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O MÉTODO DE RORSCHACH NA AVALIAÇÃO DA PERSONALIDADE

O Método de Rorschach é uma técnica desenvolvida por Rorschach (1974), a qual avalia não somente a imaginação, mas o funcionamento da personalidade como um todo. O sujeito em avaliação deve falar livremente o que lhe vem ao pensamento sobre o que consegue ver em dez pranchas, as quais apresentam imagens abstratas em preto, em preto e vermelho ou em cores (ANZIEU, 1981). Esse instrumento é um método projetivo que apreende aspectos estruturais da personalidade, averiguando a maneira do sujeito ver e representar o mundo, sendo patológica ou não. Demonstra fundamental importância no psicodiagnóstico da personalidade, não apenas para a sua delimitação, mas também para a apreensão do funcionamento subjetivo do sujeito, tendo em vista os diferentes estágios de desenvolvimento e estruturação da personalidade.

A aplicação do Método de Rorschach não se restringe a instruções imutáveis, pois variam de acordo com a idade, características psicopatológicas e o grau de instrução do examinando. O examinador deve anotar todas as respostas emitidas pelo sujeito, bem como seu comportamento, os comentários durante a situação de testagem, o tempo utilizado para cada prancha e o tempo de latência, o qual se refere ao momento decorrido entre a apresentação da prancha e a primeira resposta emitida pelo mesmo. Dessa maneira, o quadro geral dos tempos possibilita, posteriormente, saber em quais pranchas o sujeito sensivelmente se afastou de sua média habitual e, por conseguinte, quais os pontos que lhe mobilizaram.

Alguns autores (ANZIEU, 1981; TRAUBENBERG, 1998) colocam indicadores para a população adulta. Especificamente, Vaz (1986) aponta

indicadores para a população brasileira adulta e Adrados (1975) propõe índices para a população adolescente.

De maneira geral, o examinando, ao ser aplicado o Método de Rorschach, não precisa cumprir um tempo determinado e nem dar um número fixo de respostas. Entretanto, há uma média de respostas para cada faixa de idade, o que deve ser analisado posteriormente, juntamente com o protocolo para identificar possíveis sinais, patológicos ou não. Nessa perspectiva, o tempo total (T) não significa nada se for analisado isoladamente.

As respostas do examinando são classificadas em relação a sua localização nas pranchas, os seus determinantes e os seus conteúdos. Além disso, verifica-se se as respostas são banais ou vulgares (ANZIEU, 1981), ou seja, averigua-se a adaptação social rudimentar do sujeito, se o mesmo vê o que todos veem, indicando conformismo social e de participação no pensamento coletivo.

Em suma, para a análise do protocolo de respostas, algumas questões norteiam o examinador, dentre elas, podemos exemplificar: o número de respostas; a duração do tempo de reação em cada prancha; se ocorreram recusas e em quais pranchas; se a resposta foi determinada pela forma das imagens fortuitas ou se por uma sensação de movimento; se a cor determinou a resposta; como a imagem foi interpretada, se como um todo ou em partes, e em quais partes; e o que foi visto pelo sujeito.

Em relação à localização, Anzieu (1981) comenta que as respostas podem ser globais (G), de grande detalhe (D), de pequeno detalhe (Dd), de detalhe em branco (Dbl) e de detalhe oligofrênico (Do). As respostas G se referem à totalidade da prancha, indicando o modo de apreensão da realidade e a relação do sujeito com o mundo. As respostas D indicam o gosto pelo concreto, o sentido de realidade e a inteligência prática. As respostas Dd mostram um significado seja intelectual, seja afetivo, tendo a meticulosidade como característica básica. As respostas Dbl puras indicam um espírito metódico e inteligente, quando aparecem ao final da interpretação de uma prancha. De forma geral, as Dbl significam tendência ao oposicionismo ou grau de negativismo e ansiedade situacional, sendo fundamental associá-las ao tipo de vivência (TV). As respostas Do são um tipo particular de Dd, exigindo duas condições para sua classificação: uma relativa

ao corte e outra relativa ao conteúdo. Segundo o autor, o Do pode ser sinal de inibição afetiva e não é encontrado em protocolos normais.

Os resultados relacionados à localização das respostas originam uma fórmula, que Rorschach denominou tipo de apreensão (TA), onde há a representação de cada espécie de localização, seguindo a ordem lógica, ou seja, G D Dd Dbl, indicando os desvios significativos para mais ou para menos da média esperada (ANZIEU, 1981).

Quanto aos determinantes, Anzieu (1981) expõe que as respostas podem ser formais (F), de grande cinestesia (K), de pequena cinestesia (k), de cor (FC, CF e C), de esfumaçado (FE, EF e E) e de claro-escuro (FClob, ClobF e Clob).

As respostas F, de acordo com Anzieu (1981), indicam a capacidade do sujeito para se orientar na vida, para se adaptar à realidade exterior. São interpretadas como o controle geral que o sujeito tem sobre os dinamismos psíquicos, como os instintos, reações afetivoemocionais e impulsos. Podem ser subdivididas em respostas de forma bem vista (F+), de forma mal vista (F-), de forma imprecisa (F+) e de forma a qual é impossível determinar (F?).

As respostas K e k são consideradas respostas de movimento e indicam maturidade, controle interno de razão e emoção, inteligência criativa, fantasia interna criadora e sabedoria ligada à maturidade. Também são representativas de vivências e experiências do sujeito (VAZ, 1986), sendo a expressão do ego, com respeito ao poder de adaptação ao meio externo, representando a função controladora das funções instintivas. Segundo Anzieu (1981), as respostas cinestésicas também podem ser parciais (Kp), de animal (Kan) e de objeto (Kob).

Para Anzieu (1981), as respostas FC, CF e C são assim classificadas desde Rorschach, em função do caráter predominante, secundário ou ausência da forma, na elaboração de uma resposta a partir das manchas. As cores cromáticas são as emoções vivas e ativas. Indicam a impulsividade e agressividade contidas nessas emoções, sendo as cores estímulos do mundo externo capazes de mobilizar o mundo interno do sujeito, provocando-lhe reações afetivoemocionais, em se tratando de pessoas que estejam em condições de atender às solicitações do mundo externo. Especificamente, a resposta C (pura) é representativa de impulsividade, com expressão da emoção sem controle, conduta hostil, intensa irritabilidade e instabilidade, explosividade dos afetos, representando baixo nível de tolerância à frustração. As respostas CF denotam as

mesmas características das C, embora atenuadas, ou seja, a forma ameniza o descontrole das emoções, havendo um controle parcial, sendo representativas de afetividade lábil. Já as respostas FC indicam maturidade afetiva, onde o sujeito possui a capacidade de perceber o que o outro sente, implicando numa capacidade de adaptação ao ambiente, expressando equilíbrio psíquico, embora, a ausência desse tipo de resposta não seja indicativo de desequilíbrio.

As respostas FE, EF e E são, segundo Anzieu (1981), respostas cromáticas atenuadas, sendo sinais de afetividade tímida e de busca ansiosa de adaptação. As respostas de esfumaçado formuladas com prazer expressam afetividade fina, discreta, sempre pronta a se adaptar aos outros ou adaptação em processo. As disfóricas denotam falta de confiança, tristeza, visão de mundo pessimista, tendência à angústia e adaptação exigindo esforço.

As respostas de claro-escuro, comenta Anzieu (1981), são um tipo particular de esfumaçado, não sendo incluídas no somatório das respostas FE, EF e E. Demonstram um critério de angústia patológica, pertinente à neurose, mostrando a necessidade de indicação de uma psicoterapia.

Quanto aos conteúdos, Anzieu (1981) aponta que as respostas podem ser humanas, animais e de outros conteúdos, podendo também ser as mesmas classificadas como vulgares ou banais, conforme exposto anteriormente.

As respostas de conteúdo humano podem ser subdivididas, segundo Anzieu (1981), em três tipos: H, todo ser humano visto inteiro; Hd, uma parte externa do corpo humano, por exemplo, cabeça, perna, entre outras; e (H), todo ser para-humano, por exemplo, fantasma, anjo, caricaturas, entre outros. Tais respostas significam a capacidade de relacionamento com as pessoas. Especificamente, Hd em excesso indica incapacidade de ver o ser humano íntegro, tendências hipocondríacas, impulso agressivo contra o outro, também denotando atitudes infantis e lúdicas e imaturidade afetiva. As respostas H são as mais reveladoras dos aspectos individuais da percepção de si mesmo.

As respostas de conteúdo animal, em concordância com Anzieu (1981), podem ser subdivididas em: A, animal inteiro ou pele de animal; Ad, parte externa de animal; e (A), por exemplo, monstro, desenho animado, animal mitológico, caricatura de animal, entre outros. São, geralmente, as respostas mais numerosas e revelam a estereotipia do pensamento, isto é, a utilização indispensável de mecanismos automatizados de pensamento, se desenvolvendo

sem intervenção da reflexão. Caso esses mecanismos tendem a ser excluídos, há o empobrecimento do pensamento.

As respostas de outros conteúdos, segundo Anzieu (1981), possuem siglas diversas e podem indicar boa inteligência, tendo em vista a sua variedade.

O TV é um índice do modo de sentir do sujeito e não necessariamente seu modo de comportar. É a comparação da proporção entre K e C (K:C), considerando somente as respostas K, excluindo as Kan e Kob, sendo o somatório das respostas de cor dado pela fórmula C(1,5)+CF(1)+FC(0,5). A partir dessa comparação, observa-se em qual intervalo de classificação o sujeito se enquadra (introversivo, extratensivo, ambigual, coartado ou coartativo). Para confirmar o TV, utiliza-se a fórmula de relação das cores das três últimas pranchas (VIII+IX+X%), sendo o desacordo entre essa porcentagem e o TV indicador da gravidade do conflito psíquico enfrentado pelo sujeito.

Diante do exposto, torna-se possível efetivar a análise do Método de Rorschach segundo eixos clássicos de interpretação propostos por autores como Adrados (1975, 1982), Anzieu (1981), Traubenberg (1998) e Vaz (1986). Tais eixos são os seguintes: condições intelectuais, isto é, a partir do número de respostas, G%, D%, F%, F+%, e K; capacidade de adaptação, relacionamento humano e realidade, ou seja, a partir das respostas banais, nível de aspiração (G:K), A%, H%, TV (K:C); controle afetivo (FC:CF+C); e controle impulsivo (K:Kan+Kob).

Também por meio desses indicadores, após a aplicação do Método de Rorschach, pode-se realizar uma interpretação psicodinâmica através da análise prancha a prancha, para, dessa maneira, se proceder uma síntese e o psicodiagnóstico de Rorschach.

Em relação ao significado psicológico das pranchas, Anzieu (1981) comenta que cada uma representa a forma como o sujeito se mostra frente a um modo de relacionamento, de ser no mundo, de sentir e reagir às tensões e conflitos ao longo do desenvolvimento. A primeira prancha remete à adaptação do sujeito a uma nova situação, ao relacionamento com o sexo feminino, à estruturação de objeto e das primeiras relações com a mãe. A segunda prancha está relacionada aos conflitos vivenciados durante a infância, à elaboração de objeto e como o sujeito reage à cor e às emoções. A terceira prancha se refere ao relacionamento com as figuras parentais e o humano em geral, dando indícios da

identificação sexual do sujeito. A quarta prancha representa o simbolismo paterno, a autoridade, a identificação, a introjeção e a constituição do superego. A quinta prancha remete ao recalcamento do Édipo, mostrando a adaptação do sujeito à realidade, a representação de si e do eu ideal. A sexta prancha representa a sexualidade por excelência, o relacionamento homem-mulher e a integração da sexualidade do sujeito. A sétima prancha representa a relação com a figura materna e mostra a feminilidade. A oitava prancha é representativa da adaptação afetiva, demonstrando a sociabilidade mais superficial e a relação com o mundo externo. A nona prancha remete ao relacionamento mais profundo com o outro. Por fim, a décima prancha revela as tensões atuais do sujeito, como o mesmo reage ao desligamento, além de ser representativa do simbolismo familiar. Alguns estudos (CHAGNON, 2000, 2008; ROMAN, 2004) foram realizados com sujeitos que passaram ao ato pela via da violência, fazendo a utilização de testes projetivos, como por exemplo, o Método de Rorschach.

Quanto ao Rorschach, Chabert (1993) aponta, especificamente, alguns indicadores de narcisismo para análise, por exemplo: o elevado número de F% e F+%; respostas “pele”, de reflexo ou de duplo; respostas FC’, CF’, C’; referência ao vermelho; excessivo uso de qualificativos negativos ou positivos; desvitalização do conteúdo humano; respostas de marionetes, estátuas; respostas de conteúdo mórbido; referências ao eixo mediano; e destacamento da simetria.

As defesas narcisistas tomam um lugar muito importante em sujeitos que passaram ao ato, segundo Chagnon (2000), mas elas também se mostram ineficazes ao exacerbar a angústia narcísica em maior parte referente a uma representação de si, estando os mesmos em constante perigo de desmoronamento. A partir das respostas, a verbalização no Rorschach é vista como um exemplo oscilante entre a desvalorização (por exemplo, “eu não tenho imaginação transbordante, um quebra-cabeça em desordem, não é meu ponto forte”) e também os compensadores prestativos (por exemplo, “isso não me dá medo, sou analítico, aprendi a não ter medo da escuridão, de me queimar, de me fazer mal, de apreender o mal”).

Chagnon (2000) ressalta que a essas defesas narcisistas se associam, então, as defesas projetivas, desqualificando o material e/ou o examinador, portador do “mal” externalizado, inaceitável para o sujeito.

Dentro desses casos, uma característica se encontra interativa: desde que um conflito intrapsíquico ou interpessoal se revela, ele é imediatamente interferido pelo desdobramento da inibição, melhora da repressão ou de retransmissão pelos mecanismos idealizantes narcísicos, com projeção externalizante, como explicita Chagnon (2000).

Em suma, a partir dos protocolos, Chagnon (2000) aponta a existência de patologias de interioridade, do ego (e, consequentemente, do superego) inapto a efetivar seu papel de mediador entre as instâncias e a realidade exterior. O vazio ou a precariedade da mentalização, designada, assim, como algumas características de representações (grossura, fluidez, permanência), configura tanto um déficit de interiorização quanto uma defesa radical, um contrainvestimento do vazio pelo vazio para evitar o pensamento e o sofrimento diante de um excesso de afetos de miséria. Segundo os modos de teorização, esse autor cogita a possibilidade de evacuação, de vazio, de descarregamento de afetos, de perda de representações ou ainda, de recusa e clivagem do self. Para ele, são verificadas, assim, as características econômicas descritas pelos psicanalistas nos últimos anos, a propósito dos estados limites: fraqueza do trabalho de elaboração e de simbolização diante do risco de transbordamento traumático; ameaça de desmoronamento depressivo; e perda do sentimento de identidade, do sentimento de continuidade e de valorização da experiência de si.

Diante da precariedade dos mecanismos de defesas mentais e de manutenção da atração pelo objeto primário, cujo luto não foi elaborado pelo fator de caráter desintegrado da ambivalência pulsional, da massiva angústia de perda de objeto, as passagens ao ato, segundo Chagnon (2000), particularmente as sexuais, se inscrevem como estratégias comportamentais antipsíquicas.

Entretanto, na evolução social atual (anulação do superego cultural diante das características idealizantes), a criança, mais do que o pai, se tornou para a mãe o lugar narcísico (no sentido literal do termo) destinado a satisfazer sua incompletude: esse fenômeno seria acentuado nos meios desfavoráveis pela dificuldade de achar soluções sociais e culturais para a insatisfação, como comenta Chagnon (2000). De fato, no plano metapsicológico, parece que nesses contextos familiares e educativos perturbados, a falha do quadro familiar é marcada por uma sobrecarga de excitações precoces, uma insuficiência de

investimento narcísico e objetal, estando comprometidas as capacidades do eu para elaborar a falta e suportar a exclusão da cena primitiva.

Enfim, segundo Chagnon (2000), isso configura a confrontação da dupla tarefa adolescente: a integração de uma nova identidade sexuada e a colocação em obra de um processo de separação individual, que revelará e desvendará o sujeito no seu mal narcísico e identitário. Para esse autor, trata-se de uma colocação em ato, infrarrepresentacional, para restaurar um narcisismo (fálico) degradado.

Em outro estudo, Chagnon (2008) ressalta que há tentativas de “solução defensiva” diante de angústias maiores referentes ao sentimento de identidade, elas mesmas consecutivas às carências fundamentais do ambiente ao longo da primeira infância. Em todos os casos, foram encontrados, em primeiro plano, transtornos graves do narcisismo, uma fragilidade do sentimento de integridade da identidade e uma ameaça de desorganização depressiva, ligados a angústias maiores de alteração e até mesmo de perda da representação de si. O recurso à sexualidade desviante não seria sistematicamente originário de uma aberração pulsional, muito menos de um excesso da pulsão sexual (na realidade, frequentemente pouco ativa), mas de uma tentativa de “solução defensiva” em relação ao déficit narcísico decorrente da ausência de imagos parentais suficientemente boas no interno psíquico.

Chagnon (2008) aponta, especificamente, que apenas a referência estrutural não seria suficiente para explicar a passagem ao ato. A dimensão conjuntural surge como essencial na distinção de casos onde a agressão sexual é ocasional, uma ação contingente ou um sintoma de uma possível patologia. Sendo assim, a agressão sexual se configura em uma forma de defesa fundamental contra a angústia.

Para Chagnon (2008), uma das principais características do protocolo de Rorschach está ligada a sua consistência de indicadores de um prejuízo primário na construção da identidade do sujeito, extremamente mal diferenciado de seu suporte materno e pouco integrado, de modo unitário. Nessas condições, a questão das identificações sexuais se coloca como secundária e se efetua principalmente de modo fálico-feminino, típico da identificação narcísica. As permanências identitária, espacial (diferenciação sujeito/objeto) e temporal (continuidade) se mostram extremamente precárias. Os mecanismos de defesa

tentam vedar e restaurar a fragilidade da identidade e, também, limitar a invasão mórbida.

Em primeiro lugar, Chagnon (2008) nota as defesas narcísicas clássicas (estilo rígido, respostas “pele”, desdobramento narcisista, idealização das representações do objeto e de si) que contêm as evidentes pulsões destrutivas e limitam a confusão identitária. Ora protegido por respostas realçando a representação de si em um registro narcisista-fálico, o sujeito pode, em seguida, apresentar algumas imagens veiculando a libido. Mesmo se tratando de respostas abstratas e desencarnadas, desvitalizadas, é preciso considerar esse movimento de expressão do amor desassociado da invasora destrutividade. Essa clivagem pulsional amor/ódio pré-ambivalente se mostra primária, oscilando e testemunhando a alternância entre imagens sádicas, apresentadas ironicamente, e imagens masoquistas, limitando as identificações viris e ativas. Então, o sadomasoquismo parece particularizar a psicossexualidade do sujeito, o que corrobora seu comportamento habitual: trata-se de uma organização defensiva contra a destrutividade, minimante associada à erotização e, assim, de objetalização comprometida.

A clivagem, identificada em três níveis (da pulsão, do ego e do objeto), particulariza, de acordo com Chagnon (2008), a organização defensiva e permite, assim, ao sujeito solucionar (bem ou mal) a angústia de destruição. Além disso, a inibição e o recurso ao factual, ao descritivo, se destacam e assinalam essa fixação à realidade externa, ao manifesto e às percepções externas, diante da impossibilidade de representar um mundo interno (representações pré- conscientes) com vacuidade. A dependência do mundo exterior, isto é, do ambiente, é um paliativo às faltas de interiorização e retentora das pulsões destrutivas.

Diante disso, Chagnon (2008) ressalta que corresponde mais à violência e destrutividade (parcialmente contida) do que à sexualidade e prazer transgressor. Os agressores sexuais não escolheriam deliberadamente serem agressores, mas recorreriam a esses recursos para se defenderem das angústias primárias maciças e para manterem um contato com um “objeto” carente da alteridade e portador de uma parte inexprimível de si.

Quanto a adolescentes que cometeram agressões sexuais, não qualificadas como violação, Roman (2004) aponta que esses sujeitos

apresentaram protocolos relativamente homogêneos, sendo que quatro grandes eixos puderam ser tidos como significativos:

Ψ Uma perturbação dos assentos narcísicos (que se traduz, em particular no Rorschach, por marcas perturbadoras na integridade), associada a uma dificuldade de elaboração do laço com o objeto (instabilidade das representações, primando de um modo perseguidor do laço com o objeto); Ψ A elaboração da posição depressiva perpassa uma dúvida identitária, que

se traduz por um bloqueio de elaboração secundária e de sua tradução em termos de representações suficientemente construídas;

Ψ Os empenhos identificatórios são marcados por um afastamento da diferenciação de sexos, conduzindo a uma banalização ou a inomináveis representações humanas (por exemplo, “pessoas”, “bons homens” no Rorschach);

Ψ A relação geracional ficou, às vezes, evitada, ou, então, tomada no anonimato, se podendo pensar que se trata de uma figura colocada à distância (talvez, anulada) dos fantasmas incestuosos e parricídios.

Dessa forma, diante das provas projetivas, o modo de relação de outros adolescentes, os quais cometeram violação, como coloca Roman (2004), se caracteriza por um não envolvimento subjetivo maior, apresentando um desmoronamento (por exemplo, “eu não vejo”, “eu não conheço”), indicando, no Rorschach, a não elaboração de um objeto suficientemente constante e consistente. É notável que há um movimento de reasseguramento identitário, que se traduz em particular pelo reconhecimento da banalidade na prancha III, mas não se ressalta o trabalho das potencialidades identificatórias que lhe são encarregadas.

Contudo, segundo Roman (2004), os protocolos são floridos, às vezes marcados por referências culturais, que vêm para suturar as fragilidades narcísicas muito presentes em segundo plano. De fato, o alcance dos assentos narcísicos se disponibiliza através das marcas de ataque à integridade (em particular, no Rorschach), e se encontra no trabalho, minimamente, do jogo em volta da simetria (esse jogo é limitado, por uma boa parte, em um tratamento da simetria em termos de redobramento).

Roman (2004) ainda comenta que os empenhos identificatórios são frágeis, em apoio sobre representações humanas pouco acessíveis (lugar dos pseudo-

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