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3. METODOLOGIA

3.4 Análise de dados

A fim de propor contribuições ao processo de internacionalização do etanol, foi utilizada a Metodologia de Sistemas Flexíveis (SSM) por ter sido “projetada para ajudar a formular e resolver situações chamadas de soft, problemas complexos e geralmente com vários componentes humanos” (MARTINELLI; VENTURA, 2006, p.163) ou ainda, por trazer aos praticantes novos pensamentos ou guias para lidar com a complexidade do mundo real (ZEXIAN; XUHUI, 2010), ou seja, a pesquisa analisou uma situação ainda pouco estruturada ou mesmo com aspectos obscuros e sem objetivos definidos.

Em seu artigo, Checkland (2000) faz uma retrospectiva sobre o surgimento da SSM que tem como base a Teoria Geral dos Sistemas (TGS). Fundada pelo biólogo alemão Ludwing Von Bertalanffy na década de 30, a TGS propõe que as questões complexas devem ser analisadas a partir de uma perspectiva sistêmica, em que o “todo é maior do que a soma das partes”, visto que a análise estática e isolada não era suficiente para compreender as questões complexas. Nesse sentido, considera como sistema um conjunto de elementos interdependentes com o intuito de atingir um objetivo (MARTINELLI; VENTURA, 2006).

Contudo, a TGS não prosperou, visto que os conceitos e metodologias propostos não foram suficientes para lidar com a complexidade que envolve as situações reais (ZEXIAN; XUHUI, 2010). Isso se deve ao fato de que a TGS foi influenciada pelas ciências exatas. Checkland (2000) reconhece que a aplicação direta das ferramentas proporcionadas pela engenharia de sistemas não era bem sucedida em situações altamente complexas.

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Deste modo, Checkland buscou desenvolver uma metodologia para lidar com a complexidade das situações reais (ZEXIAN; XUHUI, 2010). Em suas próprias palavras, “o fato de que a TGS tenha falhado em suas aplicações não significa que o pensamento sistêmico em si falhou” (CHECKLAND6, 2000, p. S11, tradução nossa). O processo de aprendizado

decorrente da TGS levou ao desenvolvimento da SSM por Checkland.

Checkland (2000) observa que as situações envolvem fatores humanos, ou seja, que as pessoas agem de maneira intencional na busca por atingir um determinado objetivo considerado significativo para elas. Dada a complexidade de qualquer situação que envolve fatores humanos, verifica-se que as pessoas podem agir de diversas maneiras, sendo necessário adotar um ponto de vista ou perspectiva para aquela situação. Dessa maneira, houve uma evolução, pois a TGS analisava a situação problema como sendo decorrente de um único ponto de vista.

Nesse sentido, as metodologias científicas podem ser classificadas em hard e soft. A metodologia hard deriva das ciências exatas e envolve análise quantitativa. Sua principal fragilidade é a incapacidade de lidar com a diversidade, as diferenças e os conflitos decorrentes das diferentes formas de se ver o mundo e os valores das pessoas que compõem uma organização (ZEXIAN; XUHUI, 2010). Desta maneira, a metodologia hard pode ser utilizada para “problemas e situações bem estruturadas e com objetivos definidos” (MARTINELLI; VENTURA, 2006, p. 163).

Em contrapartida, a metodologia soft é utilizada em situações cujos problemas não estão claramente definidos e estruturados. Essa metodologia é útil por considerar na mesma análise diferentes percepções do mesmo problema: diversos stakeholders que apresentam diferentes visões do mundo, mas estão envolvidos no mesmo sistema (MARTINELLI; VENTURA, 2006).

Para Checkland (2000) a principal diferença entre a metodologia hard e soft está no entendimento de cada abordagem sobre o conceito de sistema. Enquanto a metodologia hard considera o conceito de sistema adotado por Bertalanffy na TGS em que sistema é considerado como uma parte do mundo, como no caso do sistema legal, sistema educacional, sistema de transporte etc. Já a metodologia soft considera “o sistema como um conceito construído subjetivamente pelas pessoas ao invés de entidades objetivas no mundo”. (ZEXIAN; XUHUI, 2010, p. 143). A Figura 10 ilustra a diferença do conceito de sistema adotado por cada abordagem.

6 “But the fact that general systems theory (GST) has failed in its application does not mean that systems thinking itself has failed (CHECKLAND, 2000, p. S11).

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Figura 10: Os conceitos de sistema adotados pelas abordagens hard e soft. Fonte: CHECKLAND (2000, p. S18)

Segundo Zexian e Xuhui (2010), a SSM de Peter Checkland foi submetida por um longo processo evolutivo e tem sido desenvolvida pela reflexão e prática intermináveis. Ainda em seu estudo, os autores mencionam críticas ao modelo como subjetividade e idealismo, o fato de ignorar fatores sociais da organização como assimetria de poder, conflitos estruturais e contradições. Mesmo diante dessas críticas, os autores reconhecem a importância da SSM na evolução do pensamento sistêmico.

A SSM busca resolver problemas complexos que envolvem diversos elementos humanos, sendo que o mesmo problema é percebido de maneira diferente por cada um dos componentes humanos. Desta forma, a aplicação da SSM está sujeita a sete etapas (Figura 11) que abrangem a análise do problema no mundo real e também no mundo sistêmico. (MARTINELLI; VENTURA, 2006).

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Figura 11: Estágios da análise sistêmica SSM Fonte: MARTINELLI, 2006

O estágio 1 refere-se a averiguação da situação problema que é feita a partir de observações, entrevistas e coleta de informações. Essa etapa tem o intuito de verificar as diferentes percepções (weltanschauungen) que cada stakeholder tem da mesma situação.

O estágio 2 trata da definição e estruturação da situação problema, relacionando estrutura e processo, identificando o maior número de relacionamentos existentes. A situação problema pode ser representada por meio da “figura rica” que expressa percepções sobre diferentes aspectos da situação analisada e inclui pensamentos e desejos dos stakeholders.

Já o estágio 3 refere-se a formulação das definições essenciais existentes no sistema com o intuito de melhor entendê-lo e revelando seus principais elementos. Para facilitar a concepção das definições essenciais, Checkland (1981 apud MARTINELLI; VENTURA, 2006) sugeriu o guia CATWOE apresentado no Quadro 10. Esse guia permite compreender como o processo de transformação (T) é percebido (W) por cada ator (A). Esse processo é feito para atender determinados clientes (C) em um determinado ambiente (E), sendo controlado pelos proprietários (O) do sistema.

1. Identificação da situação considerada problemática 2. Estruturação da situação-problema 3. Definição das raízes dos sistemas

relevantes 4. Construção dos modelos conceituais dos sistemas relevantes 5. Comparação dos modelos conceituais com o mundo real 6. Seleção de mudanças sistematicamente desejáveis e culturalmente viáveis 7. Ações para melhorar a situação problema Mundo real Pensamento sistêmico sobre o mundo real

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Sigla Componentes Definição

C Clientes (Internos e Externos) Quem são os beneficiários ou as vítimas da ação proposta?

A Atores Quem desempenha/conduz as principais atividades do sistema?

T Processo de Transformação Qual é a transformação feita pelo sistema em questão? (Entrada  Processo de Transformação  Saída)

W weltanschauungen Como o sistema é percebido por cada ator? Qual a visão de mundo de cada um?

O Owners (Proprietários) Aqueles que têm a autoridade para decidir sobre o futuro do sistema, aqueles que têm o poder de fazê-lo iniciar ou cessar.

E Environment (Ambiente)

Quais são os fatores que afetam o ambiente em que o sistema está inserido? Definição das limitações resultantes da ação de

elementos externos ao sistema, presentes no ambiente em que este se encontra.

Quadro 10: Guia CATWOE para a concepção das definições essenciais presentes no sistema. Fonte: Checkland, 1981 apud MARTINELLI; VENTURA, 2006, p. 168

A elaboração de modelos conceituais é realizada no estágio 4. A partir das definições essenciais presentes no sistema, torna-se possível estruturar as atividades que são necessárias para alcançar os objetivos esperados.

O próximo estágio envolve a comparação entre a realidade e o modelo conceitual ideal elaborado no estágio 4, considerando-se as diferentes percepções que cada stakeholder possui do sistema, verificando-se quais mudanças que devem ser realizadas.

A partir da comparação, deve-se selecionar as mudanças propostas que são viáveis e desejáveis. Nesse ponto, considera-se a cultura predominante no sistema, bem como a viabilidade econômico-financeira dessa mudança.

Por fim, o estágio 7 permite a proposição de ações para solucionar o problema e as suas respectivas implementações.

Esta metodologia é considerada adequada para a presente pesquisa, visto que busca-se analisar os investimentos brasileiros em unidades de produção em outros países a partir de um ponto de vista sistêmico, no qual os principais elos do setor sucroenergético brasileiro são abordados, bem como a percepção dos governos brasileiro e moçambicano. Para enriquecer a discussão e agregar informações necessárias, a pesquisa também inclui a perspectiva de especialistas e pesquisadores do tema.

O Quadro 11 apresenta a síntese do desenvolvimento da pesquisa. A partir dos objetivos específicos foram definidos três dimensões: internacionalização do etanol; desenvolvimento da produção de biocombustíveis, como foco em etanol de cana-de-açúcar,

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em países africanos e saída de investimentos brasileiros para a produção de etanol de cana-de- açúcar em países africanos. Essa separação foi feita para facilitar o entendimento de cada um dos objetivos específicos.

Pergunta Objetivo Geral Objetivos específicos Fonte de Informação Resultados Quais são as perspectivas e os desafios para o investimento direto com capital misto brasileiro na produção de etanol em países africanos? Analisar os desafios enfrentados por empresa de capital misto brasileiro para investir na produção de etanol em outros países africanos, como no caso de Angola.

Verificar as perspectivas e entraves para a internacionalização do etanol.

Referencial

teórico  Teorias da internacionalização  Internacionalização do etanol Estágio 2 SSM – Dimensão da Internacionalização Entrevistas  Estágio 1 SSM – Dimensão da Internacionalização do etanol

Conhecer e analisar os principais desafios para o investimento direto na produção de etanol de cana-de-açúcar com capital misto brasileiro em países

africanos.

Referencial teórico

 Produção de biocombustíveis em países africanos

 Investimento direto estrangeiro na África

Estágio 2 SSM – Dimensão: Produção de etanol de cana-de-

açúcar na África Entrevistas  Estágio 1 SSM – Dimensão: Produção de etanol de cana-de-açúcar na África

Verificar as dificuldades e perspectivas que as empresas do setor sucroenergético

brasileiro enfrentam dentro do Brasil para investir em novas fronteiras de

produção.

Referencial teórico

 Teorias da internacionalização

 Brasil: Referência mundial na produção de etanol Estágio 2 SSM – Dimensão: Saída de investidores brasileiros para a produção de etanol de cana em países africanos Entrevistas  Estágio 1 SSM – Dimensão: Investidores brasileiros na África

Propor ações ao governo brasileiro com o intuito de estimular o desenvolvimento da produção de etanol de cana-de-açúcar em países africanos, bem como estimular os empresários brasileiros a investirem

em nesses países.

Todos os capítulos do referencial teórico e entrevistas. Estágios 6 e 7 SSM

Quadro 11: Síntese do desenvolvimento da pesquisa. .

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Conforme o Quadro 11, para cada uma das dimensões foi feita uma análise de dados e apresentação de resultados.

Para responder o objetivo específico “verificar as perspectivas e entraves para a internacionalização do etanol” a análise de dados envolveu duas etapas. Primeiro, foi feita uma revisão teórica sobre a dimensão “internacionalização do etanol”, em que se buscou apresentar um panorama da internacionalização do etanol, caracterizando-se as principais barreiras e perspectivas. Em seguida, os mesmos pontos foram analisados, mas a partir da visão dos entrevistados, cujas informações foram compiladas no Estágio 1 (Dimensão – Internacionalização do etano) do SSM. Os resultados são apresentados no estágio 2 do SSM dentro da dimensão “internacionalização do etanol” e foram obtidos a partir de uma análise cruzada entre as informações obtidas no referencial teórico e no estágio 1 do SSM.

Os mesmos procedimentos foram adotados na análise de dados e apresentação dos resultados para os objetivos específicos “conhecer e analisar os principais desafios para o investimento direto na produção de etanol de cana-de-açúcar com capital misto brasileiro em países africanos” e “verificar as dificuldades e perspectivas que as empresas do setor sucroenergético brasileiro enfrentam dentro do Brasil para investir em novas fronteiras de produção”.

A partir de um entendimento sistêmico das questões discutidas acima, foi possível responder ao objetivo “propor ações ao governo brasileiro com o intuito de estimular o desenvolvimento da produção de etanol de cana-de-açúcar em países africanos, bem como estimular os empresários brasileiros a investirem em nesses países”. Para tanto, no estágio 2 do método SSM foram identificadas duas situações-problema, sendo que a proposta de ações para melhorar o sistema é feita nos estágios 6 e 7 do SSM. Foi necessária a divisão em duas partes para responder a cada uma das situações-problema.

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