menor idade, que aos três anos já pode ser notado.

Com o término das duas etapas introdutórias, caracterizadas pelos primeiros encontros junto aos sujeitos, foi possível realizar a terceira e inicialmente tão relevante fase. Inicialmente porque a priori, as etapas primeiras seriam apenas para nivelar as turmas e gerar um contato mais aprofundado com a pesquisadora. No entanto, geraram dados mais significativos do que o esperado e todos eles puderam ser contados e analisados com fins de dados científicos.

8.2.3 Encontro 3

Como já afirmado, o último dia de coleta de dados representou mais um turno de relevantes informações coletadas das crianças e possibilitou mais uma vez que a pesquisa saísse do papel e fosse aplicada de forma segura com os sujeitos. O terceiro dia de encontros garantiu a participação mais dedicada ainda de alunos e tutores, que cooperaram – até de modo inconsciente - para que o experimento funcionasse da maneira planejada e resultasse em respostas válidas para a investigação. Com as turmas parceiras da pesquisadora, o questionário foi aplicado numa sala anexa e a segurança sentida por parte

188 dos alunos obtidas até aqui foi um elemento a mais para o desfecho satisfatório do encontro. Como foram

três séries de perguntas por aluno, cada obtenção de dados foi relativamente mais lenta do que de costume se comparado aos dois primeiros momentos. Entretanto, desde o primeiro questionamento, como supracitado, os alunos compreendiam o ritmo da atividade e de forma rápida finalizavam o que lhes era proposto.

Dentre as quatro turmas observadas, foi possível traçar um esboço da maior incidência e combinação das respostas obtidas. Para tornar a observação e compreensão dos dados ainda mais rica, as análises foram guiadas por meio de dois parâmetros distintos: decomposição por gênero e por faixa etária. Dessa forma, resolveu-se observar por meio de duas janelas diferentes de interpretação, com o propósito de oferecer variáveis e interpretações por pelo menos dois olhares distintos lançados à pesquisa.