• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE

1.2. O bloque de constitucionalidad espanhol

1.2.2. Evolução histórica do bloque espanhol

A doutrina especializada (a exemplo de Guerrero Zazueta, p. 26; Rubio Llorente, p. 10; Lopes e Chehab, 2016, p. 83) indica que a existência do bloque de constitucionalidad foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional na decisão STC 10/1982, de 23 de março de 1982. No caso em comento o Advogado do Estado interpôs recurso de inconstitucionalidade contra a Ley de la Generalidad de Cataluña, que regulava o Conselho de Radio e Televisão Espanhola na Catalunha. Alegava o representante do Estado Espanhol que era competência exclusiva do Estado Central dispor sobre o regime de radiodifusão e televisão.

Nos fundamentos da decisão proferida houve menção expressa à existência de um bloco de constitucionalidade, partindo da ideia de que a Constituição atribui ao Estado a competência exclusiva para dispor sobre as regras básicas, cabendo às Comunidades seu desenvolvimento e execução. Assim se denota do seguinte extrato retirado da fundamentação da sentença:

Para interpretar debidamente la normativa aplicable al caso, el “bloque de constitucionalidad” que ha de servir de base para enjuiciar la Ley impugnada, hay que partir del hecho de que la Constitución se remite con carácter general a los Estatutos para que éstos determinen las competencias autonómicas. Así, el art. 149.1.27 de la Constitución, al atribuir al Estado competencia exclusiva sobre las “normas básicas” del régimen de la radio y la televisión, lo hace “sin perjuicio de las facultades que en su desarrollo y ejecución correspondan a las Comunidades Autónomas”. La norma atributiva de competencias a la Comunidad Autónoma es, pues, en principio, la norma estatutaria. Ahora bien, en ocasiones, junto a esta modalidad definidora de ámbitos competenciales, el encargo de definir competencias se condiciona en la Constitución a lo que disponga una Ley, y no faltan supuestos en que el propio Estatuto restringe la asunción de competencias posibles remitiéndose también a una Ley. Este último es precisamente el supuesto del art. 16.1 del E. C., por cuanto las competencias de “desarrollo legislativo” y de “ejecución” que pudiera asumir la Generalidad “en el marco de las Leyes básicas del Estado” se hizo “en los términos y casos establecidos en la Ley que regule el Estatuto Jurídico de la Radio y la Televisión”, es decir, la actual Ley 4/1980, de 10 de enero.

Partindo da análise da construção jurisdicional do bloque, Piniella Sorli (p. 49) explicita que a ideia do bloco, como iniciada pelo Tribunal Constitucional, abarca

normas além da Constituição, às quais compete o desenvolvimento constitucional quanto à distribuição e delimitação de competências. Aduz o autor que a entrada de uma norma no bloco a torna especialmente resistente, não podendo ser alterada por outra do mesmo nível, já que é norma atribuidora de competências. Ou seja, a ideia do bloque de constitucionalidad difere da noção francesa, em especial porque é constituído de normas que não pertencem formalmente à Constituição, mas são inferiores a ela e com força igual às normas cuja inconstitucionalidade é apreciada, quer dizer, há prevalência do teor de norma materialmente constitucional. Ou seja, não há hierarquia normativa entre os preceitos que integram o bloco e as demais normas do ordenamento.

Como acaba ficando evidente, o bloco espanhol cumpre uma função primordial de delimitação de competências entre Estado e Comunidades Autônomas (GUERRERO ZAZUETA, p. 28), ou, como diz Carvalho (2015, p. 426), surgiu para controlar a legalidade sobre as Comunidades Autônomas, como a Catalunha e o País Basco, pois que embora possam se autogovernar, não podem divergir da Constituição ou das leis gerais de organização e competências. Assim ficou estabelecido no art. 28 da LOTC:

Artículo 28

1. Para apreciar la conformidad o disconformidad con la Constitución de uma Ley, disposición o acto con fuerza de ley del Estado o de las Comunidades Autónomas, el Tribunal considerará, además de los preceptos constitucionales, las Leyes que, dentro del marco constitucional, se hubieran dictado para delimitar las competencias del Estado y las diferentes comunidades autónomas o para regular o armonizar el ejercicio de las competencias de éstas.

2. Asimismo, el Tribunal podrá declarar inconstitucionales por infracción del artículo 81 de la Constitución los preceptos de un decreto-ley, decreto legislativo, ley que no haya sido aprobada com el carácter de orgánica o norma legislativa de una comunidad autónoma en el caso de que dichas disposiciones hubieran regulado matérias reservadas a ley orgánica o impliquen modificación o derogación de uma ley aprobada com tal carácter cualquiera que sea su contenido.

Cardell (p. 144) é quem justifica a existência do bloque para além da mera função de delimitação de competências. A autora parte da insuficiência da Constituição isolada em conter todos os critérios para apreciar a inconstitucionalidade de uma disposição normativa, pontuando a necessidade do bloco no seguinte sentido:

La necesaria limitación y generalidad de la Constitución como norma fundamental que dibuja las directrices de la organización estatal es la principal causa de tal insuficiencia, pero no la única. La complejidad del sistema de distribución del poder entre Estado e comunidades autónomas, y a la amplitud del sistema normativo susceptible de ser impugnado ante el Tribunal Constitucional enfatiza todavia más aquella carencia. A la vista de

lo cual, se há tenido que arbitrar un bloque o canon de constitucionalidad que es el que delimita los parâmetros en los que puede moverse una ley sin contravenir el marco constitucional, previsto en el artículo 28 de la Ley Orgánica 2/1979, de 3 de octubre, del Tribunal Constitucional. La Constitución es, por tanto, insuficiente para dibujar el perfil ideal al que deben ajustarse las normas com rango de ley. Por contra, el bloque de la constitucionalidad comprende, en palabras del profesor Molas, “la Constitución española, los estatutos de autonomía, las leyes previstas en el artículo 150 de la Constitución y, en general, todas las leyes que delimiten las competencias entre Estado y comunidades autónomas o que establezcan la competencia de los órganos que dicten leyes o normas con rango de ley.

A principal crítica que se constrói sobre a forma jurisprudencial de criação do termo na Espanha é que a evolução do conceito rumou a uma indefinição tamanha, que não há como determinar as fontes que o compõem, ou qual seu denominador comum (se a função ou a natureza da norma), nem sequer se pode esboçar uma lista das normas que formam o bloco, pois esta lista aumenta na medida em que avança a tarefa hermenêutica do Tribunal Constitucional (GÓMEZ FERNÁNDEZ, p. 68). Rubio Llorente (p. 12) foi um dos primeiros a constatar a imprecisão do bloque, acusando que em determinados momentos corresponde ao conjunto concreto de normas aplicáveis ao caso analisado, mas que em outros corresponde a todas as normas que prevalecem sobre as demais leis em relação à delimitação de competências entre o Estado e as Comunidades Autônomas.

Para Lopes (p. 47), essa indeterminação na composição do bloco espanhol decorre tanto da complexidade da repartição de competências entre o Estado Central e as Comunidades, quanto do extenso rol de direitos fundamentais no texto da Constituição Espanhola. O que a doutrina adverte, contudo, é que a ausência de um conceito fixo de bloco pode inutilizar o termo em razão da insegurança jurídica daí decorrente (GÓMEZ FERNÁNDEZ, p. 68). Daí a crítica de que embora o art. 28 da LOTC traga como parâmetros a Constituição e as leis gerais definidoras de competência, ele não inclui todas as normas infraconstitucionais que, segundo o próprio Tribunal, são usadas para resolver sobre a constitucionalidade das leis submetidas a análise (RUBIO LLORENTE, p. 19), tampouco precisa a quais leis sua redação faz alusão.

Como a ampliação do conceito do bloco se dá de maneira arbitrária pelo Tribunal Constitucional, há ocasiões em que são usadas como normas parâmetro as leis de base, leis delimitadoras de competência (mas não atributivas de competência) e outras disposições que nada têm a ver com a distribuição de competências. Gómez Fernández (p. 76) revela que o argumento utilizado pelo Tribunal para sustentar essa

abertura é que a configuração da natureza das normas do bloco “deja un espacio abierto a distintas posibilidades legislativas, lo cual significa simplemente que existe, como en muchos otros aspectos relativos al bloque, una indefinición evidente”. Nota-se um grande risco de insegurança jurídica, pois qualquer norma pode se tornar parâmetro, a depender apenas da análise a posteriori pelo Tribunal nos casos a ele submetidos, sendo que, como apontado por Arturo Hoyos (p. 794), mesmo a legislação básica e os regulamentos das assembleias parlamentares já foram invocados como elementos do bloque.

A despeito da incerteza que permeia a delimitação dos componentes do bloco espanhol, alguns autores ainda se aventuram na tentativa de enquadrar suas normas em uma categorização mais bem definida. É o caso de Rubio Llorente (p. 25 e 29), que esboçou uma divisão entre as normas formalmente constitucionais e os componentes infraconstitucionais do bloco de constitucionalidade. Dizia o ex-Ministro do Tribunal Constitucional Espanhol:

En su parte más importante, el bloque de la constitucionalidad está formado por normas también formalmente constitucionales. Unas, recogidas en el Título VIII de la Constitución35, son normas primarias; otras, las que forman el cuerpo central del bloque, esto es, las normas de delimitación competencial contenidas en los Estatutos de Autonomía, son normas constitucionales secundarias.

(…)

Junto a las normas constitucionales primarias e secundarias, el bloque de la constitucionalidad comprende también una considerable variedad de normas de rango subconstitucional. Algunas previstas ya expresamente en la misma Constitución como normas de delimitación competencial o de regulación en el ejercicio de competencias estatutárias concretas; otras, posibles em virtud de una expresa habilitación al legislador; otras, por último, incluidas por él por remisión de algunos Estatutos de Autonomía, con fórmulas variadas, cuyas diferencias son, en la prática, afortunadamente, irrelevantes.

Mesmo a tentativa de categorização não espanta a amplitude e incerteza que permeiam a composição do bloco, como se percebe da leitura do trecho acima. O que sempre permanece é a ideia de função de parâmetro de constitucionalidade conferida às normas que enquadram o bloco para o controle entre as disposições infraconstitucionais e o texto da Constituição. Aliás, vale mencionar, mesmo que brevemente, as diferentes versões pelas quais passou a construção do bloco espanhol, que se desdobram em dois grandes grupos, o que foca na natureza das normas como critério para sua incorporação ao bloco, e o que se atém à função por elas desempenhada.

35 Trata da organização territorial do Estado.

O primeiro grupo é apresentado por Gómez Fernández (p. 77) como sendo daqueles que defendem que as normas do bloco espanhol possuem natureza materialmente constitucional, embora não expressas na Constituição, tal qual ocorre com o bloc francês. Para essa corrente a posição das normas do bloco as enquadra como hierarquicamente superiores. Essa, contudo, não é a posição mais aceita pela doutrina e jurisprudência espanhola, posto que insuficiente para delimitar o alcance do bloque.

Quanto à definição pela função desempenhada, ela pode ser de delimitação de competência ou função processual de parâmetro de controle.

A delimitação pela competência, como aqui já mencionada, enquadra no bloco as normas que cumprem a função de delimitar, regular ou harmonizar as competências do Estado Central e das Comunidades Autônomas. Seguindo as lições de Carpio Marcos (2005, p. 12), haveria uma dupla função: compreender as normas materialmente constitucionais que regulam a distribuição de competências, e servir de parâmetro de controle da legislação que incida sobre a regulação da distribuição de competências.

A definição segundo a função processual é dividida por Carpio Marcos (2005, p. 10) também em duas acepções. No primeiro aspecto comporiam o bloco a normas que, não sendo formalmente constitucionais, servem de parâmetro para determinar a validade de outras fontes, juntamente à Constituição. Mas faz também menção ao significado levantado por Antonio de Cabo, de que o bloco seria o conjunto concreto de normas elencadas para avaliar a inconstitucionalidade de outra norma em uma situação específica (seria um bloco específico e não geral), embora não seja essa a ideia prevalecente. Gómez Fernández (p. 84) alude que é justamente a concepção processual do bloco que o permite alcançar um conceito mais elástico e interessante ao Tribunal, razão pela qual defende que o bloque de constitucionalidad compreenda todas as normas parâmetro de controle de constitucionalidade, e não apenas as disposições normativas atributivas de competências.

Explica-se, consoante doutrina de Gómez Fernández (p. 69), que “parâmetro de constitucionalidade” consiste nas disposições legais que o magistrado toma como referência na hora de submeter as diversas normas ao controle de constitucionalidade36.

36 Mais à frente em seu trabalho (p. 85) a autora espanhola faz referência à obra de Alejandro Ruiz Horta,

que tece uma diferença entre “parâmetro de constitucionalidade” e “bloco de constitucionalidade” na Espanha, sendo este último contido dentro do primeiro. Embora essa diferenciação não interfira na essência do termo como é tratado nesta dissertação, vale mencionar a separação como é apresentada pela doutrinadora: “hablar de parámetro de constitucionalidad, es hablar de todas y cada uma de las normas jurídicas y demás elementos de control, que el Tribunal Constitucional utiliza o puede utilizar en el cumplimiento de su función. Mientras que hablar de bloque de constitucionalidad implica hablar de un

A autora faz diferenciação entre parâmetro direto e indireto de controle. Comporiam o primeiro as fontes a que o Tribunal Constitucional faz referência direta no seu exercício de controle. Já o parâmetro indireto se refere a normas de caráter não constitucional que se comportam como condições de validade de outras normas. Segundo postula, o Tribunal Constitucional entende como parâmetro de constitucionalidade apenas o parâmetro direto, sendo que o indireto entraria no âmbito do “parâmetro de interpretação”, que consiste nas disposições auxiliares utilizadas pelo Tribunal para determinar o significado da Constituição e o resto das normas que integram o bloco, quer dizer, os critérios utilizados para melhor compreender o alcance das normas que compõem o bloco.

Menciona-se ainda a diferenciação feita por Paloma Requejo e mencionada por Gómez Fernández (p. 85) entre bloque constitucional e bloque de la constitucionalidade. Para a autora, o bloque constitucional corresponderia ao parâmetro direto de controle, com uma função materialmente constitucional de incorporar fontes que tragam algo novo à Constituição, quer dizer, cujo objeto seja constituinte. Já o bloque de la constitucionalidade para Requejo seria referente às fontes que se limitam a concretizar o que a Constituição regula de modo vago, demandando um significado, mas sem inserir objeto novo. Essa dicotomia não encontra terreno para prosperar, entre outras razões, pela contundente crítica que lhe foi feita por Guerrero Zazueta (p. 30), ao pontuar que tanto a distribuição de poder quanto a delimitação de competências são funções materialmente constitucionais, de forma que a distinção feita por Requejo se mostra supérflua.

Encerrando este tópico acerca do bloco de constitucionalidade na Espanha, vê- se que, de forma diversa como ocorre na França, o bloque espanhol admite que leis infraconstitucionais sirvam de parâmetro de controle do mesmo modo como as normas constitucionais. A crítica que Carpio Marcos (2005, p. 12) tece é que o conceito do bloque pretendeu explicar diversos fenômenos, mas de maneira insuficiente. Ficou assente que o artigo 28 da LOTC, a partir do qual se construiu a ideia do bloco, é uma disposição supérflua para delimitar o termo. A noção – instável – que perdura na doutrina e jurisprudência espanholas é, como explica Rubio Llorente (p. 10), que ainda que haja sentenças que usem o bloco para se referir a certas normas em razão de sua

determinado conjunto normativo, que cumple uma función primordial en el sistema español de control de constitucionalidad, de utilización prioritária por Tribunal Constitucional y que está compuesto por un número concreto de normas jurídicas. Es decir, la normativa aplicable al caso”.

estrutura ou natureza (como um bloco formal), a maior parte das decisões se baseia na função que as normas parâmetro exercem (ideia de bloco processual e material). E, como já pontuado, a maior parte das normas que entram no bloco de constitucionalidade espanhol têm como função delimitar as competências entre Estado e Comunidades Autônomas.