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Análise Interpretativa Da Parte De Língua Portuguesa Do Currículo em

CAPÍTULO 4 ANÁLISE DOS DOCUMENTOS E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

4.1 Currículo em Movimento dos Anos Finais do Ensino Fundamental do DF

4.1.4 Análise Interpretativa Da Parte De Língua Portuguesa Do Currículo em

A parte referente à LP do documento sobre os anos finais do EF inicia com um breve resumo histórico da disciplina de LP no Brasil, destacando a escrita dos PCN em 1998 que, segundo o documento,

passaram a atender novas demandas curriculares provenientes de um contexto de reestruturação política, econômica e social do país (...) e o ensino da língua, então, priorizou aspectos interacionais e dinâmicos vinculados a contextos de uso em detrimento de uma visão estanque, reduzida à gramática (BRASÍLIA, 2014c, p. 17).

Nesta perspectiva, a SEEDF também destaca o papel que a teoria dos Gêneros do Discurso (BAKHTIN, 1997 [1979]) ganhou pós PCN e a visão de Marcuschi (2008) sobre os gêneros textuais58.

O Currículo em Movimento organiza o ensino de LP em três eixos: análise linguística, leitura/escuta de textos e produção de textos orais e escritos. Já pelo termo análise linguística se pode notar a influência de Geraldi (2011) nas atividades metalinguísticas, semânticas e pragmáticas; já em relação à leitura e à escuta de textos, se pode perceber a influência de Bakhtin (1997 [1979]; 1992a [1929]), já que o documento afirma que aspectos como conteúdo temático, construção composicional e estilo – categorias bakhtinianas - estão envolvidos na compreensão de gêneros. Finalmente, o mesmo ocorre em relação à produção de textos orais e escritos, pois os autores levam em consideração as condições das esferas de circulação destes gêneros e aspectos como “quem”, “ para quem”, “para quê”, “quando”, “como” e “o que” se produz.

Neste aspecto, o Currículo em Movimento está em consonância com os PCN, pois estes são baseados na Teoria dos Gêneros de Bakhtin e seu Círculo (1997 [1979]) a fim de dar conta da interpretação e compreensão de textos orais e escritos.

Como já adiantamos, é em quadros que a SEEDF organiza os objetivos e os conteúdos dos 6º, 7º, 8º e 9º anos do EF, cada um colorido de uma determinada cor que, por sua vez, representa uma disciplina.

Os quadros possuem apenas duas colunas: objetivos e conteúdos e não há uma relação explícita entre esses aspectos; cabe ao professor leitor relacioná-los. Um outro fator é que esses objetivos e conteúdos não estão em números iguais. Em todos os quadros, de todos os anos, há

58 É adequado ressaltar que, neste ponto, o Currículo em Movimento não distingue as duas teorias e não vai além

mais conteúdos do que objetivos, ou seja, os objetivos devem ser alcançados por meio da abordagem de vários conteúdos. Segue o exemplo dos quadros relativos ao 6º ano:

Tabela 5 - Quadros de objetivos e conteúdos do 6º ano do Currículo em Movimento do DF (BRASÍLIA, 2014c, p. 19 a 21) – grifo nosso.

O objetivo “desenvolver o letramento, utilizando o texto e sua diversidade no processo de construção de significados, assim como a expressão do pensamento” (BRASÍLIA, 2014c, p. 19) pode ser atingido por meio de abordagem de vários dos conteúdos ali citados, como por exemplo, “tipos e gêneros textuais”, já que entre os diversos gêneros está a grande diversidade do texto, oral e escrito, multimodal e monomodal desde que estes sejam abordados em sala de aula.

No 6º ano, estão previstos para serem trabalhados tipos como a narrativa/narração e a descrição e gêneros instrucionais como bulas de remédio, receitas, manuais; da esfera jornalística; história em quadrinhos; fábulas; contos de fadas; mitos e lendas gregos, africanos e indígenas; resumo e relato pessoal.

Aliás, esta é uma lista bastante diversificada e que parece não seguir uma linha de raciocínio exata, já que mistura gêneros das esferas instrucional e jornalística com gêneros de esferas totalmente distantes, digamos assim, como por exemplo, da literária. Também não parece haver uma hierarquia ou uma relação de importância entre eles.

Apesar de letramento estar explícito apenas neste objetivo específico, inferimos que a concepção de letramento possa estar presente em outros, mas de maneira implícita. Como exemplo, podemos citar o objetivo “compreender e interpretar textos orais e escritos em diferentes situações de participação social”, ou seja, temos aqui uma prática social de leitura/escuta; no objetivo “conhecer e analisar criticamente usos da língua como veículo de

valores e preconceitos de classe, credo, gênero, procedência e/ou etnia”, podemos inferir que está implítico o conceito de letramento crítico e, talvez, os multiletramentos; já no objetivo “identificar elementos que constituem os diversos gêneros orais ou escritos e produzi-los”, inferimos que também está incutido a concepção de letramentos, já que a produção de diversos gêneros requer letramentos múltiplos.

Concluimos que, neste caso, o mesmo subentendimento presente tanto nos pressuspostos teóricos quanto no documento específico para os anos finais do EFf se mantém nos quadros de objetivos e conteúdos de cada ano, exceto no que concerne à gramática normativa, já que os objetivos e conteúdos inerentes a ela estão postos de modo explícito e mais claro.

Um exemplo disso é o objetivo “reconhecer, identificar e refletir sobre a função das classes de palavras em diferentes textos”, o qual podemos relacionar aos conteúdos “substantivo”, “adjetivo”, “locução adjetiva”, “pronomes pessoais, possessivos, demonstrativos e indefinidos”, “numeral”, “verbo” e “interjeição”.

Nos demais quadros de objetivos e conteúdos, ocorre o mesmo, até porque há objetivos repetidos. Os quadros do 8º ano, por sua vez, trazem objetivos como “analisar e refletir sobre a língua e sua diversidade em diferentes situações comunicativas” (BRASÍLIA, 2014c, p. 24) que falam da concepção de letramento, já que diferentes situações comunicativas são práticas sociais de uso da língua e, como a expressão está no plural, fala também da concepção de letramentos, pois são diversas as situações comunicativas nas quais estamos inseridos no cotidiano. O mesmo ocorre com o objetivo “identificar e analisar gêneros de diferentes constituições tipológicas (narrar, descrever, expor, argumentar e prescrever) em diferentes esferas (escolar, jornalística, televisiva, literária)” (idem), já que circulamos por várias esferas em um mesmo dia.

Ainda a respeito do 8º ano do EF, o objetivo “analisar diferentes discursos veiculados por meio de comunicação, considerando as diversas tecnologias” (idem) nos remete aos ao letramento digital que, por sua vez, abarcam as novas tecnologias. Porém, mais uma vez, não fica claro se o novo ethos (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007, p. 07) está contemplado neste objetivo.

Por fim, mas não menos importante, nos quadros do 9º ano há o seguinte objetivo: “reconhecer a relevância da prática cidadã e humanista na aquisição de saberes” (BRASÍLIA, 2014c, p. 29), ao qual podemos relacionar aos multiletramentos que buscam, por meio de uma educação linguística, o pluralismo cívico na esfera da cidadania (ROJO, 2013). Outro objetivo do 9º ano é “apropriar-se de conhecimentos interdisciplinares e aplicá-los na produção de

Tabela 6 - Quadros de objetivos e conteúdos do 8º ano do Currículo em Movimento do DF (BRASÍLIA, 2014c, p. 24-25) - grifos nossos.

variados discursos” (BRASÍLIA, 2014c, p. 29), ao qual relacionamos à concepção de letramentos, pois estes são necessários na distinção da produção de variados discursos.

O “letramento crítico” pode ser inferido em dois objetivos finais do 9º ano: “compreender e refletir sobre o uso da língua em diferentes situações de interlocução” (idem), já que a adequação linguística pode ser relacionada ao letramento crítico e “confrontar opiniões, expressar ideias, despertando a criticidade por meio de argumentos” (idem).

Ao analisarmos todos os quadros de objetivos e conteúdos dos anos finais do EF, notamos que, no eixo da leitura e da escrita, a prioridade é dada aos gêneros que circulam nas esferas mais tradicionais, como a literatura canônica, a jornalística e a científica, como por exemplo, fábulas, carta, relato pessoal (6º ano); poesia, reportagens e entrevistas (7º ano); crônicas, charges e memórias (8º ano) e contos, debates, textos humorísticos, resenha, carta de reclamação, artigo de opinião, convite, memorando, requerimento, carta comercial, formulário, currículo, poesia visual e cordel (9º ano).

Nos 8º e 9º anos podemos perceber uma ênfase maior na criticidade dos gêneros e dos letramentos, mas, mesmo assim, ainda não há diversidade, já que não a presença de, por exemplo, letras de rap ou funk ou outro ritmo que faça parte da coleção dos alunos; há a afirmação, no 7º ano, de “letras de músicas de estilos variados com ênfase em cidadania” (BRASÍLIA, 2013c, p. 22), mas não há especificidade. Também não há menção aos gêneros da esfera digital, salvo mensagem eletrônica, com exceção do 6º ano; posts, fanfics, podcasts, vídeos não são mencionados.

Em relação ao eixo da análise linguística, apesar de mencionar este termo específico, há conteúdos como frase, oração e período; tipos de sujeito e tipos de predicados; em relação ao 8º ano, há adjunto adnominal e complemento nominal; período simples e composto e orações coordenadas; o 9º ano prossegue com orações substantivas, adjetivas e adverbiais. Ou seja, a nomenclatura e o modo como tais conteúdos estão colocados nos remete à gramática normativa tradicional.