• Nenhum resultado encontrado

Os percursos históricos da Atenção Primária conformaram os seus atributos ou características específicas fundamentais, a partir de seu desenho como proposta filosófica, ou de organização social, ou de política pública. Desta forma, pode-se agregar aos atributos principais, internacionalmente reconhecidos, os atributos que a caracterizam como política inserida e estruturante no SUS.

Fernandes (2010) indica que são quatro os principais atributos que caracterizam a Atenção Primária, adotando a proposição de Starfield (2002): Atenção ao Primeiro Contato ou Acessibilidade; a longitudinalidade; a Integralidade e a Coordenação da Atenção (FERNANDES, 2010; STARFIELD, 2002).

Como desdobramentos destes atributos e importantes componentes da Atenção Primária, Starfield (2002) cita quatro elementos estruturais mais relevantes: a acessibilidade, a variedade de serviços, a definição de população eletiva (adscrição), e a continuidade; além de dois componentes processuais ou de desempenho: a utilização do serviço (tipo de uso), e o reconhecimento de um problema ou necessidade (STARFIELD, 2002).

Quadro 2 – Atributos da Atenção Primária segundo Starfield (2002).

ATRIBUTO DESCRIÇÃO

ACESSIBILIDADE

Implica acessibilidade e uso do serviço a cada novo problema ou novo episódio de um problema pelo qual as pessoas buscam atenção à saúde. A medição da atenção ao primeiro contato envolve a avaliação da acessibilidade (elemento estrutural) e da utilização (elemento processual).

LONGITUDINALIDADE

Pressupõe a existência de uma fonte regular de atenção e seu uso ao longo do tempo. A população eletiva deve sempre receber seu atendimento na unidade, exceto em caso de encaminhamento. Além disso, deve existir fortes laços interpessoais, que refletissem em cooperação mútua, entre as pessoas e os profissionais.

INTEGRALIDADE

Implica que as unidades de atenção primária devem fazer arranjos para que o paciente receba todos os tipos de atenção à saúde, mesmo que alguns possam não ser oferecidos eficientemente dentro delas. Isto inclui encaminhamentos para serviços secundários e terciários.

COORDENAÇÃO (INTEGRAÇÃO)

Requer alguma forma de continuidade pelos médicos ou fluxos informacionais, além do reconhecimento de problemas, de forma a conduzir a continuidade do atendimento.

Fonte: Adaptado de Starfield (2002, p. 61-63).

Giovanella e Cunha (2011), em revisão sobre a longitudinalidade e continuidade do cuidado identificam que os dois termos são muitas vezes utilizados como sinônimos ou com significados semelhantes, na literatura internacional. A longitudinalidade seria o acompanhamento do paciente pela equipe ao longo do tempo e a continuidade do cuidado seria o acompanhamento do problema de saúde identificado em todos os âmbitos do sistema.

Nesse sentido, a longitudinalidade é uma característica central da Atenção Primária, e a continuidade não. A continuidade estaria mais relacionada à qualidade do atendimento prestado.

Considerando que, no Brasil, utiliza-se pouco o termo longitudinalidade, muitas vezes substituindo-o pelo termo ‘vínculo’, as autoras propõem:

Nesse sentido, a proposta aqui apresentada é que, na literatura referente à APS no Brasil, façamos a opção pela utilização do termo vínculo longitudinal, definindo-o como “relação terapêutica estabelecida entre paciente e profissionais da equipede APS, que se traduz no reconhecimento e utilização da unidade básica de saúde como fonte regular de cuidado ao longo do tempo”. [...] três elementos são imprescindíveis na composição do referido atributo: a existência e o reconhecimento de uma fonte regular de cuidados de atenção primária, o estabelecimento de vínculo terapêutico duradouro entre os pacientes e os profissionais de saúde da equipe local e, ainda, a continuidade informacional (GIOVANELLA; CUNHA, 2011, p. 1038; grifo nosso).

Os componentes internacionalmente reconhecidos para a atenção primária foram discutidos por Célia Almeida e James Macinko (2006) em estudo com o intuito de “[...] testar, num município específico (Petrópolis, no Rio de Janeiro) uma nova metodologia de avaliação rápida para medir as características organizacionais e de desempenho dos serviços de atenção básica (AB) no SUS”. A partir da revisão da literatura, o estudo trabalhou com oito atributos da atenção básica: acesso, porta de entrada, vínculo, elenco de serviços, coordenação, enfoque familiar, orientação para a comunidade e formação profissional.

Os autores tratam longitudinalidade por vínculo, e consideram que o elenco de serviços e a coordenação, compõe o que Starfield (2002) chama de integralidade. Além disso, dividem o atributo acessibilidade em seus componentes estrutural (acesso) e organizacional (porta de entrada), e incorporam mais três atributos como centrais: O enfoque familiar, com indicação para o reconhecimento do contexto e especificidade de necessidade de saúde no âmbito familiar; A orientação para comunidade, de forma a incorporar o contexto social [saúde coletiva]; e a formação profissional, considerando as transformações no contexto profissional que a ampliação da Atenção Básica e a implantação do Saúde da Família tem gerado, no Brasil.

Giovanella e Mendonça (2012), discutindo a proposta de Starfield (2006) e Almeida e Macinko (2006), mantêm os atributos já descritos na proposta dos segundos, com a diferença de manter a ideia de acessibilidade como um único atributo (estrutura e organização) sob o nome de primeiro contato e de agregar mais um atributo: A competência cultural, que trata da capacidade de “reconhecimento de diferentes necessidades dos grupos populacionais, suas características étnicas, raciais e culturais, entendendo suas representações dos processos saúde-enfermidade” (STARFIELD, 2002; p. 587). Além disso, as autoras não consideraram o atributo formação profissional (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2012).

Quadro 3 – Atributos da Atenção Básica ou Primária

REFERÊNCIA ATRIBUTOS CENTRAIS DIRETRIZES OU ESTRATÉGIAS ORGANIZATIVAS

Starfield, 2002

Acessibilidade;

Longitudinalidade do cuidado;

Integralidade;

Coordenação.

Acessibilidade (estrutura);

Variedade de Serviços;

População eletiva;

Continuidade;

Utilização (uso do serviço);

Reconhecimento de um problema ou necessidade.

Almeida e Macinko, 2006

o Acesso;

o Porta de entrada;

o Vínculo;

o Elenco de serviços;

o Coordenação;

o Enfoque familiar;

o Orientação para a comunidade; e o Formação profissional

Giovanella e Mendonça, 2008

o Primeiro contato ou Acessibilidade;

o Longitudinalidade;

o Abrangência ou integralidade;

o Coordenação;

o Orientação para a comunidade;

o Centralidade na família;

o Competência cultural.

Fonte: Autora, a partir de Starfield (2002), Almeida e Macinko (2006) e Giovanella e Mendonça (2012).

Neste estudo, a proposta de intervenção da Atenção básica sobre a situação de saúde da população foi analisada a partir de seus atributos, conforme já discutido na introdução. É importante ressaltar que os atributos se articulam de forma interdependente, de forma que não há como garantir um, sem garantir os demais.

Tendo em vista as abordagens apresentadas, e apesar da possibilidade de considerar a

‘competência cultural’ como parte da ‘orientação para a comunidade’, e reconhecendo a importância de fortalecer o reconhecimento cultural da comunidade nas análises epidemiológicas; este estudo adotou a divisão de atributos de Giovanella e Mendonça (2012), incorporando a ‘formação profissional’, proposta por Almeida e Macinko (2006) (ALMEIDA;

MACINKO, 2006; GIOVANELLA; MENDONÇA, 2012).

São, então, atributos da Atenção Básica:

a) Acessibilidade;

b) Longitudinalidade;

c) Abrangência ou integralidade;

d) Coordenação;

e) Orientação para a comunidade;

f) Centralidade na família;

g) Competência cultural;

h) Formação Profissional.

A partir da escolha do elenco de atributos, utilizando os atributos enquanto identidade da Política de Atenção Básica, foram analisadas as informações advindas de documentos oficiais, dos grupos focais e das entrevistas, com o intuito de estabelecer a coerência entre a proposta governamental e as formulações teóricas para a Ateção Primária, bem como sua implicação para a diferenciação entre a atenção básica dita tradicional e a Estratégia de Saúde da Família, considerando que no Brasil estes atributos têm sido associados ao saúde da família, como modelo substitutivo e de reorganização da atenção básica.

1.3.1 Acessibilidade

Por Acessibilidade se entende a característica da Atenção Básica de garantir o acesso, tanto do ponto de vista da infraestrutura do serviço, pela proximidade das pessoas e não existência de obstáculos geográficos ao acesso, quanto do ponto de vista da organização do serviço, constituindo-se em porta de entrada privilegiada (MENDES, 2012; OLIVEIRA;

PEREIRA, 2013; STARFIELD, 2002).

Para Oliveira e Pereira (2013, p. 160):

A acessibilidade geográfica reflete a distancia entre a população e os recursos, podendo ser medida por distancia, tempo de deslocamento, custo do transporte, entre outros condicionantes. A acessibilidade organizacional abrange as características ligadas ao modo de organização dos serviços de saúde que obstaculizam ou facilitam a capacidade das pessoas na utilização dos mesmos. Inclui aspectos tais como:

tempo para obter uma consulta, tipo de agendamento, turnos de funcionamento, tempo para fazer exames laboratoriais, continuidade do tratamento.

Desta forma, a acessibilidade está diretamente relacionada à cobertura populacional de atuação da atenção básica, já que não há como garantir o acesso adequado sem a existência de serviços disponíveis à toda a população. Mas também diz respeito à forma como a política e cada serviço se relaciona com a população e com o restante da rede de serviços de saúde.

Leão e Caldeira (2011) ressaltam que, dentre os atributos da Atenção Básica, a proximidade do posto de saúde em relação à sua casa, é um dos fatores mais relatados pelo usuário como favorecedor de adesão à aquela unidade.

Bárbara Starfield (2002) utiliza o termo ACESSIBILIDADE para designar um dos elementos estruturais da atenção básica, com foco na questão geográfica e de organização dos serviços (utilização do serviço). Para ela, o atributo ou característica fundamental correspondente seria o atributo da atenção ao primeiro contato, que implica no fato do paciente ser atendido inicialmente por um generalista que deve ser a sua fonte regular de atenção. Desta forma, seria reduzida a utilização de serviços especializados desnecessários, que, na ausência de uma indicação clínica inicial, podem gerar altos custos e iatrogenias, o que a autora respalda com a apresentação dos resultados de diversos estudos.

A acessibilidade é o elemento “estrutural” necessário para a primeira atenção. Para oferecê-la, o local de atendimento deve ser facilmente acessível e disponível; se não, a atenção será postergada, talvez a ponto de afetar adversamente o diagnóstico e o manejo do problema (STARFIELD, 2002, p. 226).

Discutindo a organização do serviço, Oliveira e Pereira (2013) consideram que o acolhimento é uma estratégia para o desenvolvimento da longitudinalidade, contudo, nesta pesquisa, o acolhimento está vinculado ao desenvolvimento da acessibilidade, longitudinalidade, integralidade e coordenação.

1.3.2 Longitudinalidade, Continuidade ou Vínculo

De forma ampla, trata-se da característica de garantia do acompanhamento do cuidado ao longo do tempo. Desta forma, “a presença do atributo de longitudinalidade tende a produzir diagnósticos e tratamentos mais precisos, que reduzem os encaminhamentos

desnecessários para especialistas e a realização de procedimentos de maior complexidade”

(OLIVEIRA; PEREIRA, 2013).

O termo longitudinalidade, como observam Cunha e Giovanella (2011), é pouco utilizado no Brasil, contudo, sendo mais comum utilizar-se o termo Continuidade do Cuidado ou ainda o termo Vínculo, como sinônimos de longitudinalidade. As autoras citadas realizaram uma revisão conceitual sobre este atributo, que consideram o mais importante e estruturante da atenção primária, e encontraram convergência na literatura em se considerar a longitudinalidade, destacando, contudo, a divergência na definição de dimensões da longitudinalidade.

Para Starfield (2002, p. 248), a essência da longitudinalidade é a relação pessoal entre o paciente e o médico, ou equipe, ao longo do tempo, mesmo que haja interrupções, tipos diferentes ou ausência de problemas de saúde. Para ela:

Há uma distinção entre a identificação de um médico, uma equipe de médicos ou um local específico de atenção como locus de longitudinalidade. Quando uma equipe ou um local é a fonte da longitudinalidade, o peso da coordenação é provavelmente maior do que se um indivíduo específico for a fonte, já que é provável que os pacientes sejam examinados por um número maior de profissionais. Por outro lado, quando um indivíduo é a fonte é a fonte de longitudinalidade, os desafios de prestar a atenção ao primeiro contato e a integralidade são maiores, pois é mais difícil para um indivíduo do que para uma equipe ou organização médica estar sempre disponível e prestar ou disponibilizar uma variedade de serviços necessários.

Apesar da longitudinalidade ser relacionada a um ganho organizacional com base na equipe e não no médico, individualmente, a autora também relata estudos que demonstram maior satisfação do paciente e maior probabilidade de seu retorno quando há uma vinculação ao médico, bem como da ocorrência também de melhor qualidade do atendimento quando isso ocorre, fato que pode ser compensado, entretanto, pois “quando um local atinge altos níveis de atributos de atenção primária, os benefícios podem ser tão grandes quanto ter um médico específico” (STARFIELD, 2002; p. 252).

Este estudo adotou a definição final da revisão da literatura realizada por Cunha e Giovanella, que propõem a nomenclatura de Vínculo Longitudinal como uma “relação terapêutica estabelecida entre paciente e profissionais da equipe de APS, que se traduz no reconhecimento e utilização da unidade básica de saúde como fonte regular de cuidado ao longo do tempo” (CUNHA; GIOVANELLA, 2011, p. 1038).

As autoras ainda adotam 3 dimensões da longitudinalidade: 1) a característica de ser uma fonte regular de cuidados, o que inclui o reconhecimento pela população do serviço da atenção primária como sua referência; 2) o estabelecimento de vínculo pessoal e duradouro entre o paciente e os profissionais de saúde da equipe de atenção primária; e 3) a continuidade

informacional, que diz respeito à constituição de registros clínicos, familiares e sociais do paciente, permitindo um melhor acompanhamento pela equipe. A continuidade informacional, por vezes, é indevidamente associada à Coordenação do Cuidado, já que está última trata da relação da atenção primária com o restante da rede de saúde (GIOVANELLA; CUNHA, 2011; SILVA; SILVA; BOUSSO, 2011).

Giovanella e Cunha (2011, p. 1041) concluem:

É importante considerar que, embora o estabelecimento de vínculo longitudinal esteja no âmbito da prática do profissional, o atendimento a tal atributo só será possível se for uma prioridade da gestão, na medida em que envolve questões como a oferta adequada de serviços de APS e mecanismos de fixação do profissional na unidade de saúde.

1.3.3 Abrangência ou integralidade

Define não apenas o escopo de serviços ou elenco de cuidados ofertados pelo serviço ou garantidos através da referência especializada, como também a garantia de recebimento do cuidado adequado de saúde através do cumprimento de quatro dimensões, que Oliveira e Pereira (2013) descrevem: “primazia das ações de promoção e prevenção, atenção nos três níveis de complexidade da assistência medica, articulação das ações de promoção, proteção e prevenção e abordagem integral do individuo e das famílias”. Desta forma, o exercício da integralidade depende da reorganização de praticas e estruturas organizacionais que perpetuam a descontinuidade assistencial (OLIVEIRA; PEREIRA, 2013).

Starfield (2002) ressalta que a efetiva e adequada integralidade se inicia com uma interação médico-paciente na atenção básica que permita ao médico conhecer e identificar as necessidades do paciente, que podem ir além dos sintomas descritos em cada momento. Ao mesmo tempo, a experiência do profissional é requerida em função da complexidade e multiplicidade de problemas que podem ser encontrados no território, sem que seja possível esperar que um profissional possa lidar sozinho com todos:

Ao invés disso, a integralidade requer que os serviços estejam disponíveis e sejam prestados quando necessários para os problemas que ocorrem com frequência suficiente para que os profissionais mantenham sua competência. A variedade de serviços disponíveis e prestados na atenção na atenção primária pode, assim, variar de comunidade para comunidade, conforme incidência ou prevalência de problemas forem diferentes (STARFIELD, 2002; p. 315).

1.3.4 Coordenação do Cuidado

Este atributo é de fundamental importância em um modelo de atenção baseado na atenção básica e direcionado para a construção de redes de atenção, como descreve Silva (2011, p. 2756):

O papel-chave da APS para o adequado funcionamento das redes de atenção à saúde tem sido enfatizado por numerosos autores, e seu fortalecimento depende de um conjunto de condições entre as quais se destacam: (1) disponibilidade de médicos generalistas com boa formação para cuidar da saúde da comunidade, com utilização das melhores evidências científicas na terapêutica dos problemas mais prevalentes;

(2) ações de saúde abrangentes e articuladas, que contemplem vigilância, prevenção de enfermidades e promoção de saúde; (3) gerenciamento do cuidado visando garantir sua continuidade, através da regulação do acesso e integração com os demais níveis de atenção; (4) escopo assistencial amplo, se necessário incluindo outras especialidades médicas para que atuem de forma articulada com os médicos generalistas nas situações de maior prevalência, tais como cardiologia, ortopedia, entre outras; e (5) integração matricial com os especialistas.

Almeida et al. (2010, p. 287) apontam que esforços nesse sentido, de fortalecer a APS para a coordenação do cuidado, já vêm sendo desenvolvidos na Europa desde a década de 1990. O não desenvolvimento dessa estratégia na América Latina e no Brasil, especificamente, se daria em função da segmentação do acesso e fragmentação da rede assistencial, dificultando a perspectiva de regulação assistencial.

A coordenação entre níveis assistenciais pode ser definida como a articulação entre os diversos serviços e ações de saúde relacionada à determinada intervenção de forma que, independentemente do local onde sejam prestados, estejam sincronizados e voltados ao alcance de um objetivo comum.

1.3.5 Orientação para a comunidade

Starfield (2002, p. 538) descreve a abordagem orientada para a comunidade como aquela que:

Aplica os métodos da medicina clínica, epidemiologia, ciências sociais e pesquisa e avaliação de serviços de saúde para as tarefas a seguir: Definir e caracterizar a comunidade; Identificar os problemas de saúde da comunidade; Modificar programas para abordar estes problemas; Monitorar a efetividade das modificações no programa.

A importância da orientação para a comunidade se dá, portanto, pela ampliação da capacidade clínica da equipe em função de sua capacidade de contextualizar os problemas relatados pelos pacientes, inclusive com conhecimento da situação ambiental, como também pelo monitoramento da situação de saúde da população inserida naquela comunidade (ALMEIDA; MACINKO, 2010; STARFIELD, 2002).

Em um sistema de saúde com base na APS, a orientação familiar e comunitária significa que este sistema não considera apenas a perspectiva clínica ou individual do cuidado. Em vez disso, emprega uma visão de saúde pública que leva em conta informações da família e da comunidade para avaliar riscos e priorizar intervenções.

A família e a comunidade são vistas como sendo o foco principal para o planejamento e intervenção (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE, 2008, p. 13).

1.3.6 Centralidade na família

Para Nogueira et al. (2011), a importância da direcionalidade da atuação da equipe de saúde para a família se dá por ser a família “o próprio alicerce da sua identidade social, da sua sobrevivência material e espiritual, por meio do qual se constrói seu modo de vida.” Desta forma, trabalhar o cuidado em saúde com a família seria uma forma de influenciar o modo de vida das pessoas, além de permitir ao profissional de saúde a ampliação do suporte de informações necessária para a melhor abordagem do cuidado individual, reforçando ainda “o compromisso e o envolvimento entre profissionais de saúde, indivíduo, família e comunidade” (NOGUEIRA et al., 2011).

Para Sousa (2007, p. 84), a “focalização na família implica considerar a família como sujeito da ação, o que exige uma interação da equipe de saúde com esta unidade social e o conhecimento integral de seus problemas de saúde”.

Marin, Marchioli e Moracvick (2013, p. 784) consideram de grande valor o potencial de conhecimento da família na atenção básica, em especial no Saúde da Família, pois garante a qualidade do diagnóstico da prescrição sem a necessidade de repetidas e extensas anamneses. Concluem que “embora muitas dificuldades e desafios sejam colocados à ESF, é preciso reconhecer que a equipe dispõe da potencialidade de conhecer as pessoas no seu contexto social, emocional, familiar e financeiro”.

1.3.7 Competência cultural

Para Fernandes e Backes (2010), a contextualização cultural do trabalho da equipe de saúde da família é um dos componentes que podem garantir a maior eficácia e efetividade do trabalho realizado junto às comunidades.

Nesse sentido, a competência cultural é a capacidade de reconhecer e dialogar de forma respeitosa e fraterna com as diferenças entre os grupos populacionais atendidos. Para Giovanella e Mendonça (2012), a competência cultural se define como o “reconhecimento de diferentes necessidades dos grupos populacionais, suas características étnicas, raciais e

culturais, entendendo suas representações dos processos saúde enfermidade”

(GIOVANELLA; MENDONÇA, 2012, p. 587).

1.3.8 Formação Profissional

A formação profissional desvinculada do conhecimento da realidade das comunidades, e muito centrada no desenvolvimento de competências individuais, fragiliza os atributos da atenção primária e, em especial, o vínculo longitudinal, pela inexistência de competência cultural (LOCH-NECKEL et al., 2009; OLIVEIRA; PEREIRA, 2013).

Considerando que a estratégia de saúde da família se insere, no SUS, como uma estratégia de mudança do modelo de atenção e que a incorporação do conjunto de atributos da atenção básica ainda é uma questão em andamento, a formação profissional torna-se fundamental, pois influenciará determinantemente na adesão ao saúde da família (ALMEIDA;

MACINKO, 2006; LEÃO; CALDEIRA, 2011).

As atribuições da equipe de saúde da família são múltiplas e complexas, exigindo dos profissionais de saúde conhecimentos específicos desta área. Os dados encontrados destacam maior efetividade das equipes com residência em medicina de família e comunidade e da residência multiprofissional em saúde da família, o que pode ser atribuído à formação de profissionais mais voltadas para o desempenho das funções cotidianas da atenção primária (LEÃO; CALDEIRA, 2011, p. 4421).

Nesse sentido, com o intuito de superar as inconsistências entre a política pública e as graduações na área de saúde, e de induzir novas práticas, têm sido incentivados, tanto pelos órgãos formadores como pelo Ministério da Saúde, a formação complementar em cursos de pós-graduação lato sensu, além de estratégias de formação permanente.

Esses cursos são locus de experiências importantes para o desenvolvimento de uma prática interdisciplinar, que geralmente não recebe a ênfase necessária nos cursos de graduação. Além disso, os programas incentivados pelo Ministério da Saúde, como as residências e especializações multiprofissionais em saúde da família, abrem espaço para novas conquistas na qualificação da assistência à saúde no Brasil. A possibilidade de experienciar o trabalho em equipe multiprofissional e a interdisciplinaridade capacitam os profissionais para a mudança no modelo assistencial, tanto os que já atuam no serviço público, quanto os que ainda não (LOCH-NECKEL et al., 2009, p. 1464).

1.3.9 Marco Conceitual dos Atributos da Atenção Básica

Considerando a descrição dos atributos e opção conceitual em cada um deles, o quadro de conceituação de Bárbara Starfield (2002) foi adequado para a referência do levantamento de evidências e análise deste estudo:

Quadro 4 – Atributos da Atenção Primária e suas definições.

ATRIBUTO DESCRIÇÃO

ACESSIBILIDADE

Implica acessibilidade e uso do serviço a cada novo problema ou novo episódio de um problema pelo qual as pessoas buscam atenção à saúde. A medição da atenção ao primeiro contato envolve a avaliação da acessibilidade (elemento estrutural ou geográfico) e da utilização (elemento processual ou organizacional). Inclui a definição de Porta de Entrada.

LONGITUDINALIDADE, CONTINUIDADE DO CUIDADO OU VÍNCULO LONGITUDINAL

Relação terapêutica estabelecida entre paciente e profissionais da equipe de APS, que se traduz no reconhecimento e utilização da unidade básica de saúde como fonte regular de cuidado ao longo do tempo. (GIOVANELLA ; CUNHA, 2011)

INTEGRALIDADE

Implica que as unidades de atenção primária devem fazer arranjos para que o paciente receba todos os tipos de atenção à saúde, mesmo que alguns possam não ser oferecidos eficientemente dentro delas. Isto inclui encaminhamentos para serviços secundários e terciários.

COORDENAÇÃO (INTEGRAÇÃO)

Requer alguma forma de continuidade pelos médicos ou fluxos informacionais, além do reconhecimento de problemas, de forma a conduzir a continuidade do atendimento.

COMPETÊNCIA CULTURAL

Reconhecimento de diferentes necessidades dos grupos populacionais, suas características étnicas, raciais e culturais, entendendo suas representações dos processos saúde-enfermidade. (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2012)

CENTRALIDADE NA FAMÍLIA

Direcionamento da equipe de saúde de atuar junto às famílias, garantindo o compromisso da equipe não apenas com o indivíduo, mas também com o grupo familiar em seu contexto de relações internas, social e comunitário. Inclui a formação de banco de dados (prontuário da família) que inclui informações familiares de importância para a saúde de cada indivíduo.

ORIENTAÇÃO PARA A COMUNIDADE

Contextualização do trabalho desenvolvido pela equipe a partir do conhecimento da realidade e cenário epidemiológico da população, inclusive a partir da participação da mesma.

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

“Pressupõe que a atenção básica seja uma área de “especialização” que requer formação específica. Requer que os profissionais de saúde sejam capacitados para desempenhar suas funções segundo as dimensões mencionadas anteriormente.”

(ALMEIDA; MACINKO, 2006; 69) Fonte: Autora.

Nota: Adaptado de Starfield (2002, p. 61 - 63), Almeida e Macinko (2006) e Giovanella e Mendonça (2012)

Para Sousa (2007, p. 84), é ao exercitar os seus princípios ou atributos que a atenção básica:

[...] cumpre três grandes papeis nos sistemas de serviços de saúde (Mendes, 2002): o papel resolutivo, intrínseco à sua instrumentalidade como ponto de atenção à saúde, o de resolver a grande maioria dos problemas de saúde da população; o papel organizador, relacionado com a sua natureza de centro de comunicação, o de organizar os fluxos e os contra fluxos das pessoas pelos diversos pontos de atenção à saúde; e o papel de responsabilização, o de coresponsabilizar-se pela saúde das pessoas em quaisquer pontos de atenção à saúde em que estejam.