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Análise pela exclusão: as ações não cabíveis para o controle do processo

CAPÍTULO 4 – MECANISMOS JUDICIAIS PARA CONTROLE DO

4.1. Análise pela exclusão: as ações não cabíveis para o controle do processo

Antes de tratar especificamente do mandado de segurança parlamentar como o instrumento hábil a provocar a jurisdição constitucional sobre o processo legislativo, é interessante passar por uma breve análise das outras ações que poderiam remeter ao controle debatido, mas que por peculiaridades que lhes são inerentes foram afastadas. Cabe lembrar que se trata de controle de constitucionalidade preventivo sobre atos do iter procedimental que afrontam a Constituição diretamente ou as normas regimentais, vistas como materialmente constitucionais pelos motivos já elencados anteriormente. Dito de outra forma, afere-se a violação do devido processo legislativo como violação à Constituição.

O primeiro instrumento a ensejar menção é a Ação Civil Pública, suscitada como possibilidade por Barbosa (p. 202) ao partir da análise do devido processo legislativo como direito de titularidade difusa138, o que encontraria fundamento noart. 1º, inc. IV da Lei nº 7.347/85, que disciplina a ACP139

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No entanto, por mais que a doutrina especializada (Cattoni de Oliveira, 2016; Bernardes Júnior, 2009; Del Negri,

136 E seus equivalentes nas Assembleias Legislativas Estaduais e Câmaras Municipais. 137

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.

§ 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.

138 O art. 81, inc. I do Código de Defesa do Consumidor dita que direitos ou interesses difusos são os

transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. A partir dessa leitura Leonel (p. 93) ensina que os interesses difusos “se referem a grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste um vínculo jurídico ou fático muito preciso, possuindo objeto indivisível entre os membros da coletividade, compartilhável por número indeterminado de pessoas”.

139 Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de

responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (…)

2011; dentre outros) venha reforçando a publicidade do interesse sobre o devido processo legislativo, o próprio autor já exclui essa possibilidade assim que a elenca. Segundo aponta, uma vez que a apreciação de violação a norma constitucional ou regimental sobre processo legislativo enseja a declaração de inconstitucionalidade, a ACP seria uma via disfarçada para conferir efeitos erga omnes ao controle de constitucionalidade, usurpando a competência do STF.

Afasta-se, também, a possibilidade de controle mediante propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade, instrumento destinado ao controle abstrato140 de ato normativo após a conclusão do processo legislativo. Meirelles et al. (2017, p. 461) apontam que a orientação sobre a ADI exclui a possibilidade de sua propositura em caráter preventivo. Como consectário lógico, afasta-se também a possibilidade de propositura de Ação Declaratória de Constitucionalidade para apreciar vícios no iter procedimental, já que não se fala em controle concentrado preventivo, entendimento sedimentado pelo STF ao afirmar que a ADI só pode ter “como objeto juridicamente idôneo leis e atos normativos, federais e estaduais, já promulgados, editados e publicados” 141. Afinal, sem o fim escorreito do processo legislativo não há objeto (lei em tese) a ser julgado inconstitucional como produto final.

O instrumento processual que mais se aproximou de ser o adequado ao controle do processo legislativo (desconsiderando-se o mandado de segurança) foi a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, cujo artigo 1º elenca como objeto “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”, sendo o devido processo legislativo um direito fundamental. A hipótese de cabimento da ADPF sempre recebe significativas considerações da doutrina especializada desde o início dos estudos sobre este instrumento.

Em um breve apanhado histórico, Meirelles et al. (p. 628) contam que a entrada em vigor da Constituição de 1988 alterou radicalmente a relação entre os controles concentrado e difuso, reforçando aquele em detrimento deste. Acusam os autores que “subsistiu um espaço residual expressivo para o controle difuso relativo às matérias não suscetíveis de exame no controle concentrado”, em virtude do qual surgiu

140 O controle abstrato, feito de forma concentrada, busca a aferição da (in)constitucionalidade de lei ou

ato normativo em tese, independentemente de a análise partir de um caso concreto, sendo concentrado em um único órgão de cúpula. Já o controle concreto, procedido de maneira difusa, é exercido por juízes em qualquer esfera normativa (respeitada a competência do órgão jurisdicional) ao analisar a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição a partir de um caso concreto. No Brasil se diz existir o modelo judicial misto, em que coexistem os dois modelos mencionados.

a ideia de desenvolvimento de um “incidente de inconstitucionalidade” ao qual se somou a proposta da arguição de descumprimento de preceito fundamental para colmatar as lacunas existentes no quadro de competências do STF.

Face ao problema que se apresentava, em 1997 foi instituída, por sugestão de Íris Resende, então Ministro da Justiça, a Comissão Celso Bastos, que elaborou anteprojeto de lei disciplinando a ADPF (GOMES, 2008, p. 348). A proposta cuidava dos principais aspectos do processo e do julgamento da ADPF, estabelecendo o rito perante o STF, os legitimados ativos, os pressupostos para sua instauração e os efeitos da decisão.

Paralelamente, tramitava no Congresso Nacional o PL nº 2.872, de autoria da Deputada Sandra Starling, que também objetivava disciplinar a ADPF, mas recebia o nome de “reclamação”, devendo ser formulada ao STF por um décimo dos deputados ou senadores (MEIRELLES et al., p. 630). Insta pontuar, como o faz Gomes (p. 349), que o foco do projeto de lei se diferenciava do proposto pela Comissão Celso Bastos. A ideia da reclamação visava proteger os preceitos fundamentais quando a violação decorresse de inobservância do processo legislativo constitucional ou da interpretação e aplicação dos regimentos internos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados ou do regimento comum do Congresso Nacional.

O projeto de lei, que resultou na Lei nº 9.882/99, foi relatado pelo Dep. Prisco Viana, que ofereceu um substitutivo142 bastante semelhante ao anteprojeto da Comissão Celso Bastos, mas mantendo o cabimento da arguição em face de interpretação ou aplicação dos regimentos internos. Após a tramitação do projeto no Legislativo, contudo, ele foi parcialmente vetado pelo Presidente da República (Mensagem 1.807, de 1997), excluindo o cabimento de ADPF em face de interpretação ou aplicação dos regimentos parlamentares. O veto, que foi mantido pelo Congresso Nacional, trazia em suas razões:

Não se faculta ao Egrégio Supremo Tribunal Federal a intervenção ilimitada e genérica em questões afetas à "interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas casas, ou regimento comum do Congresso Nacional" prevista no inciso II do parágrafo único do art. 1o. Tais questões constituem antes matéria interna corporis do Congresso Nacional. A intervenção autorizada ao Supremo Tribunal Federal no âmbito das normas constantes de regimentos internos do Poder Legislativo restringe-se àquelas em que se reproduzem normas constitucionais.

142 Substitutivo, conforme ensina Kildare Carvalho (2014, p. 196), é uma emenda apresentada como

Ao fim, ficou estabelecida a inviabilidade de propositura da ADPF no processo legislativo, seja pelo veto ao projeto de lei nessa parte, seja pela tradição brasileira de não se falar em controle judicial preventivo no controle concentrado (FERNANDES, p. 996).

A ideia, contudo, não passou despercebida, havendo aqueles que exaltam ainda as vantagens da ADPF sobre o mandado de segurança para o controle do processo legislativo. Meirelles et al. (p. 683) são simpáticos à admissibilidade da arguição de descumprimento de preceito fundamental que tenha como objeto proposta de emenda à Constituição143 por duas razões. Primeiramente, porque o art. 6º, § 1º, da norma disciplinadora da ADPF autoriza a ampliação do debate constitucional com a oitiva de pessoas com experiência e autoridade na matéria, seja pela via dos amici curiae144, seja pela realização de audiências públicas145. A outra razão é a ampliação do rol dos legitimados ativos para a propositura da arguição, que segue a mesma sistemática dos legitimados pela Constituição para propor ADI146, em contraposição à restrição do mandado de segurança, que se limita aos parlamentares.

Por sua vez, Barbosa (p. 203) também elenca as vantagens do uso da ADPF sobre o mandado de segurança, enquanto instrumento de controle concentrado. Primeiramente, o fundamento de se evitar lesão a preceitos fundamentais justificaria o uso da arguição no controle do processo legislativo para evitar que uma norma viciada

143 Embora nesta parte da obra os autores só mencionem a PEC como objeto da ADPF, o entendimento se

amplia para a tramitação de projetos de lei em geral.

144 Chevitarese (p. 309) aponta que, embora não haja previsão expressa para participação de amicus

curiae em mandado de segurança, a doutrina defende sua admissão. Soma-se a isso que, na análise do MS n. 32.033/DF, a maioria do STF entendeu pelo cabimento do amigo da corte em mandado de segurança na hipótese de tramitação de projeto de lei, por constituir matéria de interesse público, o que demanda uma discussão ampla.

145 § 1o Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição,

requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

146 Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de

constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

entrasse em vigor. E no caso de aprovação superveniente da lei, enquanto que o manejo de mandado de segurança acarreta a perda do seu objeto, com a ADPF a promulgação da norma não ensejaria a prejudicialidade da ação, mas, quando muito, sua conversão em uma ADI, pois que, em princípio, as duas vias processuais seriam fungíveis.

Apesar de pertinentes as considerações dos doutrinadores supra, a jurisprudência afasta a hipótese de propositura da ADPF para controle de constitucionalidade sobre vício no processo legislativo. Restou, portanto, o remédio constitucional do mandado de segurança como opção válida de provocação do Judiciário, enquanto solução de lege ferenda até se pensar na criação de um instrumento próprio, como defende Chevitarese (p. 314).