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4. RESULTADOS

4.4 Análise das proposições de pesquisa

Como apresentado anteriormente, a principal pergunta relacionada ao problema se encontra no quadro de Neely (2007), na figura 1: “Como as empresas industriais “tradicionais” conseguem fazer a transição para organizações servitizadas?”. A elaboração do quadro teórico (capítulo 2), com seus constructos, permitiu o desdobramento do problema de pesquisa em perguntas e objetivos específicos (subseção 3.1). Na tabela 16 a seguir vai um resumo das respostas às perguntas específicas.

Tab. 16 – Resumo das respostas às perguntas específicas da pesquisa. Elaborado pelo autor.

Constructo Pergunta Resposta

SERVITIZAÇÃO 1 - Quais serviços passaram a ser oferecidos pelas editoras, integrados ao livro didático? Treinamento de professores, assessoria pedagógica, eventos e palestras, e materiais didáticos complementares

2 - É evidente o surgimento de uma lógica de serviço na editora servitizada? Ela substitui ou convive com a lógica industrial?

A lógica de serviço estava latente desde a fundação das editoras, e “emergiu” com a servitização; ela convive com a (prevalente) lógica industrial SERVIÇO 3 - Como os colaboradores incorporaram a

necessária cultura do serviço em seu trabalho rotineiro e em seu relacionamento com os clientes?

Primeiro as editoras promoveram a lógica de serviço, o que estimulou as pessoas a fazerem o mesmo; depois deu preferência à contratação de profissionais mais orientados a serviço

COMPETÊNCIAS 4 - Quais competências organizacionais e pessoais mais foram exigidas, para tornar as editoras de centradas no produto para centradas no cliente?

Para a organização foram as competências em Vendas/MKT; para as pessoas, foi a competência de serviço

5 - Depois que as editoras decidiram agregar serviços aos livros, quais foram as mudanças nas dimensões do projeto organizacional (estratégia, estrutura, processos, recompensas, pessoas) que possibilitaram a servitização?

Na estratégia: criação de estratégia de

diferenciação; na estrutura: a produção física foi reduzida, em favor das áreas editorial e comercial; processos de comunicação foram melhorados; e foram estimuladas pessoas com cultura de serviço ORGANIZAÇÃO 6 - Que sistema organizacional de “produção” de

serviços foi criado? Ele é integrado harmonicamente à produção dos livros didáticos? Quais as

dificuldades e/ou facilitadores nesse caminho?

Para não conflitar com a produção física, e para melhor experiência do cliente, a produção dos serviços foi alocada na área comercial (fase pós- adoção); facilitou, pois os serviços foram anexados aos processos comerciais existentes

Como parte final da apresentação e análise dos resultados colhidos no trabalho de campo, serão analisadas as proposições de pesquisa, feitas a partir dos constructos (MARCONI; LAKATOS, 2000; CAUCHICK, 2007). De modo geral, todas as proposições foram confirmadas, ao menos em parte, pelas evidências empíricas, o que indica que a teoria existente tem alinhamento com a prática das editoras de didáticos.

SERVITIZAÇÃO: As mudanças trazidas pela servitização das editoras (oferecimento de PSS e seu valor, alterações organizacionais) visam entregar às escolas valor relacionado ao seu core business educacional.

Sim, essa servitização centrada no produto com serviços add-on foi boa para o cliente. Como mostrou a pesquisa nas escolas, o oferecimento de livros de bom conteúdo didático acrescido de serviços, gerou um valor especificamente relacionado a sua missão escolar. Como diz Zarifian (2001a), avalia-se o valor de serviço a partir dos resultados e dos recursos.

O valor a partir dos resultados é bem claro: como descrito na subseção 4.2.4, a escola/professor valoriza a “performance” do livro didático em sala de aula, isto é, ele tem que ser útil ao processo ensino-aprendizagem. E isso significa em primeiro lugar ter um bom livro didático, com bom conteúdo. Em segundo, por meio de um bom serviço da editora, capacitar o professor a tirar o máximo do livro. Os serviços têm crescido em importância no meio editorial (FERNANDES; GONÇALVES, 2011).

O valor a partir dos recursos se concentra na competência profissional, e mostra que o cliente quer um prestador de serviço que interprete e compreenda suas necessidades. Nesse sentido, a “voz” das escolas e professores do estudo de campo mostra que as três editoras, em maior ou menor grau, de fato ajudam seus clientes a fazer bom uso do livro. Eles têm tido uma boa experiência de serviço, ao passarem pela fase pré-adoção (processo seletivo dos livros), e depois na pós-adoção, sempre interagindo com os funcionários linha de frente da editora (GALBRAITH, 2002), recebendo os treinamentos, sendo convidados a palestras, entre outros serviços. É a chamada experiência de serviço sem-costura - seamless – que faz com que o cliente não sinta solavancos e interrupções durante a solução de suas necessidades (SAWHNEY; KRISHNAN, BALASUBRAMANIAN, 2004). Um passo seguinte seria a interação com o cliente não mais por intermédio da área comercial, mas diretamente para a area editorial.

Mas isso demandaria uma competência de serviço por parte dos profissionais editoriais quase inexistente atualmente.

SERVIÇO: Passar ao oferecimento de soluções centradas no cliente demanda da editora a transição da lógica industrial para a lógica de serviço. As pessoas mais afetadas pela nova lógica de serviço são as da retaguarda editorial.

Sim, em parte. Como Zarifian (2001a) afirma, o modelo da produção industrial de serviço se apóia sobre o encontro da lógica industrial “neofordista” e da lógica de serviço, ainda que esse encontro não ocorra facilmente. Esse caminho tem contradições e conflitos entre as duas lógicas. Mesmo na teoria, Zarifian (2001a) menciona a combinação das duas, e não um modelo de produção puro, apenas industrialista ou apenas de serviço. Zarifian diz: “... pode-se lançar a hipótese de que a eficiência futura da empresa depende amplamente da qualidade da cooperação entre esses três universos e, portanto, de uma certa convergência e complementaridade nos seus objetivos e na maneira de eles trabalharem e se organizarem” (p. 71).

O que se vê nas editoras são setores em que uma das lógicas prevalece. Por exemplo, é fácil entender que a linha de frente é propensa à lógica de serviço, o que é benéfico às editoras. Nesse sentido, entender e interpretar as necessidades das escolas e seus professores foi fundamental para que as editoras pesquisadas obtivessem destaque em seu segmento. Do contrário, elas teriam provavelmente perdido posições se tivessem se mantido apegadas à mentalidade industrialista: afinal, os clientes não mais se satisfariam com a “velha” proposta de valor, centrada no livro-papel (e não o conteúdo didático), e tampouco haveria serviços (que transformem as condições do professor).

Semelhantemente, as áreas da retaguarda, editorial (área core) produção/distribuição física (área de apoio) são mais inclinadas à lógica industrialista, afinal, não se deixa de lado a necessidade de produzir e vender o máximo possível, da maneira mais produtiva possível.

O processo editorial, apesar de ser intelectual e responsável pela concepção de novos produtos, tem as características e objetivos de uma linha de montagem: encaixar várias “peças” (projeto gráfico, diagramação, etc.) para trazer à vida um produto final (a matriz do livro). Dado que a lógica de serviço perpassa todos os universos (ZARIFIAN, 2001a), o pessoal do editorial precisa também interpretar e compreender o que as escolas querem. A lógica industrialista na criação das coleções nunca cessará, mas a idéia de

serviço aqui vem inclusive ajudar ao corpo editorial a criar produtos mais alinhados às necessidades do cliente. Por isso, a área editorial é a que mais tem sofrido conflitos: tem sido a mais instada a sair do seu “castelo de cristal”, para ouvir – por meio da área comercial – os feedbacks e sugestões do cliente escolar. Um exemplo radical visto na Editora1 foi a substituição do Exec1, alguns meses depois de concedida sua entrevista. Ele era um profissional excelente, com 30 anos de profissão, mas que não se adaptou, na velocidade desejada, à nova visão de negócio e à necessidade que é a competência de serviço.

Mathieu (2001) aborda a questão de maneira semelhante, dizendo que a cultura do serviço per se não traz resultado, mas sim precisa estar inserida no contexto que já existe, qual seja, a empresa industrial e seus produtos, estrutura, processos, etc. Ademais, na implantação dessas mudanças, as empresas provavelmente encontrarão resistência de áreas internas, onde a estratégia de serviço não é entendida, e mudanças em fundamentos são vistas com receio.

COMPETÊNCIAS: Para se servitizarem, as editoras têm que adquirir competências (organizacionais e pessoais) típicas das escolas que são suas clientes.

Sim, em parte. Dado que as editoras assumiram uma estratégia de diferenciação, tiveram que desenvolver competências relacionadas ao cliente. Isso tornou Vendas/Marketing como a função crítica (FLEURY, A.; FLEURY, M.; 2003). Sem sombra de dúvida, o fato de serem todas as editoras pertencentes a grupos multinacionais facilitou a aquisição dessas competências organizacionais.

No nível pessoal, foi necessária uma competência de serviço que transformasse a maneira como os empregados exerciam sua profissão. Houve benefício com a valorização de pessoas orientadas a serviço e eventos (ZARIFIAN, 2001b), bem como a contratação de pessoas que já trabalharam em escolas para a linha de frente (área comercial), principalmente professores e coordenadores pedagógicos para as atividades de treinamento e consultoria (capacitação, planejamento pedagógico, etc.).

Já para a retaguarda, é necessária competência de serviço na área editorial, mas diferente daquela necessária na linha de frente: o objetivo é incorporar o feedback na criação de novos produtos. No pessoal de operações, isso é pouco relevante.

ORGANIZAÇÃO: Ao se concentrarem no seu core business, as editoras mudaram de foco, com a redução/eliminação do esforço na produção de bens tangíveis (livros), e por outro lado a abertura de espaço para o desenvolvimento de conteúdo didático e a prestação de serviços.

Sim, esse é um fato. Até o começo dos anos 1990, o parque gráfico de uma editora era até símbolo de poder. O caso emblemático foi o da Editora1, que possuía participação acionária em mais de uma gráfica. Mas a situação mudou, com a nova estratégia competitiva de diferenciação (PORTER, 1980; 1996), a concentração em seu negócio principal (PRAHALAD; HAMEL, 1990), e a constatação de que sua competência essencial não estava na produção, mas no conteúdo de conhecimento (FERNANDES; GONÇALVES, 2011). Atualmente, muito poucas editoras têm departamento gráfico significativo (as editoras pequenas tampouco têm recursos financeiros para investir em parque gráfico). Já a Editora2 e a Editora3 sequer cogitaram montar parques gráficos.

Galbraith (2002; 2005) diz que, de fato, indústrias que transitam de concentrada no produto para concentrada no cliente, geralmente têm redução de seus ativos de produção. A necessidade de se relacionar melhor com o cliente tem como função crítica Vendas/Marketing ,e não manufatura classe mundial ou inovações radicais (FLEURY, A.; FLEURY, M.; 2003).

Os processos das editoras foram pouco alterados. Dado que são burocracias mecanicistas, já existiam processos por onde fluir os trabalhos, informações, etc. As maiores alterações ocorreram na área comercial, onde os serviços foram “encaixados” na fase pós-adoção do processo comercial geral. Examinando essa evidência a partir dos conceitos de visão por processos de negócios, foi uma saída simples e eficaz. A parte mais necessitada de reformas são os processos de comunicação entre a área comercial, que interage com o cliente, e a área editorial na retaguarda, que deveria absorver esse feedback e incorporá-lo ao conteúdo de seus trabalhos.