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Adolescente em conflito com a lei : um estudo de caso clínico

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Academic year: 2017

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PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA – MESTRADO

DISSERTAÇÃO

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI:

UM ESTUDO DE CASO CLÍNICO

 

Brasília – DF

2011

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ELISSON MAIA MOREIRA DOS SANTOS

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: UM ESTUDO DE CASO CLÍNICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Profa. Dra. Sandra Francesca Conte de Almeida

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7,5cm

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

28/03/2011

S237a Santos, Elisson Maia Moreira dos

Adolescente em conflito com a lei: um estudo de caso clínico / Elisson Maia Moreira dos Santos – 2011.

99 f.: il.; 30 cm

Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2011.

Orientação: Sandra Francesca Conte de Almeida

1. Adolescente infrator. 2. Narcisismo. 3. Formação da

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Dissertação de autoria de Elisson Maia Moreira dos Santos, intitulada “ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: UM ESTUDO DE CASO CLÍNICO”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 8 de abril de 2011, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

_________________________________________________ Profa. Dra. Sandra Francesca Conte de Almeida

Orientadora – UCB

_________________________________________________ Profa. Dra. Deise Matos do Amparo

Examinadora externa – UnB

_________________________________________________ Profa. Dra. Kátia Cristina Tarouquella Rodrigues Brasil

Examinadora interna – UCB

_________________________________________________ Profa. Dra. Carmen Jansen de Cárdenas

Examinadora suplente – UCB

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Considero todos os meus agradecimentos como especiais.

Primeiramente, agradeço a Deus por cada segundo de vida que me é concedido.

À minha mãe Elisa, meu tio Martinho e minha irmã Aline (in memoriam), por estarem sempre presentes, de alguma maneira, em tudo o que faço e por serem meus alicerces.

À minha família.

Sobretudo, à Profa. Dra. Sandra F. C. de Almeida e à Profa. Dra. Deise M. do Amparo.

À Sandra, pela pronta aceitação da orientação, mesmo com o trabalho já em andamento, pelo apoio, incentivo e atenção pessoais e profissionais nos momentos difíceis durante o Mestrado.

À Deise, pelo acompanhamento e contribuição na minha formação desde a Graduação em Psicologia, durante o Mestrado e na realização desse trabalho, mesmo com a mudança de instituição, e pelo suporte nas eventualidades.

Atenciosamente, à Profa. Dra. Kátia C. T. R. Brasil, por participar da banca examinadora, sugerir modificações para melhorar o projeto e por fazer parte da minha formação em Psicologia.

Solicitamente, à Profa. Dra. Carmen J. de Cárdenas, por estar, de alguma forma, presente nesse momento importante da minha vida.

Cuidadosamente, à Profa. Dra. Marta Helena de Freitas, pela compreensão e auxílio oferecidos nesse curso e por fazer parte da minha formação durante o Mestrado.

Carinhosamente, à grande amiga Márcia M. P. Santos, pela colaboração e disponibilidade para o desenvolvimento desse trabalho.

Respeitosamente, à Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, pela oportunidade.

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SANTOS, E. M. M. Adolescente em conflito com a lei: um estudo de caso clínico. 2011. 99 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Católica de Brasília, Brasília – DF, 2011.

A adolescência é um período de intensas transformações, desde biológicas e psicológicas até sociais e culturais, as quais interferem no desenvolvimento dos jovens. Atualmente, no Brasil e em outros países, é perceptível o aumento do número de casos de violência, onde a participação de adolescentes também está evidente pelo agir, isto é, pela passagem ao ato. Diante do exposto, o presente trabalho realizou um estudo de caso clínico de um adolescente em conflito com a lei, utilizando as perspectivas psicanalítica e psicodinâmica, sobre o funcionamento da personalidade e o sentido da passagem ao ato. De acordo com a aplicação do Método de Rorschach e da entrevista clínica, a análise dos resultados aponta para a influência de aspectos narcísicos na personalidade do sujeito, bem como de uma organização próxima dos estados limites. É perceptível que a conduta do participante está baseada na inibição, constrição e ansiedade ao interagir com os outros, demonstrando superficialidade nas relações sociais. Dessa forma, a passagem ao ato parece ser um meio com o qual o sujeito tenta diminuir a angústia advinda dos conflitos psíquicos. Vale ressaltar que a avaliação psicológica de adolescentes, bem como de qualquer sujeito, exige cuidado, tendo em vista que a personalidade pode não estar pautada em uma estrutura consolidada, mas em uma organização ou arranjo precário de aspecto mais maleável, por exemplo, os estados limites.

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SANTOS, E. M. M. Adolescent en conflit avec la loi: une étude de cas clinique. 2011. 99 p. Mémoire (Maîtrise en Psychologie) – Université Catholique de Brasilia, Brasilia – DF, 2011. 

 

 

L'adolescence est une période de changements intenses en ce qui concerne les aspects biologiques, psychologiques, sociaux et culturels, qui interfèrent dans le développement des jeunes. Actuellement au Brésil et d'autres pays, l'accroissement du nombre de cas de violence est notable, où la participation des adolescents est également évident par le passage à l’acte. Compte tenu de ce qui précède, cette recherche a mené une étude de cas clinique d'un adolescent en conflit avec la loi, en utilisant le cadre de références psychanalytique et psychodynamique, sur le fonctionnement de la personnalité et le sens du passage à l'acte. Selon l'application du Méthode de Rorschach et de l'entretien clinique, l'analyse des résultats montre l'influence des accents narcissiques de la personnalité du sujet, et aussi d'une organisation proche des états limites. Il est à noter que le comportement du participant est basée sur l'inhibition, la constriction et l'anxiété lors de l'interaction avec les autres, ce qui démontre la superficialité des rapports sociaux. Ainsi, le passage à l’acte semble être un moyen avec lequel le sujet cherche réduire l’angoisse proviennent des conflits psychiques. Il est à noter que l'évaluation psychologique des adolescents, ainsi que tout sujet, exige de la prudence, considérant que la personnalité ne peut pas être fondée sur une structure consolidée, mais dans une organisation ou un arrangement précaire plus flexible, par exemple, les états limites.

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1 INTRODUÇÃO ... 11

2 ADOLESCÊNCIA E VIOLÊNCIA: UMA ABORDAGEM PSICODINÂMICA ... 13

2.1 O PSIQUISMO ADOLESCENTE E SUA RELAÇÃO COM A VIOLÊNCIA ... 13

2.2 A TENDÊNCIA ANTISSOCIAL E A PASSAGEM AO ATO... 25

3 ADOLESCÊNCIA, PERSONALIDADE E VIOLÊNCIA ... 35

3.1 CONSTITUIÇÃO DE TRAÇOS NARCÍSICOS DA PERSONALIDADE ... 35

3.2 O MÉTODO DE RORSCHACH NA AVALIAÇÃO DA PERSONALIDADE.... 43

4 MÉTODO... 55

4.1 OBJETIVO... 56

4.2 PARTICIPANTE ... 57

4.3 INSTRUMENTOS... 57

4.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ... 57

4.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS... 58

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO... 59

5.1 O CASO JULIANO ... 60

5.2 ANÁLISE DO MÉTODO DE RORSCHACH... 63

5.2.1 Psicograma ... 63

5.2.2 Condições intelectuais ... 64

5.2.3 Capacidade de adaptação, relacionamento humano e realidade... 65

5.2.4 Controle das reações impulsivas e emocionais ... 65

5.2.5 Interpretação psicodinâmica... 66

5.2.5.1 Modo de relações de objeto ... 66

5.2.5.2 Dinâmica psíquica ... 68

5.2.5.3 Incidência de narcisismo ... 70

5.3 ANÁLISE DA ENTREVISTA CLÍNICA ... 70

5.3.1 Modo de relações de objeto ... 71

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5.5 DISCUSSÃO TEÓRICO-CLÍNICA DO CASO JULIANO... 79

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 93

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1 INTRODUÇÃO

A questão da violência, nos últimos anos, se configura como tema de estudo científico em diversas áreas, por exemplo, psicologia, sociologia, antropologia, dentre outras, sendo investigados diversos aspectos, como as consequências originadas para as vítimas de comportamentos violentos. Em contrapartida, os aspectos dos sujeitos que apresentam tais comportamentos também são investigados.

A classificação dos sujeitos que cometem violência está relacionada ao tipo e natureza dos comportamentos, por exemplo, crimes sexuais, homicídios, roubos, furtos, entre outros. Alguns desses, muitas vezes, cometem boa parte de tais atos ainda no período da adolescência, o que é também confirmado com as informações publicadas pela mídia a respeito das infrações e crimes realizados por adolescentes.

Atualmente, a falta de perspectivas, que orienta a vida de muitos adolescentes, contribui para o incremento da violência como reação a um estado frustrante e contraditório insuportável. Esses sujeitos se preparam durante anos para encontrar um caminho na vida adulta, respeitar e preservar uma série de valores, mas se deparam com altos níveis de desesperanças, por exemplo, desemprego, salários aviltados, dificuldades para constituir e assumir uma família. A adolescência é um período de intensas transformações, onde muitos adolescentes parecem utilizar a via da violência como meio para a realização da passagem ao ato e como forma de compensar um desamparo sofrido, na busca incessante de recursos e apoio narcísico dos adultos para a resolução de sua angústia, não necessariamente sendo uma escolha deliberada. Assim, tal desamparo, provavelmente originado desde a infância, pode ser reparado durante o processo adolescente, pelos pais, pela escola, pela sociedade e, até mesmo, pela própria justiça.

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durante o seu desenvolvimento, em virtude das vicissitudes às quais está exposto nos contextos familiar, social e cultural.

O funcionamento psicodinâmico de jovens pode ser analisado por meio de instrumentos psicológicos, por exemplo, testes projetivos, os quais permitem avaliar a estrutura de personalidade e compreender o sentido da passagem ao ato desses sujeitos.

É perceptível que o sistema jurídico-penal, no Brasil, ainda não demonstra maneiras efetivas de tratamento e avaliação da maioria dos adolescentes que passam ao ato pela via da violência, ou seja, a intervenção acontece muito mais sob a forma de punição do que de tratamento, o que se ratifica com o elevado número de infrações e atos criminosos cometidos por esses sujeitos.

A compreensão dessa problemática implica a discussão sobre o apoio e o incentivo prestados ao adolescente em nossa sociedade, quando esse sofre um desamparo, em termos biopsicossociais, ressaltando a importância da avaliação psicológica como instrumento de investigação e aquisição de conhecimento, corroborando na orientação e atuação dos profissionais envolvidos em atividades relacionadas e destinadas a adolescentes que utilizam a violência como tentativa de solução para o seu sofrimento.

Diante do exposto, sendo também integrante do projeto de pesquisa interinstitucional “Adolescência, violência e traumatismo: dimensões psíquicas e relacionais” (AMPARO, 2010), o presente trabalho apresenta uma revisão de literatura acerca da adolescência e sua relação com a violência, tendo em vista os pressupostos psicanalíticos sobre a disposição pulsional, o narcisismo, o traumatismo, a tendência antissocial e a passagem ao ato. Também apresenta alguns estudos relacionados a essa temática, que efetivaram a utilização de testes projetivos.

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2 ADOLESCÊNCIA E VIOLÊNCIA: UMA ABORDAGEM PSICODINÂMICA

2.1 O PSIQUISMO ADOLESCENTE E SUA RELAÇÃO COM A VIOLÊNCIA

O termo “adolescência” pode ter acepções distintas dependendo da ótica pela qual um estudo é efetivado. Para a psicologia, a adolescência caracteriza um período inerente ao processo de desenvolvimento do ser humano, sendo pertinentes transformações biopsicossociais. É o momento em que o sujeito enfrenta variadas modificações, dentre elas, corporais (por exemplo, crescimento físico, mudança vocal, surgimento de pelos), as quais ratificam visivelmente, tanto ao próprio sujeito quanto a seus familiares e pares a experiência de transição entre a infância e a vida adulta.

Em contrapartida, as modificações psicológicas não apresentam a mesma visibilidade que as modificações físicas. Dessa maneira, características psicológicas de adolescentes podem ser investigadas através de testes psicológicos, por exemplo, testes projetivos como o de Rorschach e o Teste de Apercepção Temática (TAT). Esses testes podem ser amplamente utilizados em pesquisas realizadas por psicólogos, já que possibilitam o acesso a características da personalidade, as quais são referentes à constituição do psiquismo dos sujeitos.

Vale ressaltar que a adolescência é o período onde o sujeito se depara com conflitos relacionados a fantasmas constituídos na infância, envolvendo, essencialmente, suas figuras parentais. Alguns adolescentes reagem a tensão provocada por tais conflitos apresentando comportamentos agressivos, tendendo a passarem ao ato pela via da violência, diante de sua fragilidade egoica.

Para que exista uma compreensão sobre o psiquismo adolescente e sua constituição, faz-se necessário retomar algumas questões relacionadas à vida infantil, por exemplo, os primeiros cuidados, o complexo de Édipo e a formação do superego.

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do bebê com a mãe se modifica de relação puramente física em uma relação na qual o bebê toma contato com a atitude da mãe, e o puramente físico começa a ser enriquecido e complicado por fatores emocionais.

Para Winnicott (1987/2005), é perceptível que qualquer bebê sadio demonstra movimentos naturais e uma predisposição para bater contra coisas que se encontram a sua volta. Paralelo a isso, o bebê pode utilizar-se de grito, cuspidas, passar urina e fezes, a serviço da vingança, do ódio e da raiva que sente. Dessa forma, o amar e o odiar podem ser vivenciados pelo bebê simultaneamente, bem como a aceitação dessa contradição. Por exemplo, o comportamento de morder pode ratificar essa contradição, ou seja, tal comportamento seria a conjugação de amor e agressão, o que passa a ter um sentido por volta dos cinco meses de vida. Posteriormente, integra-se no prazer que acompanha o ato de comer qualquer tipo de alimento. Porém, é o objeto bom originalmente, isto é, o corpo materno, o qual excita o morder e provoca ideias de morder. Dessa maneira, o alimento acaba por ser aceito como um símbolo do corpo materno, do corpo paterno ou de qualquer outra pessoa pela qual o bebê tenha amor.

Diante de tal complexidade, a criança necessita, segundo Winnicott (1987/2005), de muito tempo para ter o domínio das ideias e excitações agressivas e seja capaz de controlá-las sem perder também a sua capacidade para ser agressiva em adequados momentos, seja ao amar ou ao odiar, pois machucar faz parte da vida infantil.

Nessa perspectiva, Winnicott (1987/2005) apresenta que o bebê, através do comportamento de morder o bico do seio da mãe, por exemplo, demonstra o que seria o protótipo da violência humana. Mas a agressão do bebê, também representada pelos gritos, pelos movimentos naturais, entre outros comportamentos, não têm significado claramente agressivo, tendo em vista que a criança não está ainda devidamente organizada como pessoa. Sendo assim, os cuidados dos pais são importantes para a integração da personalidade da criança, predispondo ou não ao perigo de uma irrupção maciça de destrutividade inteiramente vazia de sentido.

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exercerá no vazio. Então, pouco a pouco, o bebê não encontra ressonâncias significativas e sua comunicação inter-humana não se manterá.

De fato, é essencial o papel desempenhado pelos pais na facilitação dos processos de maturação de cada criança, no decurso da vida familiar. Winnicott (1987/2005) coloca que o tempo para os processos de maturação é necessário, já que a criança poderá se tornar capaz de ser destrutiva e de odiar, agredir e gritar, em vez de aniquilar o mundo de maneira mágica, ao nível da fantasia. Dessa forma, configura-se uma realização positiva, já que a agressão é concreta.

Comparando-se à destrutividade mágica, as ideias e os comportamentos agressivos adquirem um valor positivo e o ódio se converte num sinal de civilização, como aponta Winnicott (1987/2005), quando se tem em mente todo o processo do desenvolvimento emocional do sujeito, e, primordialmente, suas primeiras fases.

Quanto à constituição do superego, Laplanche (1982/2001) comenta que há autores psicanalistas que consideram a formação do superego em tempo anterior ao proposto por Freud, por exemplo, Melanie Klein, a qual vê essa instância como sendo constituída desde fases pré-edipianas.

Vale ressaltar que o superego, tal como Freud o descreveu, faz parte da sua segunda tópica do aparelho psíquico, caracterizando uma instância que tem função próxima a de um juiz ou de censura relacionada ao ego, censura que pode operar de maneira inconsciente. Laplanche (1982/2001) comenta que, classicamente, tal instância é considerada como herdeira do complexo de Édipo, sendo suas funções, de acordo com Freud, a consciência moral, a auto-observação e a formação de ideais. Sua constituição está vinculada à internalização de exigências e interdições parentais.

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Um ponto essencial postulado por Freud sobre a instauração do superego que Laplanche (1982/2001) enfatiza é o fato de que a identificação constitutiva de tal instância não deve ser compreendida como uma identificação com pessoas, mas que uma identificação bem sucedida ocorre com a instância parental. Isto é, para Freud, o superego da criança é formado à imagem do superego dos pais, ao invés de se formar à imagem deles.

Nessa perspectiva, é notável a relevância do complexo de Édipo durante o desenvolvimento sexual da primeira infância, sendo o seu fenômeno central e para a formação do superego, que traz a noção de limites, regras e normas para o sujeito. Freud (1924) também aponta a importância do percurso na vida infantil para a constituição da personalidade, ou seja, as experiências desde os primeiros anos de vida, particularmente o processo edipiano.

É durante esse período que ocorre também a prevalência do símbolo fálico, pois, de acordo com Dor (1989), o objeto fálico constitui o ponto principal da problemática edipiana e da castração tal como Lacan lhe destina o princípio, em torno da metáfora paterna. Para Dor (1989, p. 73), a referência fálica é evidente na obra de Freud, por vezes, de maneira implícita, onde há a metaforização do status subjetivo do objeto fálico para o sujeito, o qual reiteradamente “justifica que o possui”, “pergunta quem não o tem”, apesar, de fato, ninguém o ter.

Em síntese, Dor (1989) enfatiza que a primazia do falo no status de objeto imaginário possui um papel essencialmente estruturante na dialética edipiana, a partir da dinâmica fálica, onde o falo é instituído como significante primordial do desejo na triangulação edipiana. O processo do complexo de Édipo vai se desenvolver a partir do lugar destinado ao falo tanto no desejo da mãe, quanto da criança e, também, do pai, configurando uma dialética sob a forma do “ser” e do “ter”.

Dor (1989) coloca que a função do complexo de Édipo vem como coadjuvante da função paterna, tendo em vista que não haveria Édipo se não houvesse um pai e, por outro lado, o Édipo traz como fundamental a função do pai, como dissera Lacan. Mas a função deve ser compreendida como radicalmente distinta da presença do pai.

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uma dimensão simbólica necessariamente. Da mesma maneira, por ser simbolicamente uma função, pode prestar-se a uma operação metafórica. E é nessa perspectiva que Lacan encontra argumento para dizer que o pai é um significante que está no lugar de outro significante.

Durante o processo do Édipo, a criança, já tida como um sujeito, embora Dor (1989) aponte que, inicialmente, ela ainda está num momento (1º tempo do Édipo) de relação quase fusional com a mãe, procura se identificar com o que pensa ser o objeto de desejo de sua mãe. Isto é, as trocas e experiências da criança com a mãe, ou seja, primeiros cuidados e satisfação de necessidades, proporcionam uma situação onde a criança tende a se fazer objeto do que é pensado faltar à mãe, e, nesse caso, tal objeto passível de preencher a falta do outro é o falo. O autor frisa a observação de Lacan sobre o desejo da criança, nesse momento, de permanecer assujeitado radicalmente ao desejo da mãe, onde a criança procura se fazer ser o desejo da própria mãe, ou seja, ser propriamente o falo.

Depois, no segundo tempo do Édipo, o pai terá caráter fundamental, pois mediará a relação mãe-criança-falo, de acordo com Dor (1989, p. 83), intervindo sob a forma de privação. É ele que vem como aquele que priva a mãe do objeto fálico de seu desejo, durante todo o percurso do complexo de Édipo, tanto mais fácil, quanto normal. A partir de Lacan, para o autor, a criança vivencia a intrusão paterna como uma interdição e uma frustração, pois interdita a satisfação do impulso e “frustra a criança da mãe”.

Sendo assim, Dor (1989) afirma que a criança é levada a questionar sua identificação fálica, ao passo que deve renunciar a ser o objeto de desejo da mãe. Para a criança, o pai passa a supostamente ter ou não ter um objeto, tendo em vista a problemática do desejo da mãe. Instaura-se, dessa maneira, a dialética do ter ou não ter o falo. Esse momento do Édipo é indispensável para que a criança passe a consentir a simbolização da lei, a qual marca o declínio do complexo de Édipo.

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algo que está lá onde é suposto estar e onde se torna possível tê-lo, incidindo-se o complexo de castração.

Posteriormente, o terceiro tempo do Édipo é culminante, segundo Dor (1989, p. 88), para a simbolização da lei, a qual tem valor estruturante a partir da definição do lugar exato do desejo da mãe, onde a função paterna só é representativa da lei sob essa condição. Assim, a dialética do ter propicia, indiscutivelmente, o jogo das identificações, onde a reposição do falo em seu lugar devido é estruturante para o sujeito, instalando-se “o processo da metáfora paterna e do mecanismo intrapsíquico que lhe é correlativo: o recalque originário”.

Diante do exposto, fica claro que a psicanálise já demonstrou que o complexo de Édipo é o fator mais importante de todo o desenvolvimento da personalidade, fazendo surgir o superego.

Dessa maneira, Klein (1975/1996) também traz contribuições para a visão psicanalítica, privilegiando os objetos internos, ao comentar que o complexo de Édipo influencia em toda a formação do caráter, determinando também as dificuldades de caráter, desde as levemente neuróticas até as criminosas. Segundo Laplanche (1982/2001), Klein aponta a existência, desde a fase oral, de um superego constituído por introjeção de “bons” e “maus” objetos e que o sadismo na infância, estando no seu ápice, especialmente se torna cruel.

No primeiro ano de vida da criança, segundo Klein (1975/1996), ocorre boa parte das fixações sádico-anais, ou seja, o prazer originado da zona erógena anal e da função excretora, aliado ao prazer da crueldade, domínio, posse, é responsável por essas fixações. Assim, tanto os impulsos orais e sádico-anais possuem papel importante nas tendências criminosas dos sujeitos.

Para Klein (1975/1996), na criança com tendências criminosas, há a constituição de um superego em outra direção, se apresentando sádico, primitivo, esmagador e castrador, compelindo-a a provar a si mesma que também pode ser agressora, ou seja, a ansiedade e o sentimento de culpa provocados pelo superego favorecem para que o sujeito tenda a delinquir, tentando fugir da situação edipiana e caracterizando uma fixação numa idade muito precoce.

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possui uma consciência algoz demais, ou seja, um superego (faculdades críticas do juízo) primitivo que não foi modificado e funciona de maneira distinta que o normal, impelindo-o para a prática criminosa sob a pressão do medo e da culpa.

Nessa perspectiva, Klein (1975/1996) aponta que o superego é o principal responsável pelo mecanismo da repressão, sendo que as repressões mais profundas são aquelas conduzidas contra as tendências mais antissociais. Isso já ocorre durante a infância, mais precisamente entre os três e os seis anos de idade, onde a repressão surge justamente da luta entre a parte civilizada da personalidade e seu lado primitivo, já existindo um superego em funcionamento.

Após o processo do complexo de Édipo e a formação do superego, ou seja, o declínio da sexualidade infantil, até por volta dos seis anos, a criança passa por um período denominado de “período de latência”, o qual se estende até o início da puberdade ou adolescência.

Segundo Laplanche (1982/2001, p. 263), durante esse período, uma diminuição das atividades sexuais é observada, além da dessexualização das relações de objeto e dos sentimentos e o aparecimento de aspirações morais e éticas. Também parece existir uma espécie de discordância entre a estrutura edipiana e a imaturidade biológica, como Freud dissera, parece haver uma “impossibilidade interna”.

Para a psicanálise, o período de latência se origina a partir do declínio do complexo de Édipo e, de acordo com Laplanche (1982/2001), há uma modificação dos investimentos de objetos em identificações com os pais e um desenvolvimento de sublimações. O autor enfatiza que Freud utiliza o termo “período”, ao invés de “fase”, por se tratar de um momento pelo qual o sujeito passa sem apresentar uma nova organização de sua sexualidade, apesar de serem observadas algumas manifestações sexuais.

Depois do período de latência, o sujeito entra na puberdade (puberty) ou adolescência (adolescence), momento que se torna ameaçador, segundo Matheus (2007), na medida em que há um “reforço da libido” consequente das modificações orgânicas, exacerbando a batalha entre o id fortalecido e o ego fragilizado.

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fenômenos sociais, momento oportuno para a incorporação de valores adequados, ou não, a uma relação construtiva dentro da sociedade.

Nessa perspectiva, a crise adolescente não é inaugural, pois o embate entre as forças instintivas do id e a contenção egoica remontam aos primeiros anos de vida, conforme exposto anteriormente, bem como a adolescência se caracteriza pela reativação do conflito edípico, provisoriamente suspenso pelo período de latência.

Para Matheus (2007), essa reativação é deflagrada pelas transformações fisiológicas pubertárias, ou seja, o processo fisiológico que marca o advento da maturidade física e sexual é acompanhado pela estimulação dos processos instintivos, a qual é transportada para a esfera psíquica na forma de um influxo de libido.

Dessa maneira, alguns adolescentes, por apresentarem uma fragilidade em relação ao ego, podem cometer infrações, passando ao ato pela via da violência como forma de minimizar a tensão psíquica originada pelos conflitos advindos da puberdade.

Isso é perceptível atualmente no Brasil e também em alguns países desenvolvidos, pois se observa o aumento do número de informações publicadas sobre a violência atuada por adolescentes, tanto os mais pobres quanto os mais ricos, demonstrando que a existência de comportamentos violentos apresentados por adolescentes não decorre exclusivamente da condição financeira e do nível social e, muito menos, de limites geográficos. Há diversos fatores que influenciam direta ou indiretamente a ocorrência de violência cometida por adolescentes.

Como aponta Levisky (2000), diariamente, é perceptível que a mídia divulga tipos de violência atuada contra e pela juventude, dentro de uma sociedade cada vez mais global e com perda da noção de limites. Para o autor, a sociedade está cada vez menos continente de suas contradições e valores, chegando a ser cruel, injusta e desigual em suas oportunidades.

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Vale ressaltar que há a influência do sistema social ao qual o adolescente está inserido, incluindo sua família, o contexto escolar, dentre outros, demonstrando que não há uma única causa para que o sujeito adolescente passe ao ato. Provavelmente exista uma conjunção de fatores, ou seja, influências biopsicossociais.

É certo que os adolescentes estão em processo de constituição de sua identidade e, de acordo com Levisky (2000), tais sujeitos podem reproduzir, imitar ou estabelecer conspirações conscientes e inconscientes como maneira de contestar e de se autoafirmarem. Eles se deparam com a organização social, a qual é estruturada a partir de determinadas normas, teoricamente em condições de igualdade para todos.

No entanto, para Levisky (2000), é fato que as ações podem ser opostas, o que propicia aumento de tensão, desorganização e desrespeito, provocando intensas frustrações e descargas de agressividade, as quais servem de ingredientes para a violência moral e física, decorrente da ausência simbólica de pais, isto é, devido à falta de um sistema social efetivo e continente das angústias de seus integrantes.

Devido a suas características biopsicossociais e o aumento da tensão em virtude de seus conflitos, os adolescentes tendem espontânea e naturalmente a passar ao ato, com maior tendência a descarregar seus impulsos agressivos e sexuais, sem ocorrer o processo de sublimação, não existindo critérios de avaliação, simbolização e linguagem a cerca de seus atos.

Frequentemente, os adolescentes só pensam depois de a ação ter sido efetivada e percebem as consequências de seus atos afetivos após a ocorrência dos mesmos. Nessa perspectiva, Levisky (2000) aponta que frente à fragilidade egoica e a predominância de primitivos mecanismos psíquicos, eles diminuem suas possibilidades de postergar, substituir, ponderar ou reprimir com eficácia a satisfação de seus desejos.

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processo evolutivo, como coloca Winnicott (1987/2005), e que precisa ser resgatado na adolescência, se não pela família, por meio da sociedade.

Dessa forma, é na adolescência que se tem outra oportunidade para que existam condições construtivas ou destrutivas ao desenvolvimento da estrutura de personalidade dos jovens. De acordo com Freud (1925), crianças, delinquentes juvenis e, até mesmo, criminosos impulsivos não possuem estruturas psíquicas desenvolvidas como as de um adulto neurótico, não sendo efetivo realizar análise como se os mesmos as tivesse. No entanto, algo próximo ao intuito da análise que é realizada com adultos neuróticos pode ser instaurado para que tais sujeitos tenham benefícios com a influência analítica.

A partir da interação com a sociedade da qual participa, o adolescente parece procurar novos modelos identificatórios, podendo incorporar, desenvolver e transformar os valores, em busca de seus próprios modelos, com o desejo de encontrar o seu próprio modo de ser, pensar e viver.

Tendo em vista as ideias sobre a lei paterna, é possível pensar que sua falta é um fator fundamental que pode impulsionar os adolescentes a efetivarem uma infração, conforme comenta Goldenberg (1998). Por meio da reativação dos conflitos infantis, eles ainda parecem viver numa relação dual, ou seja, imaginária, em que o terceiro não entrou na constelação familiar. Dessa forma, esses adolescentes, talvez de maneira inconsciente, buscam a entrada do terceiro, mas inadequadamente, através da realização de infrações, isto é, a partir do momento em que não foi estabelecida uma lei interna.

Durante o desenvolvimento do sujeito, é possível, com o seu crescimento, que outras pessoas assumam a função educadora do pai, por exemplo, como frequentemente aparece o professor. Nessa perspectiva, com essa busca pelo terceiro, o sujeito pode fazer surgir a figura do professor ou de alguém próximo como sendo representante da lei externa. Nesse caso, um juiz pode também ocupar esse lugar, como aponta Goldenberg (1998), tendo a função de interditar essa relação dual.

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e que precisa, para sobreviver, de alguém que possa representá-lo, mas que seja muito presente e forte, ainda mais que chega tardiamente.

É fato que em nossa sociedade, a figura do juiz representa uma instituição poderosa e, de certa forma, onipotente, da qual esses sujeitos necessitariam, segundo Goldenberg (1998), pois é imprescindível que os mesmos percebam que há pessoas que podem limitar os seus impulsos.

Winnicott (1987/2005) comenta que uma criança usa de todos os meios possíveis para se impor quando pode contar com a confiança dos pais. Se o lar consegue suportar as agressões da criança, ela se acalma e vai brincar. Os estágios iniciais do desenvolvimento emocional estão repletos de conflitos. A relação com a realidade externa ainda não está integrada e a criança precisa de alguém para ajudá-la a enfrentar seus impulsos destrutivos. Ela ainda não tem capacidade de tolerá-los. Se não tiver esse referencial seguro, a criança poderá sentir medo dos seus próprios pensamentos.

Nessa perspectiva, Winnicott (1987/2005) afirma que a criança antissocial está simplesmente olhando um pouco mais longe, recorrendo à sociedade em vez de recorrer à família ou até mesmo à escola para lhe fornecer a estabilidade de que necessita para transpor os primeiros e essenciais estágios de seu crescimento emocional.

É notável que toda lei é frustrante de alguma maneira, principalmente quando vem de fora (ambiente externo) e é sentida pela criança de forma muito mais violenta, pois ocorreu tardiamente no seu desenvolvimento psíquico. Nesses casos, aponta Goldenberg (1998), não é mais o pai que diz que o filho não pode dormir com a mãe, mas sim o juiz, de maneira mais severa, submetendo-o a medidas socioeducativas. Com efeito, a frustração que a criança experimenta se acompanha comumente de uma repressão educativa, a qual tem a finalidade de impedir toda liberação de seus impulsos de violência e/ou sexuais.

Assim, parece que a falta do terceiro na relação com a criança e/ou adolescente pode impelir os mesmos à delinquência e ao cometimento de atos infracionais. Frequentemente, o juiz passa a representar esse terceiro que a criança não teve internalizado no seu desenvolvimento precoce e toda criança para se humanizar precisa se submeter a certas restrições e leis internas.

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coloca Dor (1989). A falta ou a restrição da colaboração do pai constitui um patogênico fator que corrobora para a deterioração do filho.

Nesse sentido, Goldenberg (1998) comenta que a mãe, a qual não teve o terceiro no seu desenvolvimento infantil e na vida atual, tende a colocar na criança uma carga excessiva de amor genital e acaba, ela mesma, procurando no juiz esse pai que possa exercer uma função educativa. Sendo assim, é relevante dizer que a presença paterna tem a função de capacitar a criança a ter domínio da realidade, de não praticar o incesto, de não matar, de não roubar e aceitar que não pode fazer tudo que deseja sem consequências.

Sendo assim, os pais que não introduziram o terceiro (constituição do superego) na relação com os filhos, parece que colaboraram para o sujeito tender a praticar um delito. Para Goldenberg (1998), é na não-ruptura da relação mãe-filho que se focaliza uma das causas principais da delinquência juvenil. Quando a morte ou outra forma de destruição chega a ser, de fato, realizada pela criança e/ou adolescente é porque a falta do pai simbólico é pungente, sendo também importante que a educação proporcione esse limite interno na criança, protegendo-a de maiores frustrações posteriormente, por exemplo, a separação de sua família e a internação em instituições ditas “totais”.

A lei jurídica, nesse sentido, poderá exercer uma função educativa, no sentido de impedir que o adolescente só aja em função de impulsos e possa, consequentemente, sublimá-los de maneira construtiva na sua personalidade, estudando, trabalhando e mantendo relações afetivas estáveis, ou seja, o juiz, segundo Goldenberg (1998), deve estimulá-lo em sua integração à sociedade, pois somente dessa maneira poderá tentar ajudar a resgatar as falhas sofridas pelo ambiente em que o sujeito se desenvolveu, e não se prender somente ao que está escrito nos autos, mas também ter consciência de que por trás de uma infração cometida pelo adolescente há sempre um motivo inconsciente.

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2.2 A TENDÊNCIA ANTISSOCIAL E A PASSAGEM AO ATO

Quando um adolescente comete uma infração, podemos pensar que esse sujeito está tentando diminuir a tensão originada pelos conflitos psíquicos e, para isso, pode fazer uso da violência, ou seja, passar ao ato por meio dessa via, o que também caracterizaria uma tendência antissocial.

Para essa compreensão, a obra de Winnicott (1987/2005) traz grande contribuição, pois se trata do estudo da tendência antissocial, fazendo uma articulação com as duas áreas de experiência humana: o meio ambiente e a realidade externa. Esse autor comenta a importância do ambiente em que vive o adolescente no que diz respeito à possibilidade de oferecer nova oportunidade ao seu desenvolvimento, uma vez que houve uma falha ambiental.

Em um texto póstumo escrito por Clare Winnicott em “Deprivation and

delinquency” de 1984, há uma síntese do pensamento de Winnicott:

“[...] os distúrbios de conduta (comportamento), ou o que Winnicott designou frequentemente por distúrbios de caráter, foram por ele considerados como as manifestações clínicas da tendência antissocial. Variam desde a gula e a enurese noturna, num extremo da escala, até as perversões e todos os tipos de psicopatia (exceto a lesão cerebral) no outro extremo. A atribuição das origens da tendência antissocial à privação mais ou menos específica durante a infância do indivíduo deu toda uma nova dimensão à teoria do desenvolvimento emocional de Donald Winnicott”.

Essa teoria sobre a tendência antissocial distingue dois tipos de privação:

Ψ Deprivation, perda do “bom objeto” e a perda do marco confiável dentro do

qual a vida instintiva e espontânea da criança se sente segura (estado no qual se teve algo bom que foi perdido);

Ψ Privation, um estado no qual jamais se teve algo e que resulta em doença

mental ou no domínio de uma psicose.

Desse modo, a tendência antissocial se articula em um ponto com as psicoses e em outro com as neuroses. Winnicott (1987/2005) estabeleceu especialmente a experiência de privação com a impossibilidade de alcançar a posição depressiva e um sentido de responsabilidade social dentro do sujeito.

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privação de amor e a criança protesta contra isso, como comenta Winnicott (1987/2005), fazendo com que o meio ambiente seja compelido a ser importante.

Entretanto, para Winnicott (1987/2005), os atos antissociais dos delinquentes mostram “sinais de esperança”. A esperança se orienta a recuperar o que se perdeu, ou que isso seja devolvido, e que os processos de maturação, que ficaram “congelados” quando da perda, sejam liberados novamente.

O conceito de privação envolve um fracasso ambiental na etapa de dependência relativa. A privação, como diz Winnicott (1987/2005), se refere a um ambiente suficientemente bom vivenciado e perdido, quando o bebê já é capaz de perceber a relação de dependência, isto é, quando sua evolução tornou possível perceber a natureza do “desajuste ambiental”. A ideia básica é a de que a culpa quando se acumula e não encontra saída na sublimação ou na reparação, algo tem que ser feito ou atuado (acted out) para que o sujeito se sinta culpado disso.

Nessa perspectiva, o furto, para Winnicott (1987/2005), está no centro da tendência antissocial, associado à mentira. Na verdade, a criança que furta um objeto não está desejando o objeto roubado, mas a mãe, sobre quem ela se julga com “direitos”. Esses “direitos” derivam do fato de que, sob o ponto de vista da criança, no “espaço de ilusão”, que representa a experiência onipotente que a mãe “suficientemente boa” propicia ao bebê, o seio que ela oferece é percebido pelo bebê como criado por ele. A mãe, dessa forma, é criada pelo bebê.

Assim, são três aspectos básicos na concepção de “tendência antissocial” de Winnicott (1987/ 2005):

Ψ Há relação entre a “tendência antissocial” e uma falha ambiental precoce, principalmente uma falha na função materna;

Ψ Distinção entre dois tipos de reação da criança a essas falhas:

o Quando a privação ocorre depois de ter havido uma função materna

“suficientemente boa” e por um período de tempo suportável, a criança poderá desenvolver a “tendência antissocial” (deprivation);

o Se a privação (privation) ou a falha da função materna ocorrer desde

o início da vida, poderá, por exemplo, uma doença mental ou uma psicose se desenvolver;

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Além do conceito de tendência antissocial, outra concepção das mais originais e difundidas de Winnicott (1968 apud OUTEIRAL, 2000, p. 125) é o conceito de objetos e fenômenos transicionais. A utilização desses objetos constitui “a primeira possessão que seja não-eu”, o que dá uma ideia da importância desses acontecimentos na vida do bebê. Para ele, o que importa, na verdade e isto é muito importante sob o ponto de vista da clínica, não é tanto a fralda, o cobertor ou o ursinho, mas o uso que o bebê faz do objeto, já que, segundo Laplanche (1982/2001), Winnicott considera que o recurso a objetos desse tipo é um fenômeno normal que possibilita à criança realizar a transição entre a primeira relação oral com a mãe e a relação de objeto verdadeira.

Comentando as “funções” atribuídas à mãe “suficientemente boa”, para Outeiral (2000), Winnicott coloca que essa mãe seria capaz de “adoecer sadiamente”, oferecendo ao seu bebê a “área de ilusão”, assim como as seguintes funções: holding, ou seja, a sustentação física e emocional; handling, compreendendo os cuidados básicos essenciais para a sobrevivência do tão imaturo bebê humano; a noção de apresentação de objeto quando a mãe procura se adaptar às necessidades da criança e, ao mesmo tempo, propiciar uma gradativa frustração; e, por último e nem por isso menos importante, a noção de continuidade ao self.

Existe uma série de situações psicopatológicas descritas por Winnicott na área da transicionalidade. Outeiral (2000) aponta que é possível observar o objeto sendo descaracterizado. Exatamente antes da perda, às vezes, é possível perceber o exagero do uso de um objeto transicional como parte da negação de que haja ameaça de ele se tornar sem sentido. Winnicott se referiu à patologia da transicionalidade em situações que incluem a mentira, o furto, o fetichismo, a drogadição e o uso de talismã nos rituais obsessivos.

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Outeiral (2000) ainda comenta que Winnicott via a agressão primária no sentido etimológico da palavra (agredere), isto é, ir em direção a alguém, raiz das palavras agregar, agrupar, principalmente em termos de motilidade, ou mesmo, de atividade. Ele não utilizava em seu esquema conceitual (metapsicológico) a noção de destrutividade em termos de um instinto de morte, como o fez Freud e também não aceitava o ponto de vista kleiniano de que existe inveja (primária) do objeto bom (pessoa ou objeto parcial) e que conduz à destrutividade desde os primórdios da vida. Dessa forma, ele postulou uma teoria pulsional considerando a existência de uma destrutividade sem cólera.

No que diz respeito ao tratamento da tendência antissocial, Winnicott (1987/2005) ressalta que as crianças e adolescentes podem ser tratados de duas maneiras: podem receber psicoterapia individual ou pode lhes oferecer um ambiente estável e forte, com assistência e amor pessoais e doses crescentes de liberdade. De fato, a psicoterapia pessoal não terá grande chance de êxito sem a segunda alternativa.

Dessa maneira, é possível pensar que, frequentemente, uma das formas utilizadas para a diminuição da tensão psíquica, também gerada pela falha ambiental e pela falta/perda do objeto de amor, é a passagem ao ato pela via da violência, onde alguns estudos (MARTY, 2006; ROMAN, 2004) contribuem para esclarecer algumas questões pertinentes.

Tendo em vista as problemáticas do agir, Marty (2006) aponta que o mundo interno é expulso sobre os objetos externos, ocorrendo a projeção da violência. A violência é compreendida como a força que se exerce sem haver a consideração de alguém ou alguma coisa.

Durante a adolescência especificamente, Marty (2006) comenta que ocorre um processo de ameaça do eu, descrito por Freud como um arrombamento, um bombardeio psíquico que se revela traumático para o adolescente, sendo para esse uma neurose traumática, onde a violência é entendida como a genitalização do corpo e do psiquismo, que impacta o corpo da criança. Assim, a função da adolescência perpassaria a elaboração desse traumatismo.

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edipianas pubertárias” (MARTY, 2006, p. 121). Essa revivência do Édipo infantil, revisto a partir da genitalização, proporcionaria o aumento dos riscos de passagem ao ato, do agir, que encontram sua gênese na potência ou mesmo na própria violência.

Portanto, o ato violento na adolescência surgiria em reação a uma ameaça originada pelo arrombamento pubertário, como diz Marty (2006). O adolescente, atuando por reações violentas, teria como falta a probabilidade de colocar em ação o trabalho da ligação, isto é, um trabalho psíquico que embasaria o sentimento de continuidade na existência. Faltando esse trabalho, o sujeito, como coloca esse autor, está em sofrimento, e se o exercício representativo em ação nas fantasias não está contido e as vivências adolescentes continuam sem interpretação, há um fracasso do processo de elaboração da violência pelo adolescente.

Diante disso, a violência atuada não teria origem em um conflito, mas se configuraria numa instintiva reação de sobrevivência, não sendo uma interiorização, mas sim, uma exteriorização. Assim, segundo Marty (2006), a violência é uma resposta expressa ante uma vital ameaça, resposta que tem o intuito de manter e proteger a integridade narcísica do sujeito, o qual se sente desamparado e ameaçado.

A passagem ao ato, dessa maneira, aparenta ser, ao mesmo tempo, uma defesa contra a angústia e uma potencial via para a elaboração do pensamento através do mecanismo de expelir para fora de si objetos destrutivos. De acordo com Marty (2006), a ação parece ocupar o lugar da palavra, indicando uma impossibilidade para o pensamento e para a simbolização. De uma forma mais simplificada, o adolescente poderia ser visto como um sujeito que procura o prazer fundamentalmente narcísico para proteger o aparelho psíquico das cobranças do trabalho de representação e ligação, pois as consequências dos traumatismos primitivos permaneceriam presentes na situação atual.

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Marty (1997 apud ROMAN, 2004) insiste sobre o contexto presente em segundo plano da violência na adolescência, contexto que é aquele do jogo de recalcar fantasmas incestuosos e parricídios, reativado pela emergência da maturidade sexual, a qual se traduz por transformações, às vezes, somáticas e psíquicas, que vão representar um risco para o adolescente, o risco de passividade diante de manifestações somáticas que não se controlam.

Nessa perspectiva, Jeammet (1997 apud ROMAN, 2004) indica que o adolescente vai tentar se livrar desse risco sob a forma de uma revolta: é o sentido do investimento no agir para escapar da experiência de ser pego pelas transformações ligadas à puberdade.

Diante disso, o apoio narcísico-parental, como coloca Gutton (1990 apud MARTY, 2006) constituiria o melhor recurso para possibilitar que os adolescentes lutem de forma eficaz contra sua própria tendência à destruição. Esse apoio narcísico-parental inclui a capacidade dos pais em proporcionar a seus filhos adolescentes sustentação para sua agressividade. É assim que o conflito com os objetos externos pode surgir e progressivamente ser interiorizado, retomando o caminho das vias de elaboração dos conflitos da infância, aproveitando as novas possibilidades que o conflito edipiano pubertário propicia.

Nesse sentido, Marty (2006) aponta que para os pais, esse apoio narcísico implica: dar-se como adulto ao adolescente; oferecer limites; resistir à destrutividade da violência adolescente, sem por isso contrarreagir pela violência; ter confiança no processo adolescente; dar nomes às coisas, povoar de marcos que façam sentido o mundo de relações entre as gerações, conversando; em caso de dificuldade, quando os pais se sentem impotentes para ajudar seus filhos, eles devem aceitar o auxílio de um terceiro; perceber o tornar-se adulto no sujeito adolescente; oferecer objetos aos adolescentes para que eles prendam aí a sua violência; e permanecer na ligação com o adolescente, isto é, ligação de palavra, ligação de interesse.

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que ele sofreria. Ele procura obter, por todos os meios, aquilo que não recebeu de sua mãe e a que acredita ter direito, como também aponta Winnicott (1987/2005).

As carências do começo da vida, no nível dos processos de simbolização, não permitem conter essas excitações e dão lugar a primitivas agonias, a um desamparo inominável, impensável, com reações de invasão ligadas à falta do ambiente materno. Nesse caso, Winnicott (1974 apud MARTY, 2006) expõe que se trata de traumatismo por carência.

Diante disso, Marty (2006) ressalta a importância da resposta do ambiente, pois são adolescentes que correm o risco de ficar ainda mais desamparados se o ambiente não responder da adequada maneira a essa busca de encontro e/ou de confrontação com adultos que os contenham. Ter podido experienciar a cólera parental, a função de limite e de para-excitações que ela pode representar, oferece à criança e ao adolescente a melhor oportunidade de poder conter, por sua vez, sua própria violência.

Esses pais, ressalta Marty (2006), podem estar tanto mais despreparados quanto estejam eles próprios abandonados pelo corpo social, maltratados e marginalizados, sem outras referências senão o desespero que os anima a encarnar, para seus próprios filhos, o símbolo de um fracasso da integração. Quando são atacados por seus adolescentes, se se sentem ameaçados e impotentes, os pais induzem o sentimento de que esses ataques são irreparáveis, o que intensifica sensivelmente a culpabilidade inconsciente dos adolescentes e os impele a atuar.

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amplamente, ambiental. Nesse caso, a violência traduz a expulsão para fora de si de um conflito que não consegue se interiorizar pela falta de um objeto. Então, a violência seria uma agressividade em busca de objeto.

Os objetos serão atacados e/ou destruídos, enquanto não se desenvolver alguma via para reconstituir a zona dos traumatismos primários (traumatismos por carência), conforme comenta Roussillon (1996 apud MARTY, 2006, p. 128), zona essa dissimulada por defesas de tipo narcísico que terão sido levantadas dessa forma para lutar contra os destrutivos efeitos desses traumatismos. O caminho da reconstrução só se esboça quando essa zona puder ser reconhecida e com ela “as feridas produzidas pelos impactos desses traumatismos”.

Nessa perspectiva, uma vez que a violência tem gênese traumática, para que seja possível ultrapassá-la, seria preciso fazer dela uma narrativa, de acordo com Marty (2006), como perspectiva de reconstrução do sujeito. O tempo de dizer substituiria o tempo da ação, onde a palavra criaria as ligações associativas que reconstituiriam a trama em cima da qual possibilita retomar uma história.

Dessa maneira, o adolescente parece reencontrar na puberdade aquilo que experienciou na infância, atualizado e remanejado pelas modificações corporais. Ele buscaria, como comenta Marty (2006), extrair desse fundo de experiências as novas posições identificatórias (genitais) que os distintos processos da adolescência suscitam nele. Agredindo seus pais, ele buscaria explorar um caminho diferente daquele que esses pais trilharam. À sua maneira, o adolescente retomaria a questão da conflitualidade psíquica, elaborada por seus pais insuficientemente, uma elaboração que dificilmente pode ser transmitida por eles aos seus próprios filhos. Assim, talvez o adolescente espere encontrar nos pais um apoio narcísico, sinal de sua capacidade de enfrentá-los, o que esses pais, no tempo deles, não puderam fazer com seus próprios pais.

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De fato, uma vez que expressa o desamparo e a fragilidade narcísica, a violência adolescente apela mais ao apoio, à ajuda que é preciso trazer na construção subjetiva, do que ao interdito que, no caso, não consegue se constituir. Segundo Marty (2006), a violência aqui não é rivalidade edipiana, mas sim violência à procura de outro para se construir. A violência é fundadora da subjetividade, dado que se renuncie a sua efetivação. Para o autor, se hoje em dia é tão atuada, talvez é porque o adulto e a sociedade civil fracassaram quanto a serem referências. O adolescente se torna um analisador dessa ausência de confiança dos adultos quanto ao devir da juventude.

Dentre as formas utilizadas para passar ao ato, está a violência sexual. A partir disso, é possível pensar que na adolescência, a passagem ao ato pela via da violência, e, particularmente, como aponta Roman (2004), a passagem ao ato pela via da violência sexual, configurariam uma ruptura no processo de elaboração de novas referências, que se situariam, às vezes, sobre o plano narcísico-identitário e sobre o plano de objeto-identificatório, onde o jogo dessa confrontação seria a colocação à prova sobre o corpo do outro, no encontro com o estranho trazido pelo advento da experiência adolescente.

Aliás, é importante sublinhar o lugar que Birraux (1997 apud ROMAN, 2004) destina à clivagem no processo adolescente, como modo de regulação e/ou de organização da violência, ou seja, na adolescência a clivagem teria a função de manter suficiente a distância das moções contraditórias, podendo só serem tratadas em termos de conflito ambivalente. De certa maneira, seria possível pensar que a falha da clivagem (ou a falha da manutenção das moções clivadas), na sua função defensiva, favoreceria a emergência da violência num registro de liberação de energia não ligada.

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que o ato sexual violento poderia ter uma função de proteção, tendo em vista o risco desorganizador que representam os transtornos adolescentes.

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3 ADOLESCÊNCIA, PERSONALIDADE E VIOLÊNCIA

3.1 CONSTITUIÇÃO DE TRAÇOS NARCÍSICOS DA PERSONALIDADE

A violência também pode estar relacionada a características narcísicas da personalidade, que predisporiam o sujeito a cometer infrações frente à tensão psíquica originada por conflitos, por exemplo, advindos com o processo da puberdade, o que colocaria alguns adolescentes em situações nas quais passariam ao ato. Dessa maneira, é interessante a compreensão em torno da construção do conceito de narcisismo e alguns aspectos pertinentes. Para tanto, uma compreensão a respeito do conceito de personalidade se torna necessária, tendo em vista que diversos autores trazem variadas definições relativas a esse termo.

Pisani et al. (1991) comentam que a palavra “personalidade” tem sua origem a partir do vocábulo latino “persona”, o qual define por si o nome dado à máscara que os atores de teatro antigo utilizavam para representarem os seus papéis, tendo, literalmente, o significado de “soar através de”.

Hall (1909) destaca que, embora a palavra seja usada de várias maneiras, a maior parte dos significados de uso popular pode ser compreendida em uma destas conceituações. A primeira se relaciona com habilidades sociais. Nesse caso, a personalidade de um sujeito poderia ser avaliada pela eficiência em produzir reações positivas em diversas pessoas e em diferentes situações. A segunda conceituação avalia a personalidade pela impressão marcante que o sujeito causa em outras pessoas, podendo-se, então, falar em “personalidade agressiva”, “personalidade passiva” e “personalidade tímida”.

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Por sua vez, Piéron (1975) comenta que o termo “personalidade”, entre todos os que a psicologia moderna emprega, é, talvez, o que tenha sofrido maior número de variações em seu significado. Segundo o autor, o que a personalidade representa, essencialmente, é a noção de unidade integrativa de um ser humano pelo que inclui todo o conjunto de suas características, isto é, atributos diferenciais permanentes (por exemplo, constituição, temperamento, inteligência e caráter) e suas modalidades específicas de comportamento, que organizam a dinâmica dos aspectos cognitivos, afetivos, conativos, fisiológicos e morfológicos do sujeito.

Em perspectiva próxima, Hilgard e Atkinson (1979) salientam que “personalidade” indica a disposição ou configuração de características individuais e formas de comportamento que determinam os ajustamentos singulares do sujeito ao seu ambiente. Para os autores, há o acento, principalmente, dos traços pessoais que influem no fato de o sujeito se entender com outras pessoas e consigo próprio. Por isso, para eles, a personalidade inclui quaisquer características importantes para o ajustamento pessoal do sujeito em sua manutenção de autorrespeito. Dessa maneira, a personalidade se refere à organização singular dos traços que caracterizam o próprio sujeito e suas atividades.

Diante do exposto, é possível verificar que a personalidade remete a uma configuração e/ou estrutura de aspectos que podem ser constantes e permanentes ao longo do desenvolvimento do sujeito, provavelmente, características até mesmo imutáveis.

De acordo com Bergeret (1988), a estrutura de personalidade ou estrutura de base corresponde a forma de organização permanente e mais profunda do sujeito, a partir da qual se desdobram os ordenamentos funcionais ditos normais, bem como os patológicos. Para esse autor, a estrutura possui configuração estável e irreversível, onde há mecanismos de defesa pouco variáveis, uma maneira seletiva de relação de objeto, um determinado grau de evolução libidinal e egoica, com uma atitude fixada de modo reiterado diante da realidade.

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veria nitidamente suas linhas e planos de estruturação, tendo importância essencial as primeiras moléculas do cristal (ou seja, suas linhas e planos), da mesma forma que as primeiras fundações de um edifício são fundamentais para o modo como se constitui.

Freud (1932) destaca, em relação à constituição da estrutura da personalidade, analogamente ao princípio do cristal, que o psiquismo é desenvolvido a partir de forças e elementos que atuam de maneira mais precoce na psique, sendo os mesmos as pulsões, as primeiras sensações corporais de prazer e desprazer, os primeiros contatos com a mãe, as mais precoces estimulações externas, entre outros. Nessa perspectiva, Bergeret (1988) aponta que esses elementos são as bases fundamentais na estruturação psíquica, a partir da qual o sujeito vai possuir uma estrutura característica, diante das influências que vivenciou durante seu desenvolvimento psicossexual. Tal constituição é desenvolvida ao longo de toda a vida do sujeito, com tendência a se tornar cada vez mais constante e estável.

Bergeret (1988 apud SANTOS, 2008) ainda descreve que a gênese da estrutura de personalidade tem começo a partir dos estados precoces do ego da criança, em sua indiferenciação somatopsíquica. Aos poucos, essa diferenciação ocorre e o eu se distingue do não-eu. Nesse estado inicial, o ego conserva, durante um período muito longo, certa plasticidade às influências exteriores. Em um segundo momento, já houve uma espécie de pré-organização mais específica, devido a determinadas linhas de força, isto é, de um lado, os inegáveis dados hereditários e congênitos e, de outro, as sucessivas experiências objetais, envolvendo as zonas erógenas cada vez mais extensas e pulsões cada vez menos parciais. Aos poucos, agregam-se também, de acordo com as circunstâncias, as relações com os pais e com os demais membros dos contextos social e educativo, repercutindo no psiquismo em constituição, através de conflitos, frustrações, traumas, além de seguranças anaclíticas e de identificações positivas.

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sujeito se organiza e se cristaliza de maneira progressiva, a partir de um modo de reunião de seus elementos inerentes e de uma variedade de organização interna, com linhas de clivagem e de coesão que não mais poderão variar. Enfim, se constitui levando a uma verdadeira estrutura da personalidade, que não poderá mais se modificar, nem trocar de linhagem fundamental, mas apenas se adaptar de forma definitiva ou reversível, segundo uma linha de organização estrutural imutável, delimitando para o sujeito a maneira própria de ser no mundo.

Por outro lado, Bergeret (2006), Cardoso (2007) e Chabert (1998) apontam que há uma forma de organização da personalidade menos rígida e sólida, isto é, os estados limites, tendo suas características principais situadas entre neurose e psicose, mas não constituindo um meio de passagem de uma para a outra estrutura e nem se referindo à terminologia borderline.

Os estados limites permanecem em uma configuração mais flexível da personalidade, distintamente da neurose e da psicose, caracterizando um arranjo precário, o qual não está estruturalmente fixado e irreversível, onde a violência psíquica e a dimensão traumática desempenham papel preponderante (BERGERET, 2006; CARDOSO, 2007; CHABERT, 1998).

Sendo assim, torna-se possível inferir que a personalidade remete a uma complexidade, a qual, por vezes, dificulta a imediata análise em sua totalidade. Por isso, alguns de seus elementos são enfocados para tentar compreendê-la de uma melhor maneira, como por exemplo, os seus aspectos narcísicos.

Em relação ao narcisismo, Freud (1914) aponta que o mesmo pode se configurar por meio de uma localização da libido, talvez presente em grande extensão, reivindicando um lugar no percurso regular do desenvolvimento sexual do ser humano. Assim, o narcisismo poderia não ser considerado uma perversão, mas um complemento libidinal do egoísmo do instinto de autopreservação, que está em todo ser, até certo ponto. No caso de enfermidade, o autor explica que o sujeito retiraria suas catexias libidinais em retorno ao seu próprio ego, mas, quando recuperado, colocaria as mesmas para fora novamente.

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satisfação dos instintos do ego e, posteriormente, é que se tornam independentes desses, mas há a indicação de que os primeiros objetos sexuais de uma criança são as pessoas que estão envolvidas com sua proteção, cuidados e alimentação, ou seja, a mãe ou alguém que esteja nessa função.

Por outro lado, Freud (1914) frisa que a escolha objetal de algumas pessoas pode não ser a mãe, mas sim o próprio eu em casos onde ocorreu alguma perturbação no desenvolvimento libidinal. Assim, esses sujeitos buscam a si próprios como um objeto amoroso, caracterizando um tipo de escolha objetal definida como narcisista. No entanto, originalmente, o ser humano possui dois objetos sexuais (ele mesmo e a mulher que cuida dele), os quais confirmam a existência de um narcisismo primário em todos, mas que esse narcisismo pode se manifestar de maneira dominante na escolha objetal em alguns casos.

Em suma, Freud (1914) comenta que o desenvolvimento egoico está relacionado a um distanciamento do narcisismo primário, que propicia uma tentativa vigorosa de recuperação desse estado. Tal distanciamento é devido ao deslocamento da libido em direção a um ideal do ego vindo de fora, onde a realização desse ideal traz satisfação. O ego emite as catexias libidinais ao mesmo tempo, empobrecendo-se, tendo em vista o benefício dessas catexias, da mesma maneira que beneficia o ideal do ego, e uma vez mais se enriquece a partir de suas satisfações relacionadas ao objeto, da mesma maneira que o faz, realizando seu ideal.

Diante disso, é fato que algumas pessoas podem vir a sofrer de perturbações narcísicas. Tais sujeitos, como comenta Fuks (2008), viveriam em estado de ansiedade constante e vivenciariam as demandas da realidade exterior, particularmente quando provenientes de sua relação com os outros, como uma ameaça permanente para seu frágil equilíbrio psíquico. A tendência ao isolamento seria experienciada como proteção em relação a um ambiente que perceberiam como hostil e frente ao qual reagiriam também com hostilidade.

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uma batalha interior entre a angústia, a dor e o ódio. A violência, por vezes, irrompe como sinal de que toda contenção tem sido abolida. A agressividade, nessas situações, pode ser considerada raiva narcisista, ou seja, defesa de um

self vulnerável e, por isso mesmo, hipersensível.

Do ponto de vista narcisista, Fuks (2008) aponta que o sujeito vulnerável responde à ferida narcísica real com um retraimento vergonhoso (fuga) ou com fúria narcísica (luta). A fúria narcisista se manifesta de várias formas como, por exemplo, a necessidade de vingança, de fazer justiça, mas o que é notório é a compulsão e a inflexibilidade na consecução de tais metas. Essa seria uma característica que as diferencia de outros tipos de agressão. Nessa perspectiva, a afirmação de que por trás da força do narcisismo se encontra a fragilidade do eu parece resumir bem o cerne da questão, tanto teórica como clínica, presente nessa problemática.

Um autor contemporâneo, Jeammet (1998), põe a ênfase na observação de que existe, nas manifestações da violência, uma relação em espelho entre quem atua e quem a padece. Essa especularidade mostraria que a problemática narcísica estaria presente. Em geral, o sujeito que atua a violência se sentiria ameaçado na sua subjetividade, na sua identidade, e pôr em jogo a violência seria uma forma de recuperar o domínio, fazendo padecer ao outro o que se tem sofrido. Esse seria um caminho para entender os atos violentos. Nas patologias vinculadas com a violência, é visto que a uma ameaça narcisista vai responder uma tentativa de recuperação, por meio da ação contra o outro ou contra si mesmo. O fenômeno que desencadearia a violência, mais uma vez, estaria vinculado à ameaça narcísica e da identidade. As carências narcisistas e as falhas da identidade é que produziriam uma situação de vulnerabilidade que levaria à violência. A violência, nessa perspectiva, não seria um excesso de energia, mas uma energia que não poderia se derivar por uma rede de deslocamentos que permitiria um trabalho de diferenciação qualitativa, e que, se condensando, conduziria a uma necessidade de descarga contra si mesmo e/ou contra o outro.

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