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Howlett, Ramesh e Perl (2013) também avaliam que as formulações teóricas sobre políticas públicas partem sempre do estudo das inter-relações entre três elementos: os atores, as instituições e as ideias, pois consideram que “a teoria da política pública sempre colocou o foco nessas três dimensões, ainda que, em várias ocasiões, diferentes teorias tenham tendido a da ênfase a algum desses elementos em detrimento de outros” (HOWLETT; RAMESH, 2003, p. 4).

A policy analysis é um campo que vem se desenvolvendo nas últimas décadas do século XX, a partir dos anos 1950 nos EUA e dos anos 1970 na Europa, instituindo-se mais fortemente a partir da década de 1980 (VIANA; BAPTISTA, 2008; FREY, 2000).

É, portanto, uma disciplina recente, que emergiu na América do Norte e Europa no pós-guerra, como debate de novas compreensões a cerca da relação entre governos e cidadãos.

Howlett e Ramesh (2003) relatam que antes de seu surgimento, os estudos da vida política focavam nas dimensões normativas dos governos ou no detalhamento do funcionamento de instituições políticas específicas, e geralmente travavam amplas discussões sobre Estado e Sociedade ancoradas nos clássicos da filosofia e sociologia, de cunho iminentemente teórico.

E foi justamente este lapso entre a formulação teórica prescritiva e as práticas políticas dos Estados modernos, que surgem no entre guerras e na guerra fria, que provocou a busca por novos métodos de análise de políticas, que reconciliassem a teoria e a prática através de análises empíricas de políticas reais (HOWLETT; RAMESH, 2003).

Entretanto, os estudos que surgiram se mantiveram bastante prescritivos, analisando a estrutura geral das instituições políticas, pois o ambiente político-social do pós-guerra levava os analistas a buscarem aproximações com questões como justiça, equidade e desenvolvimento, em detrimento de estudos mais focados nas forças, fraquezas e finalidades das estruturas políticas (HOWLETT; RAMESH, 2003).

Para Viana e Baptista (2008), as bases teóricas de inspiração para a análise de políticas públicas giram em torno de dois eixos: as análises centradas no Estado (estruturalismo) e as análises centradas na sociedade (pluralismo). As variações e combinações destes dois eixos dariam o embasamento teórico das abordagens de APP em várias escolas, incluindo as análises mais recentes, que destacam os enfoques multicausais (VIANA; BAPTISTA, 2008).

Com o desenvolvimento do campo das APP nos EUA, e de suas bases em língua inglesa, surgiu o uso diferenciado dos termos que expressam três “âmbitos” da política, que se influenciam mutuamente: Polity, ordem do sistema político; Politcs, processo político; e Policy: dimensão material ou operacional da política. Assim, pode-se resumir que “a ordem política concreta forma o quadro dentro do qual se efetiva a política material, por meio de

estratégias políticas de conflitos e de consensos” (SCHUBERT, 1991 apud FREY, 2000, p.

217).

Das várias abordagens que surgiram na Análise de Políticas Públicas, algumas focavam o nível micro, do comportamento humano e da psicologia dos atores envolvidos, outras focavam o nível macro, das culturas e sociedades nacionais, ou ainda da natureza dos sistemas políticos nacionais e global, a maioria delas tiveram suas limitações criticadas e foram abandonadas (HOWLETT; RAMESH, 2003).

Howlett e Ramesh relatam, então, que a Policy Science foi a abordagem que permaneceu ‘entre nós’, por ter seu foco no que os governos estão fazendo, nas políticas públicas e na formulação de políticas. Citam Lasswell como um dos pioneiros que pretenderam integrar a teoria e a prática política, sem cair no reducionismo formal/legal, através da Policy Science. Para Lasswell, a policy science se diferencia das demais abordagens por três características: 1) ela precisa ter enfoque multidisciplinar, envolvendo vários campos do conhecimento, como a sociologia, a economia, o direito e a política; 2) Ela se baseia na resolução de problemas, orientada para a solução de questões relevantes do mundo real; 3) Ela é explicitamente normativa, não sendo camuflada sob o disfarce de objetividade científica, reconhece a impossibilidade de separação entre objetivos e meios, valores e técnicas, na análise das ações de governo. Para Lasswell, o analista político deve dizer claramente que solução é a melhor (HOWLETT; RAMESH, 2003).

Com o passar do tempo estas três características sofreram mudanças. Primeiro, embora a ênfase na multidisciplinaridade permaneça, a policy science tomou a dimensão de uma disciplina com uma agenda própria e seu próprio corpo de conceitos e terminologias, ainda que boa parte destes últimos venha emprestada de outras disciplinas. Segundo, o direcionamento quase exclusivo para questões que envolvessem a solução de problemas reais perdeu força, pelo simples fato de gerar baixo impacto sobre os governos, pois no mundo real das políticas públicas, a superioridade da análise técnica está frequentemente subordinada à necessidade política. E, terceiro, os autores declaram que a característica normativa ou prescritiva da policy science também perdeu força, embora menos, em função da compreensão da impossibilidade, política ou estrutural, de prescrever soluções sobre determinados problemas, em função do que, grande parte das análises de Policy Science, na atualidade, pauta-se nas análises de execução, como eficiência e efetividade das políticas, ou pelo debate da coerência entre as atividades do governo frente aos objetivos declarados (HOWLETT; RAMESH, 2003).

Frey (2000), discutindo os modelos importantes para a análise de políticas públicas, apresenta três categorias importantes para estes modelos. O primeiro é a policy network, que representa a rede de interações entre várias instituições e grupos da sociedade e do Estado na conformação e implementação de uma determinada política específica. Estas interações podem apresentar-se de forma mais aberta ou fechada, com poucos envolvidos ou muitos, dependendo das características da política e da correlação de forças do momento (FREY, 2000).

O segundo é o modelo de policy arena, que se refere aos processos de conflito e de consenso dentro das diversas áreas de política, as quais podem ser distinguidas de acordo com seu caráter distributivo, redistributivo, regulatório ou constitutivo (FREY, 2000).

E o terceiro modelo, de policy cicle, propõe uma abordagem de “simplificação” da análise de políticas através de sua decomposição em um ciclo dinâmico composto por etapas.

Precursor deste modelo, Laswell propunha 7 etapas no ciclo, contudo atualmente utiliza-se cinco principais etapas: 1) percepção e definição da agenda; 2) elaboração de programas; 3) Decisão; 4) implementação de políticas; e 5) Avaliação e ajuste de políticas (FREY, 2000;

HOWLLET, RAMESH; PERL, 2013).

Outra abordagem com grande desenvolvimento nas análises de políticas é o neo-institucionalismo, que, para Frey (2000), vem suprir a lacuna da desvalorização de questões estruturais por parte da “policy analysis”, projetando nas instituições não apenas elementos conjunturais de influência às instituições mas também a própria determinação da atuação dos indivíduos e coletividades nelas inseridos, considerando que “Regras, deveres, direitos e papéis institucionalizados influenciam o ator político nas suas decisões e na sua busca por estratégias “apropriadas”. Contudo, aqui a ideia de instituição é ampliada para conjuntos de significados e práticas partilhadas, que possam ser tomados por dados estabelecidos, bem como ações intencionais e calculadas de indivíduos e coletividades, sendo chamadas de identidades ou instituições (FREY, 2000, p. 233).

Hall e Taylor (2003) ressaltam que o neo-institucionalismo comporta várias linhas de pensamento, das quais destacam três: institucionalismo histórico, institucionalismo da escolha racional e institucionalismo sociológico. “Todas elas buscam elucidar o papel desempenhado pelas instituições na determinação de resultados sociais e políticos” (HALL; TAYLOR, 2003).

No institucionalismo histórico, as instituições são um importante, embora não único, fator definidor do comportamento das pessoas, seja porque constituem o ambiente que direciona as escolhas dos indivíduos (que buscam a melhor situação para si), seja porque

configuram o ambiente de identidade cultural que condiciona estas escolhas. No institucionalismo da escolha racional, de origem paralela ao institucionalismo histórico, as instituições se estruturam de forma a configurar situações em que o custo das negociações entre os grupos que as compõem não gere instabilidade, ou seja, mudanças radicais e sucessivas de acordo com as disputas de interesses, ou seja, “elas diminuem os custos de transação ligados à conclusão de acordos”, o que beneficia todas as partes implicadas. Já o institucionalismo sociológico se distancia das duas primeiras em função da importância dada à cultura, que para esta linha de pensamento compõe a instituição, determinando o comportamento das pessoas e a própria estrutura organizacional. Nele, as instituições fornecem o modelo cognitivo e a identidade dos atores que efetuam suas escolhas. Desta forma, as práticas institucionais estão menos ligadas à eficiência e mais ligadas à legitimidade social (HALL; TAYLOR, 2003).

Para os autores, as três linhas trazem importantes contribuições: o institucionalismo histórico amplia o entendimento da relação entre instituição e comportamento individual; o institucionalismo da escolha racional chama atenção para aspectos importantes da vida política, valoriza a gestão da incerteza, e dá relevo ao papel da interação estratégica na determinação das situações políticas, ou seja, à intencionalidade humana; e o institucionalismo sociológico exprime “aspectos do impacto das instituições que talvez sejam uma preliminar necessária à ação instrumental” (HALL; TAYLOR, 2003).

Com posicionamento próximo ao institucionalismo histórico e com o intuito de discutir a influência das estruturas institucionais de cada país na conformação dos sistemas de saúde, Immergut (1992) compara a formação dos sistemas Francês, Sueco e Suíço, considerando que nos três casos a iniciativa de mudança partiu do poder executivo. A autora ressalta a baixa influência, na determinação dos modelos de sistemas de saúde, da composição ideológica dos partidos, da atuação dos sindicatos e mesmo da posição da corporação médica.

Para ela, a estrutura do sistema político de cada país, definido historicamente, abre espaços diferenciados e garante posições estratégicas à definição da política a grupos de interesse distintos. Essa estrutura não é congelada, continua sua mudança histórica, mas em cada momento seria a definidora da condução das definições políticas, pois no âmbito dessas instituições, mais de um curso de ação era possível e o desenrolar dos fatos dependeu tanto do acaso histórico e criatividade dos atores quanto das restrições institucionais.

Desta forma,

As instituições se tornam relevantes apenas nos cálculos estratégicos sobre a melhor maneira de promover dado interesse em um determinado sistema. Com o tempo, é possível que ocorram excessos – se certo objetivo for inatingível, pouco depois ele será descartado. Mas em um determinado tempo, o modelo aqui exposto independe de atores socializados por instituições que limitam seus objetivos ou interesses (IMMERGUT, 1992, p. 13).

Na eterna crise entre pluralismo e estruturalismo, Immergut assume uma posição de valorização da história das instituições, esta sob influência da sociedade em que a história se dá, como um componente de predefinição dos espaços possíveis de defesa de interesses num determinado momento. A cronologia dos fatos é, portanto, para ela, uma questão fundamental no processo analítico.

As fragilidades dos vários modelos propostos expõem a complexidade do processo político e a necessidade de buscar as melhores ferramentas teóricas na sua análise. O modelo ideal precisa detalhar os atores e instituições envolvidas, identificar os instrumentos disponíveis aos formuladores e apontar os fatores que levam mais a alguns resultados que a outros. A abundância de estudos e abordagem que surgem da existência de distintas escolas e opções teóricas, muitas vezes leva a conclusões analíticas conflitantes, o que tem valorizado a proposição de modelos e enquadramentos teóricos no sentido de dar maior robustez e coerência às análises desenvolvidas (HOWLETT; RAMESH, 2003; FREY, 2000; WALT;

GILSON, 1994).

Discutindo os formatos de análise e avaliação de políticas de saúde, Walt e Gilson (1994), argumentam:

A Análise de Políticas é uma disciplina estabelecida no mundo industrializado, ainda com aplicação limitada em países em desenvolvimento. O setor saúde em particular parece ter sido negligenciado. O que é surpreendente considerando a reconhecida crise dos Sistemas de Saúde e prescrições a cerca de QUE reformas na política de saúde os países devem introduzir. Entretanto, pouca atenção tem sido direcionada para COMO os países devem conduzir estas reformas, e muito menos para QUEM se apresenta a favor ou gera resistências a cada política (WALT; GILSON, 1994, p.

353, tradução nossa).

Walt e Gilson (1994) argumentam que a política de saúde erra ao centrar o foco de sua atenção no CONTEÚDO da reforma, negligenciando: os ATORES envolvidos nas políticas de reforma (em nível internacional, nacional e subnacional), o PROCESSO contingente ao desenvolvimento e implementação das mudanças, e o CONTEXTO em que a política é desenvolvida (figura 1). O foco no conteúdo da política desvia a atenção da compreensão dos processos que explicam porque os resultados esperados da política fracassam em acontecer. A

chave deste modelo é não aceitar estas categorias como independentes, sempre observando suas inter-relações e influências mútuas (WALT; GILSON, 1994; ARAÚJO JÚNIOR, 2000).

Também para Frey (2000), há necessidade de adaptação das abordagens existentes de análises de políticas públicas de acordo com a realidade em análise, principalmente nos países em desenvolvimento, com estruturas institucionais mais fluídas, onde ressalta a importância de integrar elementos do neo-institucionalismo clássico e da análise de estilo político.

Salienta, em função disto, que “a exigência de adaptação da abordagem metodológica à situação empírica concreta e não exclui a possibilidade de chegar a um maior grau de generalização referente a sociedades concretas” (FREY, 2000, p. 250).

Nesse sentido, embora reconhecendo a forte influência da economia sobre a análise de políticas públicas, Walt e Gilson (1994) ressaltam que a Análise de Políticas de Saúde necessariamente deve incorporar ferramentas conceituais de várias disciplinas, como as ciências políticas, sociologia, administração pública e história, cabendo ao analista sensibilidade e cautela para que não imprima seus próprios valores e perspectivas na análise, deturpando as informações, pois o intuito é ampliação do corpo teórico de análise dos quatro aspectos propostos pelas autoras (WALT; GILSON, 1994).

Araújo Júnior (2000), em sua tese de doutoramento, defendeu a utilização de modelos abrangentes, em particular o de Walt e Gilson, em contraposição aos modelos parciais que, embora apresentem o mérito de um maior detalhamento analítico, fragilizam-se pela parcialidade irreal da análise. Em função disto, buscou a definição de categorias analíticas que supram a lacuna do modelo abrangente e operacionalizem a análise dos quatro aspectos recomendados por Walt e Gilson, trazendo sistematicidade e replicabilidade destas análises em casos distintos, e, ao mesmo tempo, reduzindo a subjetividade dos planos de análise.

Figura 2 – Modelo para análise de políticas de saúde

ATORES

Indivíduos Membros de Grupos

CONTEXTO

CONTEÚDO PROCESSO

Fonte: Walt e Gilson (1994)

Desenvolveu, então, o modelo a partir do desenho abaixo (Figura 2), em que retira a centralidade dos atores e a coloca na política em análise, considerando que o maior ou menor enfoque a algum dos quatro aspectos dependerá das características da política e do recorte utilizado pelo analista (ARAÚJO JÚNIOR, 2000).

Fonte: Araújo Júnior (informação verbal)1.

Em artigo, fruto deste estudo, Araújo Júnior ressalta a importância de incremento do corpo teórico das análises de políticas públicas e, em especial, das análises de políticas de saúde, considerando os atuais debates sobre as reformas nos sistemas de saúde. Contrapõe as análises com enfoque micro (etapas da APP ou questões específicas) e enfoque macro, com amplo foco de análise, que classificam como Análise Parcial versus Análise Ampliada ou Compreensiva, ou Abrangente (ARAÚJO JÚNIOR; MACIEL FILHO, 2001).

Para debater estas diferenças no escopo de análise, Araújo Júnior (2000) utilizou 3 exemplos: O de Reich, que analisando a política farmacêutica, propõe um esquema que enfoca a viabilidade política de reformas; o de Frenk, que propõe cinco títulos para dar contorno à análise (problemas, princípios, objetivos, propostas e protagonistas); e de Walt e Gilson, chamada de análise abrangente, que recomenda atenção analítica a quatro aspectos inter-relacionados (Contexto, Conteúdo, Atores e Processo).

O terceiro modelo amplia e incorpora os dois primeiros e tem por chave a não aceitação dos quatro aspectos como separados e independentes, mas leva em consideração as suas influências mútuas.

1 Figura utilizada em apresentação do Prof. José Luiz Correia de Araújo Júnior, na disciplina de Análise de Políticas Públicas, em outubro de 2011.

Figura 3 – Desenvolvendo o Modelo Abrangente de Análise de Políticas de Saúde.