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Quantidade de crianças Érika Patrícia (gênero e idade)

Encontro 3. Uso comum Meninos R

8.4 Análise por faixa etária

Ao contrário da observação anterior, o presente questionamento acontece ao contemplar as escolhas elaboradas e construídas por meio das diferentes faixas etárias trabalhadas neste relato. Dessa, forma, torna-se possível compreender as escolhas propostas ao considerar a leitura feita por crianças de três, quatro e cinco anos de maneira isolada, sendo estes estudantes das duas creches observadas.

Como afirmado anteriormente, foram discutidos os dados resultantes da observação dos alunos ao longo dos três estágios etários (Tabela 13). A tabela foi construída de modo a contemplar o que se esperava que meninas e meninos apontassem e qual teria sido sua escolha definitiva.

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Tabela 13. Resultado encontro 3 das opções de meninas e meninos por idade. Meninas/ Idade Uso Padrão de textura No de crianças nas cinco perguntas** Três Uso próprio TN – Textura neutra 14

Quatro Uso próprio

TA – Textura menina

48

Cinco Uso próprio

TA – Textura menina 38 Três Uso oposto TO – Textura menino 15

Quatro Uso oposto

TO – Textura menino

35

Cinco Uso oposto

TO – Textura menino

36

Três Uso comum TA – Textura menina

11

Quatro Uso comum

TN–textura neutra/ TO–Textura menino TN – 22 TO – 36

Cinco Uso comum

TN–textura neutra/ TO–Textura menino TN- 26 TO -22 Meninos/I dade Uso Padrão de textura No de crianças nas cinco perguntas** Três Uso próprio TO – Textura menino 15

Quatro Uso próprio

TO – Textura menino

44

Cinco Uso próprio

TO – Textura menino 27 Três Uso oposto TA – Textura menina 28

Quatro Uso oposto

TA – Textura menina

68

Cinco Uso oposto

TA – Textura menina 43 Três* Uso comum TO – Textura menino 10

Quatro* Uso comum

TO – Textura menino

27

Cinco* Uso comum

TO – Textura menino

35

Fonte: Arquivo pessoal (2014).

*dentre as cindo perguntas feitas, os meninos só apontaram na terceira linha de respostas que a combinação para uso comum seria elementos de meninas e meninos combinados na mesma estampa.

** a mesma criança respondeu a cinco perguntas, por isso o somatório não é igual ao número de crianças.

De modo a tornar as tabelas mais compreensíveis, as opções para meninas foram destacadas em rosa, para os meninos foram marcadas em azul e as possibilidades para uso neutro foram grifadas em laranja. A distribuição das cores aconteceu para tornar a leitura da tabela de forma imediata.

Sujeitos aos três anos

As tabelas acima contemplam mais uma vez o pensamento discutido por Bee (2003) e Shaffer (2005) acerca do início de compreensão das crianças do que significa ser menina e ser menino. Como já observado no capítulo 5, em especial ao apontar a idade com que essa condição torna-se evidente para os sujeitos mirins, Shaffer (2005) difunde que aos três anos a criança dá início à compreensão mais madura do significado de distinção entre meninos e meninas. Para o autor, com essa idade o sujeito já se considera menina ou menino e surge o entendimento da identidade de gênero. Para Bee (2003), Rodrigues

192 (2003) e Shaffer (2005) à luz da teoria cognitiva24, ainda que não tenham maturidade suficiente para

expressar-se e definir os porquês de escolhas realizadas, as crianças de três anos já demonstram de maneira clara suas preferências por pares do mesmo sexo.

Ao longo dessa fase do experimento, alguns comentários dos alunos sugeriram interpretações interessantes e comprovaram o que autores utilizados para reflexão dessa investigação propuseram anteriormente. As crianças de três anos embora mais caladas, por meio de determinado comentário ou escolha contribuíram para a interpretação de alguns fatos. O aluno A., de três anos, afirmou preferir “essa estampa de robô, pois tem pegadas e parece com o brinquedo que ele ganhou dos pais”. Já uma menina de outra turma, R., de três anos, disse que a melhor escolha para algum colega menino seria a estampa do carro sobre pegadas: “ah, porque ele gosta de Diego (referindo-se ao desenho animado)”. Tais comentários reforçam o pensamento de Shaffer (2005) ao considerar que a teoria de aprendizagem social reflete de maneira relevante na formação de identidade de gênero da criança e as conduz para preferências acertadas ao considerar suas preferências formatadas por meio da observação e repetição de atitudes. Ao mesmo tempo em postula que personagens e brincadeiras presentes no cotidiano das crianças pretendem estabelecer preferências ou indicações de diversão para os sujeitos classificando-os por gênero. Como supracitado, Esperança e Dias (2010) apontam que as características gráficas e valores presentes nos desenhos propõem uma interpretação por parte das crianças, Dessa forma, as atitudes de caçadas, aventuras e superpoderes são mais atribuídas aos meninos, e brincadeiras de casinha, princesas e culinária às meninas, e estabelecem que os elementos como cores, formas e personagens dos programas televisivos também sejam responsáveis pela aceitação – ou negação – das crianças.

Embora não consigam defender suas opiniões e decisões, ao observar as tabelas acima fica claro que as crianças- sejam elas meninas ou meninos- já estabelecem relações com pares do mesmo gênero e realizam suas escolhas mediante a padrões ainda que rudimentares com relação às propensões do seu sexo (por mais que essa se assemelhe a uma compreensão baseada em conceitos estereotipados e mercadológicos).

Sujeitos aos quatro anos

A estabilidade de gênero caracteriza-se por um período que está posicionado após a fase de identidade – ocorrida aos três anos – e a etapa de constância de gênero – que acontece dos cinco aos sete anos, de acordo com Shaffer (2005). Durante esse intervalo, a criança percebe que a noção de gênero

24 Teoria proposta por Shaffer (2005) que tem como fundamento as relações sociais e desenvolvimentos cognitivos das

193 permanece imutável mesmo com o passar do tempo. Para essa investigação, ao interpretar o olhar dos

autores utilizados para fundamentação teórica como Bee (2003) e Shaffer (2005), contemplou-se que as crianças de quatro anos estariam nessa faixa etária de compreensão intermediária dos conceitos acerca do gênero.

As escolhas apontadas como ideais para uso próprio, oposto e comum para meninas e meninas geraram resultados que respeitavam de forma clara a padronização adotada por sujeitos do gênero masculino e feminino. Foi possível observar que somente as meninas, mais uma vez, apontam alguma compreensão do uso dos elementos mistos para um comum, internalizando características masculinas e femininas para uso que contemple essa multiplicidade de interpretações dos elementos presentes às camisetas estampadas para crianças.

Ao longo da aplicação dessa fase do experimento, as crianças de quatro anos apresentavam-se sempre eufóricas ou animadas com as atividades e demonstravam tais sentimentos através dos comentários – e muitas vezes não se davam conta que determinada atitude seria tão relevante para a interpretação e compreensão dos dados em um momento posterior. A aluna B., de quatro anos, escolheu a princesa sobre flores e ilustrou que gostava muito daquele pois ela “amava contos de histórias encantadas, nos reinos da magia, porque tinham muitas florestas e plantas [...]” além de que “ela adoraria se vestir de princesa rosa, que seria o melhor presente para ela”. O colega de turma P., também de quatro anos, escolheu o carro sobre a textura radial, chamou os colegas para contar uma viagem que ele fez com os pais e contou uma longa história sobre isso, com muitos detalhes e personagens, envolvendo outros garotos na aventura. O aluno descreveu um misto de verdade e fantasia na viagem, e o que mais se destacava era a vontade dele interagir com outras crianças e fazerem elas entrarem na sua história. Esse exemplo remonta uma das características descritas por Montigneaux (2003), quando relata que as crianças de dois a sete anos – no período intuitivo para Kudo et al (1994) – desabrocham para atividades mais socializadoras, de envolvimento e troca com outros pares. Tendo em vista um repertório comunicacional mais amplo, o autor defende que a integração e envolvimento entre as crianças aumenta, além delas caracterizarem seu desenvolvimento por meio de uma visão simbólica e ainda lúdica do mundo em que vive. O jogo do faz-de-conta ainda muito presente nesse estágio, serviu de mola propulsora para a realização das etapas. Vez ou outra eles comentavam entre si “M. foi mais rápido que S. para responder o que a ‘tia’ pediu”. A brincadeira e interação entre os pares revelou-se frequente nessa faixa etária, como apontado por Kudo et al (1994) e Montigneaux (2003), por meio das trocas e intensificação das relações

194 sociais da criança acontecendo de forma mais presente, ainda que estabelecida de dois a dois, devido a

alguma dependência ainda da figura materna.

A partir do exposto, cabe afirmar que o que se viu nessa etapa da investigação demonstra que os sujeitos, sejam eles meninas ou meninos, têm nítida consciência dos elementos posicionados para cada gênero. Partindo dos resultados explicitados anteriormente e resumidos na tabela anterior, aos quatro anos as crianças conseguem construir e transparecer um pensamento claro sobre suas preferências de gênero. A realização dessa compreensão ocorre como visto por meio de interação e troca de saberes entre os pares, o que reforça o jogo do faz-de-conta ainda que de forma mais consciente e com maior discernimento da fantasia da realidade no qual estão inseridos.

Sujeitos aos cinco anos

Como supracitado, entre as idades de cinco e sete anos, a criança apresenta o conceito de gênero de forma completo e compreende que ainda que altere roupas ou atitudes, existe estabelecida uma constância de gênero (SHAFFER, 2005). Para o autor, por meio de socialização ativa entre os pares e a identidade de gênero compreendida, as escolhas e decisões dos pares estão cada vez mais centradas em padrões pré-estabelecidos quanto às formas, cores e elementos que se relacionam com preferências condicionadas por esse gênero.

Pela terceira vez na investigação, as meninas apresentaram compreensão mais aprofundada sobre uso comum dos elementos aplicados ao vestuário infantil, contemplando características masculinas e femininas em suas escolhas. Em oposição às meninas, os garotos dessa faixa etária interpretaram o uso comum de modo que somente contempla o uso do mesmo gênero que o seu na aplicação dos elementos. Quando questionados sobre essa decisão, muitos afirmavam que as meninas podiam usar carros ou robôs e blusas de várias cores, mas “os meninos não gostavam de princesas e não usam roupas rosa, só usam como os pais, nas cores preta e azul (aluno M., cinco anos). A aluna S., de cinco anos, esclareceu o porquê das suas duas escolhas que envolviam estampa e textura femininas: “Ah, eu adoro coisas com coração e as flores são muito cheirosas... Pode escolher a cor da camisa que eu ia colar esses desenhos? Vermelha! Rosa é cor de bebezinha...”. A exemplo de S., depois da coleta de dados, os alunos saíam em pares para comentar as escolhas e discutir se fez certo ou errado, atitude que despertou a atenção, pelo significado que tinha.

Como já afirmado no capítulo cinco, de acordo com Shaffer (2005), pais professores, irmãos e pares do convívio diário da criança representam exemplo de atitudes e escolhas para elas e a repetição de

195 gestos de colegas do mesmo gênero caracteriza-se como produto da chamada ‘aprendizagem

observacional’, o que justifica o comportamento da aluna S. Kudo et al (1994) por sua vez caracterizam como grande descoberta e diferencial nessa faixa etária a linguagem aperfeiçoada, que pode ser considerada responsável das trocas de conteúdos e interação sobre preferências entre os grupos que contemplam essa idade. O que pôde ser observado a partir da aplicação do experimento aos quatro anos está explicitado nas preferências claras de gênero apontadas pelas crianças e o poder da interação e aceitação em um grupo, como proposto por Shaffer (2005).

Nas três idades observadas foi possível observar evidências e congruências do que foi proposto outrora por autores como Kudo et al (1994), Bee (2003), Montigneaux (2003), Rodrigues (2003), Shaffer (2005), Bezerra (2009), Esperança e Dias (2010), dentre outros citados ao longo desse relato. Ao relembrar o pensamento de Vygotsky, observa-se que a presença das relações sociais e do aprendizado construído a partir da interação com o meio no qual estão inseridos, faz com que as crianças sejam formadas e transformadas pelo desenvolvimento que acontece de fora para dentro, a partir do contributo dos pares. Reforçado pela construção da identidade de gênero a partir de compreensões próprias e de vivências, observou-se que a troca de saberes entre pares do mesmo gênero, possibilitou que fossem intensificadas as preferências dos sujeitos e compreensões mais evidentes das características de cada gênero. Além disso, observou-se que a partir do convívio com o mundo exterior, a permuta de conteúdos por meio do reforçamento direto e modelação (BEE, 2003) foi responsável para que a criança apresentasse e representasse noções ainda que de forma embrionária de estereótipos de gênero.

Após a análise e discussão dos dados obtidos após os três encontros para coleta de dados, cabe observar a pertinência e relevância de cada etapa da construção desse trabalho, como forma de começar a traçar as conclusões da investigação e responder às questões de pesquisa anteriormente formuladas. No próximo capítulo serão revistos alguns procedimentos adotados como essenciais para o desenvolvimento dessa pesquisa, com o propósito de validar cada passo e possibilitar o uso das técnicas aqui adotadas em relatos posteriores.