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CONTEÚDO

6.1 O CONTEXTO DA POLÍTICA

Foi consenso a importância e necessidade da expansão, com intenção de garantir o acesso imediato à população mais vulnerável, que estava excluída do sistema de saúde. Para o grupo, a expansão só aconteceu porque incorporou os problemas estruturais, além de relatarem a dificuldade de encontrar casas adequadas nas periferias e comunidades, que era para onde o programa estava se expandindo para garantir a capilaridade do programa, a proximidade das pessoas.

Contudo, embora fosse necessário expandir da forma que fosse possível, havia a necessidade de enfrentamento das fragilidades estruturais antes que houvesse, como houve, o desgaste dos trabalhadores e a perda de legitimidade frente à população.

E aí, o que é que acontece, gente, quando você expande e pretende capilarizar? Os locais, as periferias, essa organização sócio espacial da pobreza, ela não tem uma infraestrutura adequada, e a necessidade urgente de fazer aquilo fez com que a gente fizesse outras iatrogenias, que eu chamo, de gestão e de organização de serviço. A gente organiza em locais completamente inadequados. Insalubres (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

E aí assim, poderia ser diferente? Não, eu vou te dizer que não, porque eu também vou te dizer o outro lado da moeda. A gente procurava casa de toda qualidade do mundo e as casas não tinham documentos. Então os entraves burocráticos impediam muito (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

E eu entendo que o arranjo que foi feito naquele momento foi importante. Só que quando eu cheguei aqui em 2007 eu percebi claramente que algumas, a grande maioria daquelas situações estruturais físicas, que estavam sendo incorporadas ao modelo de expansão, estava em vencimento. E isso se refletia muito claramente no...

ímpeto dos trabalhadores, sabe (DEPOIMENTO – GF1, 2013)?

No debate do GF1 foi possível abordar algumas questões do micro contexto em relação ao âmbito político setorial. O grupo levanta a importância da expansão, contudo, questiona o fato dela ter sido feita muito rápido e por isso ter sido montada a partir de estruturas provisórias, casa alugadas, sedes adaptadas, prédios pouco adequados,

questionando quanto à precariedade desse formato de implantação da política de atenção básica no Recife, a partir de 2001, e a implicação disso na continuidade da política.

Quando falei que ela se expandiu, porque ela se expandiu do jeito que tinha que se expandir. Ou seja, com arranjos institucionais e físicos, que na minha visão não se sustentariam mais do que 5 anos (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

E a gente saiu rasgando o território, fazendo unidade de saúde da família do jeito que dava, ao ponto que eu fui para o Morro da Conceição, e o Morro da Conceição era um banheiro público! Ele foi um banheiro público que foi interditado enquanto banheiro público e virou uma unidade de saúde da família, que dava choque nas paredes, que quando chovia alagava e caia água em cima da gente. Com risco de queda de idoso, de bebê, enfim. Era uma situação que, para a gente que está querendo disputar mentes e corações da comunidade e dos trabalhadores, pra gente que está querendo disputar uma cultura de cuidado e de nova assistência, é muito difícil você chegar para o comunitário e mesmo para o trabalhador e dizer assim:

“Olha, essa é a melhor opção que a gente pode dar para as comunidades; essa é a melhor opção que a gente pode dar do ponto de vista de assistência, de cuidado, do ponto de vista de disparar algo que seja mais potente para as comunidades”

(DEPOIMENTO – GF1, 2013).

Está claro para o grupo de profissionais que, embora o padrão predial das unidades de atenção básica não tenha sido prioridade no momento da grande expansão do programa Saúde da Família em Recife, a fragilidade não ocorreu só nesse momento inicial e nem só em relação à estrutura dos prédios: houve uma desestruturação progressiva da política no período 2001-2011.

Nos dois grupos focais expõe-se a ideia de momentos distintos, equivalentes aos três mandatos do período: o primeiro, na primeira gestão de João Paulo, de grande expansão não apenas na atenção básica, mas em toda a saúde; o segundo, a segunda gestão de João Paulo, de acomodação, de redução da velocidade de intervenção; e o terceiro, na gestão de João da Costa, de desestruturação da proposta. Vários depoimentos expõem a mesma compreensão e apenas um depoimento levanta a ideia da naturalidade de uma “redução do furor”, quando a maior expansão já tinha ocorrido.

[...] a gente teve num processo político de uma gestão, a gente vê nitidamente como se fosse um racha: primeiro período, segundo período, terceiro período, né? O primeiro período que foi a primeira gestão do PT, a gente viu que houve um boom, mesmo com todas as dificuldades, mas houve um avanço muito grande na saúde, na prestação de assistência à saúde da população. [...] No segundo, já foi ocorrendo... o avanço não foi tanto. Eu acho que os gestores eles achavam que já tinham chegado no máximo, aí começou a ficar um pouco mais lento. No terceiro processo, de João da Costa, eu acho que houve um sucateamento, uma desestruturação que agora tá ficando... tá bem claro (DEPOIMENTO – GF2, 2013)!

Aí na segunda não dava para ter esse mesmo...digamos, furor,... porque já teve. A ideia era de aperfeiçoar o que já tinha (DEPOIMENTO – GF2, 2013).

O resultado da condução fragilizada do processo de implantação e o seu não enfrentamento em tempo hábil, foi a persistência de uma estrutura de rede inadequada e de

lacunas assistenciais, principalmente com referência à retaguarda de insumos, exames e atenção especializada.

A gente vem de uma situação de, do ponto de vista de ambiência, mesmo, a gente tem um improviso que até hoje persiste. Tem unidades de saúde da família que são inaceitáveis. E que a gente vai por aí no interior e a gente tem situações anos luz de distância da gente, de melhora (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

Acho que a gente tem uma política ainda, de insumos e de exames, que é também muito complicada. A gente não dá conta de dar no tempo previsto, do ponto de vista clínico, respostas a estas pessoas. Então, como disputar um modelo que dá a resposta clínica em tempo hábil (DEPOIMENTO – GF1, 2013)?

Ressalte-se que o entendimento de qualidade não priorizada relaciona-se à infraestrutura predial, sobretudo, considerando que as equipes foram instaladas majoritariamente em casa alugadas que não ofereciam as condições necessárias ao trabalho da equipe. É consenso entre os participantes que “a estrutura mesmo, física das unidades, não dava respaldo às equipes (DEPOIMENTO – GF2, 2013)”.

As limitações do processo de implantação também se refletiram na dificuldade de mudança de modelo de atenção e valorização das ações de promoção à saúde, pois as estruturas existentes não favoreciam a realização dessas ações, fosse por dificuldade de custeio, fosse por falta de ambientes adequados. Na maioria das unidades, por exemplo, era necessário que os profissionais médicos e enfermeiros dividissem o consultório e alternassem os atendimentos, ou buscar espaços no entorno da unidade para a realização de ações coletivas, grupos e palestras.

E essa cultura de disparar esse cuidado e essa mudança, centrada na prevenção, centrada na promoção, é mais cara, mas ela é o que garante a integralidade no cuidado (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

E, nas nossas estruturas físicas as únicas coisas que são privilegiadas, e muito mal, é o consultório. E ainda é o consultório do MÉDICO, porque o da enfermeira tem que dividir um consultório para duas. Na maioria das unidades é assim. Então, a gente tem um discurso que destoa da prática, MUITO (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

Como é que eu digo que tenho que fazer promoção e prevenção à saúde, se eu digo assim: Ah, não tem espaço para fazer promoção à saúde: “Faz debaixo de uma arvore.” [...] Tem coisa que eu posso fazer debaixo de uma árvore, tem coisa que eu não posso (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

Contudo, o grupo cita os resultados das fiscalizações do CREMEPE para ressaltar que, com todas as fragilidades, há um impacto positivo para a população e a política é bem aceita e bem avaliada. Nos grupos focais também se ressaltou como muito importante a capilaridade do programa, a proximidade da unidade em relação às casas das pessoas, o que não apenas facilitou o acesso, mas também a identificação pela comunidade de que aquela unidade era um espaço da comunidade.

Quando a gente chegava na casa, a miséria dando no meio da canela e a gente chegava pra cadastrar e entrava nas unidades, [...] o pessoal ficava assim, nem acreditava que aquilo era verdade (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

E essa atenção primária, com todos esses problemas, é EXTREMAMENTE bem avaliada. [...] A outra marca é de... a coisa da proximidade da casa, que é uma característica da atenção primária. As pessoas percebem que isso é importante. Né?

Ao mesmo tempo em que em algum momento também isso desvaloriza (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

A gente viu muito isso, essa coisa da grandeza do que isso representou para a comunidade naquela hora. Lógico, se eu tenho um modelo tradicional que eu tinha uma oferta, na minha cesta básica, de um pediatra, de um gineco e de um clínico, e depois vem um cara que é o suprassumo e que vai ser tudo para mim, isso é complicado dele entender. Mas por outro lado, ninguém nunca pisou na minha casa.

Ninguém nunca me conheceu pelo nome (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

Agora eu sei também a potência clínica e a potência de cuidados que a gente conseguiu disparar, mesmo num banheiro público improvisado. O Jenipapo, o barracão, um corredorzinho [...] e o que a gente formou de residentes, [...] Residente, doutorando, enfermeirando, mestrando... Todo mundo lá dentro e a gente disputando com muita paixão aquele território (DEPOIMENTO – GF1, 2013).

O primeiro momento, correspondente à gestão 2001-2004, foi associado à grande expansão da ESF, com ampliação do investimento financeiro, mas também a uma expansão mais frágil e lenta da média complexidade, situação apontada com um dos obstáculos ao funcionamento do NASF, implantado no terceiro momento (gestão 2009-2012), pois não tinham uma retaguarda especializada em quantidade suficiente para encaminhar os casos identificados com as equipes.

Eu estava me lembrando também do acréscimo de incentivo que a saúde teve, FINANCEIRA, a gente nunca tinha alcançado o piso e a gente ultrapassou o piso, nessa gestão, de valor de... (DEPOIMENTO – GF2, 2013).

Porque eu peguei o processo de expansão e a média complexidade ela começou a expandir, mas a expandir de uma forma muito lenta, né (DEPOIMENTO – GF2, 2013)?

[...] o NASF chega de paraquedas, sem uma rede já montada, nesse aspecto. Então, a gente vinha de um processo de organização e estruturação de rede, que não deu conta, não sei se por ter expandido demais ou por briga de interesse político e mudança no projeto. E o profissional do NASF questionava: ‘Eu vou discutir o caso, mas eu mando para onde?’ (DEPOIMENTO – GF2, 2013).