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4.2.3 Programas Sociais da Defesa: conceitos e análise histórica

4.2.3.1 Projeto Rondon

O Projeto Rondon, que tem por slogan oficial “Lição de vida e cidadania”, completa em 2017 o quinquagésimo aniversário da chamada “operação zero”, acontecida em 1967. Chama a atenção a antiguidade e o tipo de atenção dada à Amazônia pela defesa brasileira pelo programa social da defesa “Projeto Rondon”, a despeito de governos e regimes políticos que vigeram. As edições do programa foram interrompidas em 1989, mas foram retomadas pelo governo Lula da Silva a partir de 2003.

A chamada Operação Zero do Projeto Rondon foi composta de trinta estudantes de universidades do extinto Estado da Guanabara, que realizaram missão em Rondônia. A experiência, que teria sido bastante proveitosa, motivou a realização de novas edições do programa, que se repetiu em 1968, para a qual se criou um grupo de trabalho que o tornasse mais institucional.

Em 1970, por meio de decreto executivo pelo governo, o projeto se tornou um órgão autônomo do poder executivo, com o objetivo geral de atuar sobre o desenvolvimento e a

integração nacional, com atenção à formação universitária dos participantes do programa e com o objetivo posterior de fomentar a instalação de estruturas educacionais em áreas mais carentes ou de difícil acesso do país (BRASIL, 1970).

Em 1975, o Projeto Rondon foi transformado em uma fundação, que mantinha os mesmos objetivos gerais expressos acima. Foi acrescida a ela uma sede, que a vinculava ao Ministério do Interior, bem como foram criados conselhos e presidência como seus órgãos. Foram previstos meios de financiamento prioritariamente públicos, permitindo também financiamento privado (BRASIL, 1975). Em 1989, com uma lei abrangente a diversos outros órgãos da administração pública, a Fundação Projeto Rondon foi extinta, sem maiores previdências externadas em documento oficial (BRASIL, 1989).

Atualmente, o programa, que de acordo com seu sítio oficial na internet é desenvolvido pelo Ministério da Defesa, tem por objetivo contribuir para “... a formação do jovem universitário como cidadão e para o desenvolvimento sustentável nas comunidades carentes” (BRASIL, Ministério da Defesa, 2017b). O programa ainda é visto como “poderosa ferramenta de transformação”, tem como objetivo “o aprimoramento de valores humanitários”, a “intensificação do sentimento de responsabilidade social e coletiva”. Ainda de acordo com a página do programa no sítio do Ministério da Defesa, desde 2005, quando foi retomado pelo governo Lula da Silva, o Projeto Rondon teria realizado 75 operações, distribuídas por 24 estados brasileiros, com a participação de 2.137 instituições de ensino superior, totalizando mais de 21.106 rondonistas, entre professores e alunos universitários (Idem).

Ao realizarmos pesquisa sobre o Projeto Rondon em bases públicas de pesquisa de periódicos científicos, é notável a recorrência de artigos de diversos de seus ex-participantes. Há trabalhos sobre comunicação social, educação e extensão universitária, avaliação de ações desenvolvidas em municípios específicos, cidadania, eco tecnologias, acessibilidade à saúde e urbanismo, dentre outros (SILVA; LOPES; OLIVEIRA, 2012; MUNHOZ; RAMOS; MUNHOZ, 2010). A ligação entre os propósitos oficiais do programa e o ponto de vista dos autores, de promoção da cidadania e da cooperação entre meios universitários e localidades carentes do Brasil, é evidente.

O relançamento oficial do programa foi noticiado em diário oficial em janeiro de 2005, no momento em que o governo criou o Comitê de Orientação e Supervisão do Projeto Rondon (BRASIL, 2005a). O comitê, presidido pelo Ministério da Defesa, contava com a participação dos ministérios da Educação, do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome, da Saúde, do Meio Ambiente, da Integração Nacional, do Esporte, do Desenvolvimento

Agrário e da Secretária-Geral da Presidência da República. Não exporemos aqui o regimento do órgão, nos limitando a apreender quais são as atribuições e conceitos gerais que o animavam. Fazia parte de suas funções colocar em prática as diretrizes do Projeto Rondon, elaborar um plano operacional anual e direcionar esforços no âmbito regional implementando as diversas ações específicas previstas (Idem).

As diretrizes básicas do Projeto Rondon, anexas ao decreto, previam viabilizar a participação de estudantes universitários no desenvolvimento e no fortalecimento da cidadania, contribuir para o desenvolvimento sustentável de comunidades carentes, buscar soluções para problemas sociais da população e fortalecer a formação acadêmica dos rondonistas, com ênfase para a “responsabilidade social e o patriotismo” (Idem). Além disso, o programa ambicionava distribuir recursos de maneira acurada entre entes federativos e outro órgãos da sociedade civil organizada de maneira a harmonizar políticas e esforços de desenvolvimento de áreas carentes, bem como assegurar a participação da população na fiscalização das ações rondonistas. Por fim, determinavam-se os critérios de carência de dificuldade de acesso geográfico como foco da atenção do programa, transparência e perenidade das ações (Idem).

Em fins de 2005, três novos documentos foram lançados pelo Ministério da Defesa para a execução do Projeto Rondon: seus conceitos político e estratégico, bem como as diretrizes estratégicas. Os documentos são apresentados pelo próprio ministério, respectivamente, como o mais geral até o mais específico, que comentaremos a seguir.

Quanto à Concepção Política do Projeto Rondon (BRASIL. Ministério da Defesa, 2005g), ela nada mais foi do que uma adequação formal do conteúdo das diretrizes anexas decreto de janeiro de 2005, expressas acima. O que se nota a partir de sua leitura e dos dois documentos seguintes, é o detalhamento das ações e papéis institucionais dos diversos atores envolvidos no Projeto Rondon. As orientações presentes na Concepção Política são de caráter geral, por isso a ligação entre conteúdo e sua intitulação.

A Concepção Estratégica do Projeto Rondon (BRASIL. Ministério da Defesa, 2005b), por sua vez, tem como pontapé a caracterização institucional do programa. Classifica-o como interministerial e o liga, para além de órgãos governamentais, à Associação Nacional dos Rondonistas, à União Nacional dos Estudantes, a organizações não-governamentais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e de organizações da sociedade civil. Adiante, em campos em que define missão e diretrizes do programa, há reprodução literal de sua concepção política. Em seguida, define-se sua organização, por meio do Comitê de Orientação e Supervisão, e suas comissões, que seriam a coordenação geral, a coordenação

operacional e administrativa, de natureza executiva e com a atribuição de traçar o plano anual de atividades e a comissão regional, ativadas de acordo com necessidades especiais (Idem, p. 02).

No campo estratégias, estabelece-se que o Projeto Rondon deva ser implantado de forma progressiva e sólida, criando processos e metodologias. Além disso, prevê-se que os recursos do programa devam ser concentrados, de maneira a produzir mudanças significativas onde executado. A parte de planejamento e estrutura operacional deve ser flexível, de maneira a atender as peculiaridades regionais das edições a serem sucessivamente implementadas. A iniciativa privada deve ser incentivada, bem como a parceira com outros entes públicos, conselhos comunitários, institutos de pesquisa, universidades e ONGs. As necessidades locais devem ser colocadas sob forte consideração, bem como o acompanhamento da implementação das atividades na medida em que os recursos forem liberados (Idem, ps. 02- 03).

Como parte da parte operativa das estratégias, determina-se que o Projeto Rondon não pode falar pelo poder público. O financiamento de suas ações, além de contar com recursos públicos, deve procurar por patrocínios, seja em atendimento a operações nacionais, regionais ou especiais. As missões rondonistas podem ser de diagnóstico, de implementação de ações para mudar um quadro diagnosticado, ou mesmo de pesquisa-ação, na qual diagnóstico e ação sobre a o quadro observado são simultâneas. Ações de assistência social episódica não fazem parte do programa (Idem, ps. 03-04).

Completando os documentos fundamentais do Projeto Rondon por ocasião de sua refundação, temos a Diretriz Estratégica do Projeto Rondon (BRASIL. Ministério da Defesa, 2005c). O documento caracteriza-se por uma portaria normativa interna ao Ministério da Defesa, assinada pelo então ministro José Alencar, em 30 de junho de 2005, com a finalidade de estabelecer critérios para a criação de missões do projeto, elaboração de orçamento anual e a busca por parcerias públicas e privadas (Idem, p. 01). As áreas prioritárias do programa são apresentadas respectivamente, partindo da Amazônia Legal, seguida do Nordeste, as periferias das grandes metrópoles e outras regiões.

A cada ano o programa deve ter uma edição nacional, com a participação de universitários de todo país atuando em missão, e ocorrendo restrições de recursos, pode-se reduzir a abrangência para a escala regional. Missões especiais podem ocorrer a pedido de entes públicos, apreciados pelo comitê do Projeto Rondon. Os editais e o planejamento de cada operação devem ser feitos com um ano de antecedência, garantindo a igualdade de chances de participação dentro de seu tipo (nacional, regional ou especial). Diversas questões

práticas são previstas, como eventos de abertura, etapas de adaptação dos rondonistas a novos locais de missões, relatórios finais de atividades pelas equipes, avaliação final por equipes e avaliação final da comunidade alvo (Idem, ps. 01-02).

Em julho de 2005, foi publicada uma portaria normativa que delegava funções entre órgãos do Ministério da Defesa referentes ao Projeto Rondon, além de definir as atividades para o ano de 2006. Ao Gabinete do Ministro ficaram designadas as funções de divulgação das atividades do projeto e as relações com o Congresso Nacional. Prevê-se uma assessoria jurídica no ministério, bem como se determina que um Estado-Maior de Defesa divida as atribuições ligadas ao projeto entre as três forças. A Secretaria de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais fica encarregada de articular o Projeto Rondon com o Programa Calha Norte. A atividade de organização orçamentária e regimental do Projeto Rondon fica a encargo da Secretaria de Organização Institucional, ao passo que cabe à Secretaria de Estudos e de Cooperação todo seu planejamento executivo (Brasil. Ministério da Defesa, 2005d).

Ao fazermos o acompanhamento das atividades oficiais do Projeto Rondon documentadas virtualmente pelo Ministério da Defesa, temos documentos de natureza mais administrativa, como as portarias que nomeiam ocupantes das comissões que aprovam as participações de universidades, alunos e professores em edições do projeto ou em seus congressos nacionais. Além disso, constam documentos sobre as fontes de financiamento, bens, serviços e tipos de convênios que podem ser firmados pelo programa, de acordo com legislação específica firmada no âmbito do Ministério do Planejamento (BRASIL. Ministério da Defesa, 2005e).

Em 2011, as decisões ministeriais sobre o Projeto Rondon foram delegadas à Diretoria do Departamento de Pessoal, Ensino e Cooperação, a fim de descentralizar as decisões sobre uso de recursos (BRASIL. Ministério da Defesa, 2011).