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Descrição das variáveis observadas no período de 2003 a 2014

5 ANÁLISE CRÍTICA DOS PROGRAMAS SOCIAIS DA DEFESA E

5.3 O CRUZAMENTO ENTRE O SUBSTRATO HISTÓRICO E AS HIPÓTESES

5.3.3 Descrição das variáveis observadas no período de 2003 a 2014

Uma vez tendo compostas as ferramentas de análise, de revisão teórica e de termos organizado o substrato de fatos históricos a partir de nossas fontes primárias e secundárias, estruturamos um conjunto de variáveis, exposto acima. Nosso objetivo, com isso, é responder qual é o impacto delas sobre a criação e o desenvolvimento dos Programas Sociais da Defesa

no período estudado (2003-2014). Consideraremos apenas as políticas contidas no Ministério da Defesa, com foco sobre os programas sociais e seu entorno institucional mais imediato.

De acordo com o que expusemos acima, temos seis variáveis compostas e observadas por este trabalho. Entre as independentes, temos o que chamaremos aqui resumidamente de desenvolvimentismo assistencial e o movimento inercial das instituições de defesa. Entre as variáveis intervenientes, às quais atribuímos importância secundária em termos metodógicos, figuram a autonomia militar, os investimentos em defesa, crise de identidade das Forças Armadas e foco estratégico na Amazônia. Nossa análise, a partir de agora, será pautada em relacionar essas variáveis, como uma relativa redução da realidade observada, numa série temporal, também simplificada em momentos decisivos, encadeando todos esses fatores numa estrutura causal.

O liame fundamental a caracterizar nossa percepção de série histórica neste trabalho é a criação ou a reformulação dos Programas Sociais da Defesa. Como estes eventos não ocorreram ao mesmo tempo, decidimos simplificar a série temporal em que ocorreram. Primeiramente, estabelecemos o momento de criação ou reformulação dos Programas Sociais da Defesa como uma marcação histórica e analítica. Assentando nossa leitura sobre a linha temporal marcada desta forma, analisamos as variáveis de acordo com seu estado na sequência antes, durante e depois da criação ou reformulação dos programas sociais. Eventualmente, na dificuldade de situar o momento exato de criação ou reformulação, pode- se defender um intervalo mais ampliado como definição.

5.3.3.1 Desenvolvimentismo assistencial na defesa e as variáveis intervenientes

Chamamos essa variável de “desenvolvimentismo assistencial na defesa” por conta do movimento geral da abordagem do governo Lula da Silva do assunto. O chamado desenvolvimentismo tem a ver com a intenção do governo de aumentar os gastos em defesa e reequipar as Forças Armadas e reestruturar a indústria de materiais de defesa. Oferecemos, em capítulos anteriores, evidências sobre esta abordagem específica deste governo, a exemplo da realização do Ciclo de Debates em Matéria de Defesa e Segurança, ocorrido ainda em 2003, ainda em seu primeiro ano (DAGNINO, 2010, ps. 09-22).

A adjetivação de “assistencial” ao desenvolvimentismo iniciado no primeiro governo Lula da Silva é decorrente de nossa abordagem específica dos Programas Sociais da Defesa.

Ela parte de dois desdobramentos, um correspondente ao desenvolvimentismo dentro da política de defesa e outro correspondente às políticas assistenciais e de infraestrutura civil dentro do desenvolvimentismo. Buscamos também realçar, nessa adjetivação, o argumento de carência, dificuldade de acesso físico ou ausência do Estado como justificativas para os programas sociais, dispersas no discurso oficial como um todo.

Consideramos esta variável independente como fundamental por anteceder tanto em termos cronológicos quanto em termos conceituais e políticos, a criação dos Programas Sociais da Defesa. A variável independente “movimento inercial das instituições de defesa”, por exemplo, só passa a existir quando os Programas Sociais da Defesa estão fundados. Assumimos, ao colocarmos o desenvolvimentismo assistencial da defesa como variável independente deste estudo, ser ele uma condição necessária para que os programas sociais sejam criados, e que suas características são por ele condicionadas em conjunto com outras variáveis.

Por conta disso, a abordagem desenvolvimentista inaugurada no governo Lula da Silva inicia também a sequência reativa de instituições e processos aqui analisada. Por ser uma condição necessária, é lógico dizer que o desenvolvimentismo assistencial esteve presente em todo o período que essa pesquisa abarcou, uma vez que os Programas Sociais da Defesa continuam a existir até o seu fim. É necessário afirmar ainda que esse fator se relaciona com as variáveis intervenientes que observamos em nossa pesquisa, tanto nos momentos que antecederam os Programas Sociais da Defesa quanto em sua vigência.

Considerando a autonomia militar, o efeito entre variáveis é de adição. Quanto mais o desenvolvimentismo assistencial atuou na elaboração e na implementação dos Programas Sociais da Defesa, mais a autonomia militar se propagou nas instituições de defesa brasileiras e alhures. O nexo fundamental que encontramos nas fontes primárias da pesquisa é o papel dos programas sociais na confirmação da chamada mentalidade de defesa que as instituições de defesa querem fomentar na sociedade. Por meio dos Programas Sociais da Defesa, qual é o papel das Forças Armadas e do Ministério da Defesa diante da sociedade? Eles são os fornecedores de bens públicos de infraestrutura, assistência social, educação, esporte e saúde em regiões distantes e carentes. São ainda o veículo de integração entre estudantes universitários do país e uma educação prática e voltada para o desenvolvimento, são fomentadores da formação de atletas entre comunidades carentes e capacitadores profissionais de jovens egressos do serviço militar obrigatório.

Da mesma forma, observamos a relação aditiva entre desenvolvimentismo assistencial e a crise de identidade das Forças Armadas. Para além da questão da imagem pública,

realçada no parágrafo anterior, buscaremos dar um exemplo de outra natureza. O Programa Calha Norte, como mostramos no capítulo 03, tem suas ações viabilizadas por processo legislativo orçamentário comum. É natural, nesse contexto, que as burocracias civis, militares, federais, estaduais e municipais se relacionem com vistas a organizar a realização das obras na região abrangida pelo programa. Os manuais de convênios do Programa Calha Norte (BRASIL. Ministério da Defesa, 2012) são prolíficos em exemplos de como o processo de viabilização de obras articula O Ministério da Defesa, as Forças Armadas, legislativos municipais, estaduais e federais. O nível de extrapolação do emprego de órgãos das Forças Armadas, nesse contexto, vai além da discussão conceitual abrangente dos papéis de segurança interna ou de natureza civil atribuídos a eles. Então se torna irrefutável o fato de que eles se encontram presentes até mesmo em processos políticos e legislativos de natureza civil e ordinária da administração pública.

A relação entre o que chamamos de desenvolvimentismo assistencial na defesa e o aumento dos investimentos em defesa também é aditiva. A interação entre ambos, como nos demais casos é reflexiva, pois um fator não tem precedência lógica ou temporal sobre o outro. No caso do aumento dos investimentos do governo na pasta da defesa, consideramos primeiramente que abrangeu todas as suas competências, se destinando especialmente à reestruturação da infraestrutura militar das Forças Armadas, articulando a dinamização da indústria de defesa, dentre outros elementos relacionados. Foram empregados, no entanto, também na ampliação e na criação dos Programas Sociais da Defesa, e daí sua relação com o desenvolvimentismo assistencial na defesa.

A última variável que classificamos como interveniente no desenvolvimento dos Programas Sociais da Defesa no Brasil no período 2003-2014 é o foco estratégico na Amazônia. Considerando sua relação específica com a variante desenvolvimentismo assistencial na Defesa, observamos que a variável independente atua no sentido de aumentar o rol de políticas de desenvolvimento, de assistência social e de infraestrutura civil no total de políticas do Ministério da Defesa para a região amazônica. A variável interveniente, por sua vez, age concentrando grande parte das ações dos Programas Sociais da Defesa. Temos primeiramente o Programa Calha Norte, exclusivamente embasado ali, seguido do Projeto Rondon, que embora tenha passado a englobar outras regiões e executar missões especiais temáticas, tem seu conceito político fortemente ligado à Amazônia. A região amazônica também é contemplada por mais da metade das obras reportadas pelos relatórios orçamentários das Ações Subsidiárias e Complementares contidos nos planos plurianuais que

recolhemos do Ministério do Planejamento (BRASIL. Ministério do Planejamento, 2004; BRASIL. Ministério do Planejamento, 2008).

5.3.3.2 Movimento inercial das instituições de defesa e as variáveis intervenientes

Chamamos de “movimento inercial das instituições de defesa”, a tendência de instituições de se perpetuarem no tempo e em seu lócus burocrático, administrativo e político. Esta variável considera apenas o crescimento dos Programas Sociais da Defesa e se refere a seu movimento inercial especificamente. Esse fator, que percebemos estar presente em seu desenvolvimento, foi observado tanto nas bases de pesquisa documental quanto na revisão teórica sobre o institucionalismo histórico. Emprestamos a noção de inércia das percepções de Sanders (2006), Mahoney (2000) e especialmente Pierson (2000), que cada um a sua maneira, defende a tendência das instituições de se perpetuarem. É importante fazer a ressalva que o movimento inercial pode estar presente em uma série de questões institucionais e de defesa. Podemos dar como exemplo uma de nossas varáveis interativas, a autonomia militar, ligada à militarização das instituições, que está presente em várias instâncias da política brasileira e tem forte efeito de autoperpetuação.

Como variável independente, o movimento inercial antecede logicamente os eventos e fatores que lhe são subsequentes, mas em termos cronológicos, ela só passa a existir uma vez que os Programas Sociais da Defesa tenham sido fundados ou relançados. Por conta disso, trata-se apenas de um fator condicionante do desenvolvimento dos programas sociais, e não de sua fundação.

Em suas relações com o desenvolvimentismo assistencial em defesa, o movimento inercial das instituições de defesa tem interação significativa. Ambos os fatores atuam, juntamente com as demais variáveis interativas já apresentadas neste trabalho, no sentido de ampliar conjuntamente seus efeitos sobre a propagação e o aprofundamento institucional dos Programas Sociais da Defesa. Por já termos detalhado a interação entre o desenvolvimentismo assistencial na defesa entre as quatro variáveis exclusivamente interativas, detalhamos a seguir apenas elementos singulares da interação entre elas e o movimento inercial das instituições de defesa.

Como já comentado acima, instituições podem comportar um movimento inercial que contribui para perpetuar seu lugar no espaço e no tempo. O rol de políticas do Ministério da

Defesa é grande e carrega muitos fatores institucionais em seu interior. Além da autonomia militar, que acabamos de utilizar como exemplo, os aumentos do investimento em defesa, o foco estratégico na Amazônia e a crise de identidade das Forças Armadas brasileiras, por serem materiais, assim tendem a se expressar no conjunto da política de defesa, especialmente nos programas sociais.

Quanto à autonomia militar, o quadro está muito relacionado aos efetivos humanos e seu lugar institucional no Ministério da Defesa relativo a políticas empreendidas por meio dos programas sociais. A crise de identidade se manifesta justamente na aceitação de se exercer papéis ligados a atividades que não são de natureza militar e de defesa, ou da administração específica dos instrumentos ligados a isso.

A questão amazônica associada à inércia institucional está ligada à perpetuação do conceito geral de políticas pensadas pelo Estado brasileiro para a região, do lugar dos militares nesse projeto, e pelo fato de o rol de atividades empreendidas ser voltado a tantas atividades assistenciais, de infraestrutura civil, educação e saúde.

Os investimentos na área da defesa, uma vez que a orientação política da área esteja ligada às variáveis descritas, só podem contribuir no sentido de ampliar seus efeitos, na medida em que as receitas geram movimento.

5.3.4 Como se comportam as variáveis nos diferentes mandatos de presidente durante