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CAPÍTULO 1 – O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE

1.2. O bloque de constitucionalidad espanhol

1.2.1. Estrutura legislativa espanhola

Entender ao menos as ideias gerais acerca da estrutura legislativa espanhola revela-se importante para melhor entender como funciona o bloco espanhol na relação com os Estatutos de Autonomia e as demais leis do país.

Segundo Cardell (1999, p. 107), a Constituição Espanhola se estrutura de acordo com o princípio da hierarquia (em relação a normas que regulam a mesma matéria) e o da competência (que relaciona normas que tratam de questões distintas), sendo que a Constituição remanesce como norma diretamente vinculante. O poder se reparte em uma divisão horizontal, conforme a tripartição dos poderes, e em uma divisão vertical de competências em favor das Comunidades Autônomas. Esse sistema,

como pontua a autora, permite a otimização da distribuição das competências e dos recursos que garantem os direitos fundamentais dos cidadãos.

Em se tratando da estrutura legislativa em si, começa-se mencionando as leis ordinárias, que não encontram referência direta na Constituição, apenas limite de temas acerca dos quais não podem versar (PINIELLA SORLI, 1994, p. 92). Em geral, a limitação está no quórum de maioria absoluta para matérias reservadas à lei orgânica, elencadas no artigo 81 da Constituição: “Son leyes orgánicas las relativas al desarrollo de los derechos fundamentales y de las libertades públicas, las que aprueben los Estatutos de Autonomía y el régimen electoral general y las demás previstas en la Constitución”.

Assim como acontece na distinção entre lei ordinária e lei complementar no Brasil, há autores espanhóis que posicionam a ley orgánica como hierarquicamente superior à ley ordinaria, não podendo esta última derrogar a primeira. Mas, como explica Piniella Sorli (p. 113), outros doutrinadores defendem que a inderrogabilidade é decorrente não de uma hierarquia de fontes, mas da diferenciação das competências entre as duas espécies normativas, cabendo à ley orgánica matéria especialmente reservada e à ley ordinaria um caráter residual.

Menciona-se ainda o Decreto-Ley, similar à medida provisória brasileira, previsto como norma jurídica com força de lei, emanado pelo Executivo e que encontra cabimento em situações de urgência e necessidade excepcional (Piniella Sorli, p. 117). Por fim, vale lembrar o Decreto-Legislativo, previsto no artigo 82 da Constituição Espanhola, editado quando o Parlamento delega ao Executivo o poder de dispor sobre matéria com força de lei, desde que não seja de exclusividade de ley orgánica. Nota-se a semelhança com a Lei Delegada, prevista no art. 68 da CRFB/88.

O ponto que mais merece atenção é, contudo, a matéria dos Estatutos de Autonomia das Comunidades Autônomas, cujo reconhecimento e importância foram dispostos no Título Preliminar da Constituição da Espanha:

Artículo 2

La Constitución se fundamenta en la indisoluble unidad de la Nación española, patria común e indivisible de todos los españoles, y reconoce y garantiza el derecho a la autonomía de las nacionalidades y regiones que la integran y la solidaridad entre todas ellas.

Como elucida Piniella Sorli (p. 38), a Constituição garantiu uma formalização centralizadora do poder público, mas uma solução federalista para adequar um

complexo sistema de descentralização político-administrativa no país, o que permite certo nível de autogoverno das Comunidades Autônomas, enquanto parte do Estado. Em decorrência da repartição do poder entre Estado e Comunidades não se fala mais em um sistema de fontes normativas amparado exclusivamente no critério hierárquico, mas em harmonia com o princípio de distribuição de competências.

Embora possa parecer que os Estatutos sejam similares às Constituições Estaduais em um Estado federativo, Rubio Llorente (p. 26) chama a atenção de que esse paralelismo não é adequado. Como aponta o autor, a integração dos Estatutos na “Constituição total” (bloco de constitucionalidade) faz daqueles uma medida de controle da validade das leis do Estado Central, função não desempenhada por constituições estaduais, tais quais as constituições dos estados brasileiros quanto às leis da União.

A distribuição das competências entre o Estado Central e as Comunidades Autônomas na Constituição de 1978 se desdobra em quatro classes, como aponta Piniella Sorli (p. 53): matérias de reserva exclusiva/absoluta do Estado; matérias de reserva exclusiva das Comunidades Autônomas; matérias de competência concorrente entre Estado e Comunidades; e matérias de competência compartilhada. Segundo o autor (p. 51), as matérias se distribuem em sentido vertical e horizontal. No primeiro caso distribui-se a matéria de forma que ao Estado compete a parte de essencial interesse a sua unidade, cabendo às Comunidades o desenvolvimento residual da matéria. Já a distribuição horizontal do poder se dá quando a cada ente corresponde uma matéria distinta.

Não interessa neste momento explorar cada uma das divisões, apenas mostrar que há uma relação de divisão hierárquica e competencial entre Estado e Comunidades. Resulta disso que os Estatutos de Autonomia ocupam um lugar de preferência com relação às leis formais estatais, embora se subordinem à Constituição enquanto norma fundamental do ordenamento. A ressalva que Piniella Sorli (p. 207) faz é que, embora hierarquicamente inferior à Constituição, os Estatutos formam parte do bloco de constitucionalidade espanhol34, alcançando uma posição superior no sistema de fontes, já que nem as leis do Estado, nem das Comunidades Autônomas podem modificá-los. Sua alteração só ocorre pela ley orgánica competente para tanto.

34 Guerrero Zazueta (p. 29) levanta que os Estatutos de Autonomia fazem parte do bloco de

constitucionalidade por duas razões. Em primeiro lugar porque ao terem como objeto a distribuição de competências como limite ao poder, suas normas são tidas como materialmente constitucionais. Também porque essas normas devem ser tomadas como formalmente constitucionais por serem indisponíveis ao legislador ordinário.

Feita essa breve digressão acerca da estrutura normativa espanhola e, em especial, sobre o papel dos Estatutos de Autonomia, cabe a seguir explorar o desenvolvimento do bloque de constitucionalidad na Espanha.