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Quantidade de crianças Érika Patrícia (gênero e idade)

Encontro 3. Uso comum Meninos R

8.3 Análise por gênero

A observação feita ao ser considerado o gênero das crianças que fizeram parte da investigação tende a ser considerada mais genérica, visto que enumera as escolhas sem refletir que as diferenças existentes entre e durante cada idade caracterizam-se como responsáveis pela escolha das crianças. Ao mesmo tempo os resultados obtidos nesse leque poderão ser tratados como padrões masculinos e femininos de escolha, que da mesma forma geram dados relevantes ao final da observação.

Ao elencar os padrões mais selecionados pelas crianças durante o experimento, embora existam alguns exemplos que foram apontados como ideais por elas, aqui foram destacados os que mais estiveram presentes nas cinco escolhas de cada pergunta. O modo que essas seleções mantiveram um padrão uniforme em todas elas, caracterizou-se nessa investigação que tais opções podem de forma segura representar os alunos de cada gênero. Como as ilustrações de cada questão se apresentavam fixas e o que variava em cada linha era a textura, nesse momento esse elemento tem maior relevância na observação quantitativa e a estampa tem maior reflexo na observação qualitativa, pois nesse momento a voz da criança apareceu com mais vigor. Dessa forma, construíui-se uma tabela para melhor visualização dos padrões propostos pelos sujeitos (Tabela 12).

Tabela 122. Resultado encontro 3 das opções de meninas e meninos de todas as idades.

Gênero Tipo de uso Padrão de textura

Menina Uso próprio TA – Textura menina

Menina Uso oposto TO – Textura menino

189

Menino Uso próprio TO – Textura menino

Menino Uso oposto TA – Textura menina

Menino Uso comum Mistas e masculinas

A partir da tabela acima, foi possível observar que as escolhas de meninos e meninos se encaixam de forma clara com suas preferências de gênero. Embora exista alguma oscilação em uma ou outra questão, como visto anteriormente nos tópicos referentes à descrição das análises, as crianças em sua maioria definem suas escolhas mediante os padrões estabelecidos como femininos ou masculinos. Mais uma vez isso reflete o pensamento de Bee (2003), Rodrigues (2003) e Shaffer (2005), ao afirmarem que a presença das características de gênero aparece na infância e apontarem para que o contexto e as relações estabelecidas entre as crianças terão relevância na forma como elas se portarão no grupo. A própria formação da compreensão de gênero das crianças como supracitado, estabelecido por meio do reforçamento direto e modelação (Bee, 2003), pode ser responsável por características tão divididas e bem estabelecidas entre meninas e meninos.

Como exemplo dessas ponderações acerca das preferências de gênero faz-se possível pinçar alguns relatos relevantes de alunos das creches visitadas. A menina R., de três anos, ao optar pelo padrão de princesa + flores pouco falou sobre suas escolhas, mas quando questionada sobre o porquê das preferências apontou para os dois elementos anteriormente citados para justificar seu gosto. O amigo J., de quatro anos, veio auxiliar a companheira de sala e apontar que “porquê ela era menina, só gostava dessas coisas assim... de florzinha e coração” – relatou fazendo careta. Ao mesmo tempo pontuou que ele, “hômi” (homem), gostava era de robô e de carro que era brinquedo de “hômi” mesmo. Esse diálogo retrata a força que o estereótipo de gênero tem e como muitas vezes está arraigado na formação da criança ainda tão pequena.

Embora as duas identidades – masculina e feminina - estejam imbricadas devido à convivência e tratamentos igualitários propostos até então, ao conviverem socialmente, os indivíduos por meio da identificação social e cultural por serem meninas e meninos, passam a construir suas identidades de gênero, como proposto por Rodrigues(2005) e externalizam preferências e quereres de forma automática.

Uma característica interessante se deu na escolha de uso oposto das camisas. A compreensão de uso oposto dos alunos dos dois gêneros também era imediata e eles conseguiram representar seus colegas “opostos” de forma instantânea, por caracterizá-los exatamente pelo que eles próprios não usariam. Nesse momento os sujeitos expressavam-se como se quisessem exemplificar a “tipificação de gênero”,

190 proposta por Shaffer (2005, p.465), “por meio da expressividade feminina [...] e das características

individualistas [...] para os meninos”. As crianças, dessa forma, realizavam suas escolhas para uso oposto pelas ‘leituras’ que elas faziam do significado – e uso de elementos – do ato de ser menino e ser menina.

Na escolha para uso comum, embora tenham compreendido a dinâmica da brincadeira, as crianças realizaram suas escolhas ora caracterizando o uso para si próprios unicamente, ora para contemplar o uso oposto, apenas, talvez como forma de ‘fazer justiça e propor consumo por todos’. Durante essa interpretação de uso comum, metade das escolhas para meninos e metade para meninas, pode ser exemplificada pela fala de Kudo et al (1994), no momento em que os autores propõem que a parceria entre os pares ainda não acontece de forma efetiva – ainda presente a fase de individualização – e que os sujeitos necessariamente não compartilham objetos e brinquedos. Segundo os autores, por mais que compartilhem o mesmo brinquedo, essa ação não acontece de modo concomitante, mas respeitando a individualização das crianças. No caso da presente investigação, a escolha comum das ilustrações se deu de forma individual e oposta com o mesmo percentual de uso. Tal fato pode ser interpretado pelos autores supracitados como se as crianças ainda não tivessem maturidade suficiente para propor uma opção mista da mesma combinação de textura + personagem e ao agir ainda por meio da individualização na seleção, compreenderam que seria a melhor forma de atender ao seu padrão e ao do colega.

Como possível observar, essa forma de interpretação por gênero parece simplista e óbvia, entretanto respeita as regras da compreensão e formação da identidade de gênero segundo autores vistos ao longo do texto. Parece ser um caminho seguro de atender às preferências de meninas e meninos, ao respeitar além das suas preferências, a forma como essa construção se realiza.