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A partir da realização da entrevista clínica, foi possível efetivar uma análise do conteúdo coletado, tendo em vista os eixos propostos a seguir.

5.3.1 Modo de relações de objeto

De acordo com o relato de Juliano, há diversos conflitos em suas relações interpessoais, o que lhe provoca certo descontrole, reagindo com impulsividade e agressividade, embora, no que diz respeito à relação com sua mãe, essa seja diferenciada, ou seja, o sujeito admite não ser agressivo e impulsivo, tendo certo controle: “[...] Mãe, com eles eu não posso, né. Às vezes acontece, mas me

arrependo, véi (sic), porque mãe, família, não posso [...]”.

Referente ao relacionamento materno, embora não seja livre de conflitos, o participante demonstrou certa afetividade, ao comentar sobre algumas dificuldades ligadas ao seu nascimento, “[...] acho que minha mãe que falou isso

aí pra mim [...]”, sobre sua convivência com a mesma, “[...] Boa assim, com minha mãe, com minha vó [...]”, e sobre o período que ficou afastado dela por ter ido

morar com o pai, “[...] maior tristeza é quando eu tava (sic) longe da minha mãe

[...] o tempo que eu tava (sic) com meu pai, tinha saudade da minha mãe [...]”.

No que diz respeito às relações familiares, Juliano disse que nem sempre morou com sua mãe, conforme exposto anteriormente, sendo que também morou durante um tempo com sua avó materna, um de seus tios e uma tia, a qual tem deficiência mental, segundo o seu relato. Em outro período, já morou com seu pai, a madrasta e dois irmãos paternos. Tais relações sempre foram conflituosas, exceto com sua avó materna e sua tia.

Especificamente, no que diz respeito ao relacionamento com seu pai, sua madrasta e seus irmãos paternos, Juliano expôs que apresentou dificuldades, “[...]

Tava (sic) com muito problema de me relacionar [...] a gente não convivia, eles não me conhecia (sic), aí eu aprontava pra caramba [...]”, denotando desrespeito

às normas e regras. Atualmente, comentou que raramente vê o pai, demonstrando ter uma relação superficial: “[...] vejo ele (sic) de vez em quando,

assim, por sorte do destino [...] eu nem vou lá e ele não vem aqui [...]”, tendo em

vista que está morando com sua mãe, seu padrasto e seus irmãos maternos. Nessa perspectiva, a relação com o padrasto também apresentou conflitos, “[...] antes não tinha relação boa com ele [...] Não gostava dele [...] Mas, hoje, é

tranquila [...]”, demonstrando ambivalência. Em contrapartida, colocou que a

relação com os irmãos maternos é satisfatória do seu ponto de vista, “[...] Eu vejo

É perceptível que Juliano procura manter uma forma superficial de se relacionar com os parentes, por exemplo, embora conviva com sua tia deficiente mental, tendo em vista que a mesma está morando no mesmo lote em que vive, ele desconhece qual é o problema que essa tia possui: “[...] Eu sabia o nome da

doença dela, mas é que eu não lembro [...] Deve ter uns trinta e poucos anos, mas a mente é de criança [...]”.

Frente a outros familiares, o examinando também já experienciou dificuldades de relacionamento, “[...] Meus tios. Bebem pra caramba [...] eles

queriam ser agressivos comigo [...]”, chegando a ser ameaçado de agressão

física pelos mesmos, “[...] Já tentaram [...] minha vó nunca deixou, não [...]”, e reforçando que não há boa convivência, “[...] com meu tio, não é boa [...] Hoje em

dia, não é mais boa, não [...]”.

Nos relacionamentos amorosos, a superficialidade da afetividade de Juliano parece se repetir. Ao ser questionado se já esteve profundamente apaixonado, o participante respondeu que não. O mesmo também relatou que apenas se envolveu com duas moças por período mais longo, embora o primeiro relacionamento tenha durado um mês e o segundo somente três semanas. Em ambos os relacionamentos, existiram discussões e com o término, Juliano disse não ter sofrido, “[...] Sofrer, não. Foi coisa momentânea [...] Sofrer é quando o

cara fica dias e dias mal [...]” em relação ao primeiro namoro, e “[...] Ah, sofri nada [...]” em relação ao segundo relacionamento, parecendo demonstrar uma tentativa

de se proteger frente à mobilização afetiva.

No que diz respeito às relações interpessoais fora do seio familiar, por exemplo, no contexto escolar, o examinando relatou que sempre se deparou com conflitos referentes a professores e colegas, passando por algumas transferências, suspensões e reprovações.

Quanto ao relacionamento com os professores, Juliano expôs que, em alguns momentos, apresentava problemática apenas com um professor e não com todos, “[...] só o professor de Matemática que não gostava de mim [...] Mas

os professores sempre falou (sic) que eu era um aluno ótimo [...]”, ao relatar que

se sentia afrontado com a postura desse professor, por exemplo, “[...] não foi com

minha cara, não. Eu acho. [...] porque todo professor era de boa comigo, só ele que não [...]”, e o desafiava por se sentir ameaçado, “[...] ele não sabia falar

comigo [...] já falava arrogante [...] Também não me seguro, falo arrogante também [...]”.

Em outra situação, de transferência escolar, mais uma vez demonstrou conflito com apenas uma pessoa, nesse caso, o diretor da escola, comentando o motivo de tal ocorrência: “[...] Ah, uns negócios que eu fiz lá, que não podia. Aí, o

diretor não ia muito com minha cara [...]”. Aparentemente, uma suposição seria a

de que Juliano, de certa maneira, se sente perseguido, minimizando suas responsabilidades frente às adversidades.

Quanto ao contato social com colegas, atualmente, demonstra certo isolamento, “[...] no colégio que eu tô (sic) agora, nem tô (sic) me enturmando

[...]”. Ao longo de sua vida, o participante comentou que teve apenas uma pessoa

que considerava como amigo, tendo em vista que o mesmo faleceu. A relação de Juliano com esse amigo, pouco antes do falecimento, tinha sido rompida por causa de desentendimento entre os dois, “[...] quando ele morreu, eu não tava

(sic) falando com ele. Fiquei de boa [...]”, demonstrando mais uma vez certa

superficialidade no relacionamento com os outros.

5.3.2 Dinâmica psíquica

Diante dos relatos dados por Juliano na entrevista clínica, é notável que sempre existiram conflitos e tensões relacionados a figuras de autoridade, o que remete a perturbações na constituição e introjeção do superego, isto é, no reconhecimento de normas e regras.

O desrespeito ao sistema de valores é confirmado quando comentou que era infrequente às aulas, “[...] eu ia quando tivesse afim [...]”, por vezes fingindo que ia à escola, “[...] eu ficava lá na frente, dava o tempo de eu chegar em casa e

ia embora [...]”. Também demonstrou desrespeito às figuras de autoridade, por

exemplo, em relação aos professores, “[...] ficar lá escutando os professores, ficar

falando merda lá [...] não tenho paciência, não [...]”. Além disso, era indisciplinado,

“[...] ficava conversando, não prestava atenção [...] não deixava os professor (sic)

explicar a matéria [...]”.

Outros eventos também confirmam o mau comportamento de Juliano quando o mesmo relata que já foi suspenso da escola, por exemplo, “[...] Acho

cigarro [...] outra pela briga [...] essa agora [...] falaram que eu coloquei o negócio no lanche do professor [...]”. Nesse caso, aparentemente, o participante não quer

reconhecer sua responsabilidade ao afirmar que outras pessoas lhe acusaram de ter cometido o ato em questão e não verbalizando o que foi colocado na refeição do professor, podendo indicar tentativa de afastamento da realidade.

No contexto familiar, o desrespeito a normas e regras e uma certa fragilidade do sistema de valores são percebidos a partir dos seguintes comentários expostos pelo examinando em relação a sua mãe e seu padrasto: “[...] antes, ela falava, mas eu não obedecia [...] eu mesmo faço horário [...] Por

ele, tudo bem [...]”. Até por volta dos treze anos de idade, Juliano expôs que era

punido por sua mãe, tendo em vista a sua indisciplina, “[...] desobediência, essas

coisa (sic) [...] Era muito levado [...] Aí, sempre acabava em uma surrinha [...]”,

demonstrando certa falha no controle de seus impulsos.

A agressividade e a impulsividade do participante demonstram a atuação das pulsões do id, tendo em vista as diversas brigas com as quais se envolve, “[...] de vez em quando eu brigo [...] de vez em quando eu sou estourado [...]

Ficou nervoso, ah, fico indignado [...] não tem como segurar a raiva, uma coisa que vem de dentro [...]”, denotando debilitamento no controle das emoções. Em

contrapartida, Juliano disse que não busca o envolvimento em situações dessa natureza, “[...] eu ficar, assim, procurando... não procuro, não [...]”, afirmando que na maioria das vezes são as outras pessoas que lhe provocam, “[...] É, provoca e

acaba acontecendo. Um cara nervoso [...]”, indicando, provavelmente, um

sentimento de ser perseguido, o que minimizaria a sua responsabilidade pelos seus próprios atos.

Além disso, comentou que, às vezes, tenta controlar seus impulsos e emoções, o que demonstra certa “força” do ego em atividade, embora não os domine completamente, como se torna perceptível através dos seguintes relatos: “[...] Eu saio de perto das pessoas, dou uma volta, vez em quando eu fumo um,

aí, eu fico tranquilo [...]” e “[...] Eu controlo, se eu quiser deixá-la só pra mim. Se não quiser, eu solto ela (sic) [...] Só que eu não seguro [...] minha raiva [...]”. Ao

ser questionado se sente vontade de fazer novamente as coisas que já cometeu, Juliano expôs: “[...] eu sinto, né, velho [...]”, o que ressalta a tendência a agir.

Juliano também demonstra certa dificuldade de adaptação, já que foi transferido, suspenso e/ou reprovado diversas vezes no que diz respeito ao

histórico educacional. Em relação ao histórico familiar, mudou de residência algumas vezes, chegando a morar com o pai, com a mãe e com sua avó em diferentes ocasiões, por exemplo, “[...] eu falava: – Ah, mermão (sic), não tô (sic)

me sentindo bem aqui, vou morar com minha mãe. [...]” referente ao período em

que estava morando com seu pai. Tais situações demonstram uma tentativa de fuga do participante ao se sentir pressionado diante dos conflitos advindos também do relacionamento interpessoal.

Torna-se perceptível o fato de que Juliano busca certo equilíbrio através do uso de substâncias psicoativas, como maneira adaptativa do ego frente às ameaças experienciadas, tendo em vista os seguintes comentários sobre o porquê desse uso: “[...] Pra relaxar, pra se divertir [...] pra ficar de boa, tranquilo.

Sem stress com ninguém [...] pra controlar o nervosismo [...]”.

Dessa forma, a problemática da lei está inserida na vida do participante também através do uso, porte e tráfico de substâncias psicoativas, por volta dos quinze anos de idade, sendo um dos motivos que o levou a ser detido, “[...] eu fui

preso [...] só isso que prejudicou mesmo [...]” e “[...] comecei a vender uma droguinha [...]”, assumindo que parou o tráfico somente por ter sido pego, “[...] Ah, fui preso agora, né, véi (sic) [...]”.

Outro crime cometido por Juliano demonstra o conflito com a lei, tendo em vista que foi roubo à mão armada em um ônibus, com atuação em grupo, de acordo com seu relato a respeito de como aconteceu, “[...] nós pegou (sic) o

revólver, aí pegamos o ônibus daqui pra rodoviária [...]”, e o que foi roubado, “[...] O dinheiro do ônibus [...]”. Também demonstra sua ambição, “[...] tava (sic) vendo todo mundo com dinheiro, aí, eu não tinha [...] os cara (sic) falou que ia coisar (sic), aí, eu: – Então, eu vou também. [...]”, e a superficialidade com que atua em

seus relacionamentos interpessoais, tanto com as vítimas, “[...] Não cheguei nem

a pensar na vítima [...]”, quanto com os pares, “[...] Eu nunca tinha visto aquele bicho, véi (sic) Acho que foi por isso que eu roubei [...]”, denotando também, mais

uma vez, uma maneira de minimizar sua responsabilidade pelos seus atos.

A autoestima de Juliano se apresentou elevada, como é perceptível em seus comentários, ao ter sido proposta uma autoavaliação numérica de 0 a 10: “[...] Porra, bota aqui uns 10. Tava (sic) pouco, mas tá (sic) de bom tamanho [...]”.

5.3.3 Incidência de narcisismo

Em relação aos aspectos típicos de narcisismo na personalidade do examinando, alguns comentários podem ser indicativos, por exemplo, “[...] Sofrer

por mulher? Sou novo, bonito [...]” ao relatar a respeito do término do primeiro

namoro, além de denotar certa superficialidade, e “[...] não queria ficar só comigo

[...] não se sentia satisfeita só com um [...] Você acha que eu vou ficar triste por uma mulher assim? Eu não [...] bom que agora eu também vou ser assim [...]” ao

expor a respeito do término do segundo namoro, indicando também autoestima elevada, mesmo em situações que denotam frustração.

Nessa perspectiva, há indícios narcísicos em Juliano, também tendo em vista o fato de se relacionar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, “[...] Eu

ficava com a menina e judia ela (sic) e ficava com a outra [...] ficava bem comigo mesmo, me achava o bom e fazia [...]”, demonstrando sentimento de onipotência,

o qual foi verificado em outros momentos da entrevista, por exemplo, “[...] tipo que

eu não abaixava a cabeça [...]” ao relatar o que acha que as pessoas pensam

sobre ele, e “[...] um cara de boa, bonito, essas coisa (sic) [...] Bonito, um cara

tranquilo [...] Bonito de novo, essas coisa (sic) [...]” ao comentar sobre o que

pensa de si mesmo, indicando uma tentativa de autovalorização e preservação de sua autoimagem.

A onipotência ainda é verificada em outros relatos, por exemplo, “[...] eu

tinha dinheiro no bolso, tinha mulheres [...]” ao dizer que considera o tempo no

qual traficava substâncias psicoativas um período muito bom em sua vida, e “[...]

meteram a mão no meu bolso [...] pegaram o dinheiro [...] meteram a mão dentro das minhas calça (sic) [...] tiraram o negócio [...] eu fui e assumi. Eu falei: – Não, isso aí, eu vendo na rua [...]” ao relatar o momento no qual foi pego e detido por

tráfico de substâncias psicoativas.

5.4 SÍNTESE DO FUNCIONAMENTO DA PERSONALIDADE DE JULIANO

De acordo com a aplicação e análise do Método de Rorschach e da entrevista clínica, algumas considerações podem ser efetivadas, tendo em vista os aspectos psicodinâmicos da personalidade do examinando.

É possível que Juliano tenha apresentado inibição, frente à rapidez excessiva com que realizou a entrevista clínica e o Rorschach, inclusive demonstrando um tempo médio de reação abaixo do esperado, o que denota resistência à tarefa, dificuldade de adaptação e transtorno de ordem afetiva relativo à dificuldade de construção simbólica e à parcialização de objeto.

A inibição demonstra ser o mecanismo de defesa típico, aproximando a personalidade do examinando aos aspectos dos funcionamentos limites e narcísicos, com o objetivo de lutar contra a implicação projetiva, a qual é sentida como perigosa.

Tal bloqueio emocional pode ser intensificado pelas vicissitudes da própria adolescência, estando o sujeito em uma situação onde se sente constrito, se apresenta inflexível e com repressão de sua afetividade, o que demonstra a fragilidade do ego.

Dessa maneira, há certo prejuízo em relação ao pensamento grupal, isto é, de adaptação e participação no pensamento coletivo, denotando tendência ao oposicionismo, com ansiedade e inibição referentes ao relacionamento interpessoal, também confirmadas pelos conflitos vivenciados nos contextos familiar e escolar, com labilidade afetiva e descontrole dos impulsos e emoções, voltando as tensões de seus conflitos psíquicos para o mundo externo, com imaturidade afetiva e irritabilidade.

Dentre os conflitos experienciados pelo participante, é perceptível problemática quanto à representação das figuras parentais, com dificuldades de identificação e teor sexuais, o que também influencia a maneira com a qual o sujeito se relaciona com as outras pessoas, apresentando capacidade de se envolver com o outro, mas de maneira superficial, prejudicando a profundidade e a maturidade das interações e o estabelecimento de vínculos.

Dessa forma, o agir parece ser um modo de defesa contra a angústia gerada pela agressividade que não pode ser elaborada, tendo em vista a tendência a reagir aos estímulos coloridos das pranchas anteriormente à possibilidade de colocar em prática o controle intelectual, ou seja, apesar de Juliano ter apresentado uma abordagem formal no Rorschach, demonstrou tendência à impulsividade, tentando afastar os afetos de sua economia psíquica (por exemplo, respostas CF).

Nessa perspectiva, o examinando, frente à pressão originada pelas adversidades de sua vida, parece lançar mão da proteção de sua consciência em relação a qualquer situação que lhe provoque mobilização de afetos e angústia, também por reiteradamente dizer que se sente alvo dos outros, por exemplo, de colegas e/ou de professores, caracterizando uma tentativa de minimizar a sua responsabilidade perante seus próprios atos, dessa maneira, procurando se colocar relativamente afastado da realidade.

Vale ressaltar outros aspectos do sujeito, no que diz respeito a sua psicodinâmica, isto é, a ambivalência com a qual se apresenta na relação com figuras de autoridade, por exemplo, se opor, no início, ao relacionamento de sua mãe com seu padrasto e, posteriormente, acabar se afeiçoando ao mesmo, além do descontrole da sua impulsividade, tendo em vista a prática dos crimes já citados.

A onipotência apresentada por Juliano durante a coleta dos dados se torna indício de características narcísicas em sua personalidade, além de ter demonstrado autoestima elevada, autovalorização e preservação de sua autoimagem, respostas de reflexo ou de duplo, denotando a negação do outro e a tentativa de evitar o contato com uma angústia de natureza depressiva.

Em suma, é possível supor que Juliano possui, para sua personalidade, indicadores dos estados limites, com constrição, rigidez e inibição, tendo em vista, por exemplo, o baixo número de respostas no Rorschach (R= 10); a pobreza de vida interior e a negação do projetivo, apontadas pelo rebaixamento de respostas de movimento (K= 1); o F% elevado (70%), indicando inflexibilidade; o A% aumentado (80%), denotando estereotipia do pensamento; o predomínio de CF e C sobre FC, devido à dificuldade em controlar as emoções; e o seu oposicionismo, também aparente quando se coloca frente às vicissitudes apresentadas em sua vida.

Alguns indicadores da conduta antissocial também podem ser supostos na personalidade de Juliano, tendo em vista: a diminuição de respostas K no Rorschach; as respostas CF; o número rebaixado de respostas Kan; a ausência de respostas de conteúdo de abstração e de anatomia, as quais menos ocorrem em protocolos de agressores; e a labilidade afetiva e superficialidade com que vivencia suas relações interpessoais, verificadas tanto no Rorschach quanto nas informações a respeito do seu histórico de vida.

Em relação ao uso de substâncias psicoativas, é possível que Juliano efetive tal comportamento como tentativa de adaptação e diminuição das tensões originadas a partir dos conflitos psíquicos e como forma defensiva do ego, buscando preencher um vazio impossível de ser experienciado, tendo em vista sua reduzida capacidade para deprimir.

5.5 DISCUSSÃO TEÓRICO-CLÍNICA DO CASO JULIANO

Frente ao objetivo do presente trabalho, ou seja, realizar estudo de caso de um adolescente em conflito com a lei, são discutidas as informações coletadas e analisadas a partir da aplicação do Método de Rorschach e da entrevista clínica em relação à revisão de literatura realizada.

Vale ressaltar que o participante, na época em que realizou a entrevista clínica e o Método de Rorschach, estava com dezessete anos de idade, isto é, vivenciando o processo da adolescência. Também já havia cometido alguns crimes e estava cumprindo medidas socioeducativas, apresentando pertinência no que diz respeito aos propósitos do presente trabalho.

Tendo em vista que a personalidade pode demonstrar nuances ao longo do desenvolvimento do sujeito, embora Bergeret (1988) aponte que algumas características permanecem imutáveis na configuração psíquica do mesmo, é importante destacar que as informações coletadas e discutidas para a presente pesquisa se referem a um determinado momento da vida do participante.

Dessa maneira, tais informações devem ser revistas quando forem realizadas novas pesquisas e/ou avaliações da personalidade de adolescentes que apresentam proximidade quanto à problemática do sujeito selecionado, ratificando a evolução do conhecimento científico, o qual caracteriza uma busca constante, também por não ser estanque, sendo passível de mudanças.

Diante da investigação da personalidade de Juliano, é perceptível que houve certa perturbação relacionada à constituição e identificação com as figuras parentais, o que parece lhe provocar, atualmente, tensões de natureza psíquica, tendo em vista as tentativas de solução, conscientes e inconscientes, que o sujeito vem efetivando ao longo de sua vida, ou seja, o uso de substâncias psicoativas, o tráfico das mesmas e o roubo à mão armada como forma defensiva

e desesperada frente a sua fragilidade egoica, caracterizando maneiras de passar ao ato pela via da violência.

Podemos pensar que a passagem ao ato pela via da violência, além de ser uma forma pela qual o sujeito busca minimizar a pressão exercida pelos conflitos psíquicos, é possível que também demonstre ser um caminho construído, tanto pelo próprio sujeito quanto pelo meio ambiente, como uma maneira de adaptação, muitas vezes inadequada, a um mundo bem mais amplo do que o seio familiar, ou seja, ao meio social.

Paralelamente aos comentários de Winnicott (1987/2005), ao colocar que o bebê humano se vê em uma situação onde deve enfrentar as vicissitudes do mundo externo, distinto do útero materno, incrementadas por fatores emocionais, o adolescente se vê defrontando as adversidades interpostas durante o seu desenvolvimento para que se torne um ser adulto. No entanto, muitos adolescentes não conseguem lidar de maneira satisfatória com tal transição, a qual implica mudanças inerentemente, recorrendo à agressividade e à violência, além da possibilidade de busca por suporte parental, não sendo, necessariamente, a figura materna, como é o caso do bebê humano nos primeiros dias de vida.

De acordo com Winnicott (1987/2005), qualquer criança sadia demonstra, naturalmente, comportamentos agressivos, por exemplo, morder, gritar e cuspir, mas sem possuírem significado claramente destrutivo, sendo, por vezes, necessários. Dessa forma, a criança deve ser capaz de integrar em seu psiquismo a contradição que o amar e o odiar trazem, tendo em vista que, por exemplo, o morder pode se conjugar em um misto de amor e agressão ao seio da mãe, demonstrando uma ambivalência de sentimentos.

Nessa perspectiva, o adolescente também pode vivenciar sentimentos de natureza ambivalente, exigindo certo domínio das ideias e excitações de caráter agressivo, pois no período da adolescência é esperado que o sujeito já tenha a efetivação do respeito a normas e regras delimitadas pelo sistema social, onde o comportamento agressivo e violento pode denotar aspectos claramente destrutivos e estar sinalizando uma busca pela reparação.

Dessa maneira, o suporte parental é essencial, tanto para o bebê humano quanto para o adolescente, no decurso de seu desenvolvimento, significando e ressignificando as relações inter-humanas, como coloca Dolto (1984),

predispondo ou não o sujeito para a estruturação e introjeção das instâncias psíquicas, especialmente do superego, o qual confere o reconhecimento de normas e regras no meio social, o que parece, de certa maneira, não ter ocorrido de forma satisfatória na vida de Juliano.

Como aponta Bergeret (2006), é provável que Juliano apresente uma organização econômica próxima dos estados limites, onde haveria uma espécie de doença do narcisismo, ou seja, o perigo de fragmentação foi ultrapassado,

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