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5 ANÁLISE CRÍTICA DOS PROGRAMAS SOCIAIS DA DEFESA E

5.4 ANÁLISE FINAL DAS HIPÓTESES DE TRABALHO SOBRE OS PROGRAMAS

O que pudemos apresentar como substrato final de análise é uma crítica dos Programas Sociais da Defesa como uma política de defesa e, em alguma medida, como política pública. Por não termos encontrado outras perspectivas que tratassem especificamente do mesmo objeto de estudo deste trabalho, parte significativa de seu conteúdo foi estruturada em termos de descrever os programas sociais, enquadrando-os no repertório de políticas do Ministério da Defesa. A partir dessa etapa é que delineamos teoricamente suas características iniciais, traçamos sua progressão histórica no período de estudo e elaboramos a análise expressa neste capítulo. Dessa forma, assumimos alguma dependência de nossa análise à documentação oficial e uma argumentação bastante pautada em pontos e contrapontos, ainda que tenhamos buscado torná-la o máximo sistemática.

Considerando a linha de crítica do trabalho direcionada ao entendimento do lugar dos programas sociais na política de defesa brasileira, chegamos às conclusões a seguir. Os programas sociais fazem parte do repertório de políticas do Ministério da Defesa, mas não são uma política de defesa. Salvo algumas ações excepcionais dentro de alguns deles, o conceito de cada um não é estruturado como meio de repelir ameaças externas ou de caráter excepcional a Estado ou sociedade nacional brasileiros. Eles tampouco podem ser entendidos como políticas de segurança, porque, de acordo com a leitura que organizamos neste trabalho, não envolvem ações que dependam de uma ação extraordinária dentro da prática política para chegar aos resultados que almejam. Além disso, o tipo de instrumento necessário para empreender as ações que promovem não tem a ver com o emprego da força, função-fim administrada pelo Ministério da Defesa.

Na linha que contempla alguma crítica aos Programas Sociais da Defesa como política pública, percebemos haver uma confusão de suas finalidades e meios de emprego. A confusão está situada no fato de que basicamente os programas sociais são políticas assistenciais, de saúde, de infraestrurua, de esportes e educação que se encontram dentro de um ministério cujo papel é comandar e administrar as Forças Armadas brasileiras. A situação é multifatorial, pois envolve um desenho legal que permite que esses programas estejam dentro do Ministério da Defesa, um programa de governo que efetivamente os estruturou e situou neste lugar e toda uma organicidade daí decorrente que contribuiu para sua sedimentação no período estudado.

Constatamos, a partir do entrecruzamento de quatro linhas teóricas e metodológicas e nosso substrato de fontes, que o desenvolvimento dos Programas Sociais da Defesa foi gradual, distribuído ao longo do período de estudo deste trabalho. Esse desenvolvimento teve um evento determinante, que foi a eleição de Lula da Silva, e, por conseguinte, do programa que seu governo tinha para a defesa.

Considerando isoladamente os programas sociais como um fenômeno da política de defesa brasileira, identificamos duas variáveis independentes que condicionaram fortemente sua gênese e seu perfil: o desenvolvimentismo assistencial da defesa e o movimento inercial das instituições de defesa.

O desenvolvimentismo assistencial da defesa foi assim por nós conceituado por conta da plataforma empregada à política de defesa em geral do período. O desenvolvimentismo está associado à retomada da indústria da defesa nacional, à cooperação regional em temas de segurança e defesa e ao reequipamento das Forças Armadas, estendendo-se ao marco estratégico da defesa e o planejamento de sua infraestrutura, dentre outras áreas. A componente assistencial do desenvolvimentismo está ligada à particularidade, desses governos, de terem criado e aumentado os programas sociais dentro das relações entre Forças Armadas e a sociedade, e de como isso foi justificado.

O movimento inercial das instituições de defesa é uma variável fortemente ligada ao crescimento e ao aprofundamento da organicidade e do adensamento de processos e atividades da defesa. Neste trabalho, ele se aplica à tendência dos Programas Sociais da Defesa, como tipo de política, ou particularmente, por programa, de se especializarem em seus meios de execução, finalidades e autopreservação institucional.

Os fatores de desenvolvimento assistencial e movimento inercial estão associados a outros quatro elementos condicionantes do perfil dos programas sociais dentro da política de defesa brasileira no período estudado. Esses elementos, classificados neste trabalho como variáveis intervenientes, extrapolam os programas dos governos do período estudado, estando ligados a movimentos históricos de maior amplitude ou a camadas mais profundas da institucionalidade do Estado brasileiro. São eles a autonomia militar (fortemente ligada à militarização da política e das instituições), a crise de identidade das Forças Armadas, o aumento dos gastos em defesa e o deslocamento do foco estratégico da defesa brasileira para a Amazônia. A relação entre as variáveis independentes e intervenientes é aditiva, uma impacta positivamente sobre a outra na expressão das características dos programas sociais como parte da política de defesa brasileira.

Observar a relação entre variáveis descrita acima foi-nos possível por conta de uma certa abordagem das fontes documentais e de sua distribuição no tempo. A partir de uma leitura particular do institucionalismo histórico e do rastreamento de processos, organizamos uma cronologia de fatos sobre a qual procuramos identificar um ou mais deles que tivessem propriedades determinísticas sobre os demais, para então atribuirmos caraterísticas ao quadro elaborado. Nas relações entre variáveis observadas e em sua expressão no tempo, notamos um movimento de aprofundamento e autoconfirmação do lugar institucional dos Programas Sociais da Defesa no repertório do Ministério da Defesa, na política de defesa brasileira do período, e consequentemente, na política brasileira em geral.

Pudemos apurar, a partir do tipo de fontes que tínhamos a nossa disposição, que o desenvolvimentismo assistencial da política de defesa do período, o movimento inercial das instituições de defesa, a autonomia militar, a militarização de políticas de diferentes esferas da administração pública brasileira, o aumento dos gastos em defesa e a crescente atenção estratégica dada à Amazônia foram condições necessárias para a criação e a consolidação dos Programas Sociais da Defesa no período de estudo. Nenhuma delas, seja particular ou associadamente, caracterizou-se como condições suficientes para determinação das características dessas políticas.

A importância fundamental das variáveis apresentadas, da relação aditiva que têm entre si e de sua expressão no recorte histórico realizado por este trabalho, nos permite fazer algumas afirmações parciais sobre os Programas Sociais da Defesa. Eles são resultantes de um matiz específico da abordagem desenvolvimentista da defesa iniciada no governo Lula da Silva. Seu crescimento e consolidação, ocorridos em nosso período de pesquisa, é dependente também de um movimento institucional gerado a partir de agentes burocráticos, processos administrativos, orçamentários, de respostas de demandas internas e externas à estrutura de governo. Esses dois fatores, combinados, são responsáveis pela materialidade dos programas, que recebem algumas qualidades a partir do casamento com os fatores associados às variáveis intervenientes que descrevemos acima. Eles são, portanto, parte de um programa político que se reforça mutuamente em elementos institucionais de autonomia militar, de crise do papel das Forças Armadas, especialmente impactantes sobre o ambiente amazônico e com dinamismo acentuado de acordo com a disponibilidade de orçamento público.