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Características organizacionais das escolas e das editoras

4. RESULTADOS

4.1 Prólogo à apresentação do trabalho de campo

4.1.1 Características organizacionais das escolas e das editoras

ESCOLAS - A análise do funcionamento das organizações, seja qual for a sua

natureza, demanda uma abordagem relativamente complexa, onde é necessário ter em vista inúmeros fatores. Esses fatores podem ser enquadrados nos mais diversos ramos, desde a sociologia das organizações às ciências do comportamento humano. Segundo Silva, R. (2005), a interpretação da escola como uma organização levou à elaboração, ao longo do século XX, de imagens associadas a diversas configurações definidas por teóricos das organizações. Henry Mintzberg é um caso paradigmático no que concerne ao estudo das diferentes estruturas, dinâmicas e configurações organizacionais, e tendo por base seus trabalhos, será possível compreender o funcionamento da escola. Ademais, poderão ser analisados os fluxos existentes nela e de que forma tais aspectos ajudarão a compreender alguns problemas com os quais ela atualmente se depara.

A escola – particular ou pública - geralmente se enquadra numa Burocracia Profissional (será discutido mais a seguir), dada a maior importância dos profissionais da “produção”, e aos quais é franqueada maior autonomia. Essa autonomia é ideal em um sistema essencialmente normativo, onde o profissional precisa estar qualificado para lidar com imprevistos comuns, ligados ao transcorrer da operação. Seus componentes são:

Linha Intermediária - apesar de a linha hierárquica não ser evidente numa escola, pode-se considerar nas instituições particulares maiores – e mais estruturadas - os coordenadores pedagógicos como sendo a ligação entre a direção e os professores-

operadores. Na verdade, é grande a “fluidez” de funções na escola, tanto que esses coordenadores, ou professores seniores, também fazem as vezes de tecnoestrutura, além de ministrarem aulas. Esses profissionais “trocam de chapéu funcional” com relativa freqüência, em decorrência justamente da pouca formalização da tecnoestrutura, como se verá a seguir.

Tecnoestrutura - existe de fato uma dificuldade em enquadrar a tecnoestrutura em uma instituição de ensino, uma vez que nos modelos de gestão escolar ela é inexistente, ou são os próprios professores - ou a diretoria - que desempenham esse papel. De novo, o tamanho conta: se for uma empresa maior, como uma rede escolar, é possível que exista um staff fixo provendo conhecimento técnico-educacional e gerencial para a escola. Centro Operacional - o produto deste componente não é forçosamente um bem, como as organizações escolares ilustram facilmente: no caso, pode ser o serviço de ensino, que ponha em marcha o processo de aprendizagem. Por extensão, entende-se que os professores são os operacionais que “produzem” o aprendizado nos alunos. De qualquer forma, toda organização vive em função do centro operacional, pois é para ele que ela existe.

Pessoal de apoio – dado que nas escolas essa dimensão é pouco desenvolvida, o pessoal de apoio resume-se àqueles que sustentam todo o sistema, na condição de auxiliares da ação educativa, funcionários administrativos, pessoal de limpeza e refeitório, biblioteca, vigilantes, e outros indivíduos que permitem o funcionamento rotineiro da organização.

Por fim, o fluxo de informação é o mais evidente, uma vez que ela circula pela organização escolar predominantemente por meio de comunicação direta e informal. Ademais, o fluxo decisório pode ser enquadrado num contexto atual, em que a comunidade externa vem assumindo maior importância na realidade escolar e na dinâmica educacional. Quando se abordam questões como a autonomia docente, gestão escolar, e democratização do ensino, com maior participação dos envolvidos na vida da escola - como pais e outros profissionais da educação -, é necessário ponderar sobre como toda essa nova dinâmica de informação e tomada de decisão será “digerida” pelos modelos organizacionais prevalentes na atualidade. Com isso, o processo decisório tem sido aberto para stakeholders antes pouco opinativos.

Ainda sob a perspectiva de Mintzberg, e adaptando as análises de Silva, R. (2005), as escolas particulares brasileiras têm as seguintes possibilidades:

Divisionalizada: é uma configuração que, não estando diretamente associada ao funcionamento rotineiro, aplica-se à estrutura em nível corporativo de uma instituição de ensino. Exemplos desse tipo são as franquias escolares e as redes de escolas vinculadas, direta ou indiretamente, a instituições religiosas. A matriz corporativa faz as vezes de vértice estratégico; sendo o órgão central de poder, possui diferentes departamentos, destinados a apoiar a direção (diretoria corporativa) e as unidades escolares, onde a “produção” do ensino acontece. Na subseção 4.2, será visto que essa configuração está representada em algumas das escolas selecionadas para o estudo de caso;

Simples: podem ser assim classificadas as escolas consideradas empresas de pequeno e médio porte, onde o proprietário é também o principal administrador, e por vezes participa inclusive do processo de seleção e adoção dos livros didáticos. Na subseção 4.2, será visto que essa configuração está representada em algumas das escolas selecionadas para o estudo de caso;

Burocracia profissional: esta configuração é a mais comum e a que mais se enquadra no funcionamento das escolas particulares no Brasil, consideradas empresas médias em tamanho, grau de profissionalização e faturamento (figura 15).

Fig. 15: O modelo de Mintzberg adaptado às escolas. Fonte: Silva, R. (2005).

Nela, o vértice estratégico tem, acima de tudo, uma função de coordenação do pessoal de apoio e gestão dos recursos financeiros e materiais, bem como do patrimônio da escola. Como nas outras configurações, é o centro operacional o componente-chave

da organização. Os operacionais (professores) gozam de mais autonomia para assumir responsabilidades: graças à sua formação, há uma padronização das qualificações, além de certa liberdade para elaborarem seus próprios planos de aula. A tecnoestrutura pequena ou inexistente numa escola realça suas características de burocracia profissional, sendo que o papel de avaliar o processo de produção (aprendizagem dos alunos) e os resultados (o aprendizado per se), cabe aos próprios professores dentro da sala de aula, ou em alguns casos ao corpo docente e staff especializado (nas reuniões técnicas do conselho pedagógico). Na subseção 4.2, será visto que essa configuração está representada em algumas das escolas selecionadas para o estudo de caso. Mesmo nos casos em que há uma configuração divisionalizada, a unidade escolar propriamente dita segue uma burocracia profissional.

Cabe informar que as configurações Burocracia Mecanizada e Adhocracia, em teoria, não se ajustam à missão de uma escola e às regulamentações vigentes no Brasil, e sequer foram encontrados exemplos práticos no trabalho de campo.

EDITORAS - Mintzberg também é de grande auxílio no estudo e classificação das

componentes, dinâmicas e configurações das empresas editoriais. Assim, será possível examinar melhor o funcionamento das editoras - incluindo seus fluxos internos - e de que forma tais aspectos ajudarão a compreender e resolver o problema do presente projeto de pesquisa.

Antes de encontrar uma configuração organizacional que melhore o funcionamento de uma editora de livros didáticos, é importante refletir sobre que mudanças têm ocorrido na arena institucional do sistema educacional brasileiro. São mudanças visíveis e decorrentes da crescente predominância do cliente e sua busca por soluções que redundem em maior qualidade no ensino. Isso afeta mais as escolas, mas certamente também influencia as editoras, que não podem se manter alheias aos fatos. Portanto, precisam buscar modelos organizacionais mais adaptados a essa nova realidade.

Uma organização editorial geralmente é uma Burocracia Mecanicista, na qual a força da tecnoestrutura cria coordenação pela normalização dos processos de trabalho (será discutido a seguir). No Brasil e no mundo, a grande maioria das editoras a partir de médio porte, independentemente da especialização literária – incluindo as editoras de didáticos “pré-servitização” -, é fortemente baseada na estrutura hierárquica definida pelo organograma. Provavelmente, isso é uma herança da mentalidade taylorista, voltada à

otimização da produção do bem físico (impressão dos livros). Enfim, seus componentes são:

Linha Intermediária - numa editora a linha hierárquica é evidente, como na maioria das burocracias mecanicistas, e podem-se considerar os gerentes e coordenadores como os indivíduos que ligam a direção (vértice estratégico) às diversas funções: novos produtos (editoração), produção (gráfica ou contratantes de gráficas), contato com o cliente (divulgação, administração de vendas), etc.

Centro Operacional – os maiores operacionais são os profissionais da área editorial, pois produzem o conteúdo didático presente nos livros ou outro meio; outros importantes são das áreas de vendas e serviços. A produção gráfica (própria ou terceirizada) e a distribuição continuam existindo como uma atividade obvia da editora, mas vem gradualmente perdendo espaço.

Tecnoestrutura – são os analistas que, sem envolvimento direto na produção, dão suporte aos gestores da direção e eventualmente da linha intermediária, como os analistas de organização e tecnologia da informação, custos, distribuição, marketing, etc.

Pessoal de apoio – nas editoras mais estruturadas e maduras, o pessoal de apoio sustenta todo o sistema, auxiliando do trabalho rotineiro: os trabalhadores administrativos, vigilantes e outros indivíduos que colaboram no funcionamento de toda a organização.

Nas editoras o fluxo de informação é evidente, uma vez que a informação entre todos os elementos circula através da comunicação formal, usando os canais proporcionados pela estrutura constituída.

Ainda analisadas sob a perspectiva das configurações organizacionais de Mintzberg, as editoras brasileiras têm as seguintes possibilidades:

Divisionalizada: não constitui uma estrutura completa desde a cúpula estratégica até o núcleo operacional, mas antes tem uma estrutura corporativa sobreposta a outras (filiais divisionais ou subsidiárias). Assim, o que liga o vértice (matriz) à base operacional são as unidades empresariais (divisões). Uma vez definida a estratégia na administração central, de onde emana o poder e a autoridade, as unidades têm sua autonomia de atuação, devendo ao final informar os resultados à matriz, conforme padrões predefinidos. Na subseção 4.2, será visto que todas as três editoras do estudo de caso se encaixam nessa configuração, dado que estão subordinadas a uma matriz corporativa (duas editoras têm matriz européia e uma tem matriz brasileira)

Burocracia mecanicista: nela, a tecnoestrutura tem papel preponderante, atuando para gerar padrões e controles (figura 16).

Fig. 16: O modelo de Mintzberg adaptado às editoras. Elaborado pelo autor.

A estrutura administrativa é sofisticada, sendo que os regulamentos e a hierarquia são predefinidos, e são divididas em departamentos segundo as funções empresariais: editorial, comercial, finanças, etc. Com isso, a administração (diretoria) é claramente distinta da linha intermediária (gerência) e da assessoria (staff), e o poder decisório é relativamente centralizado no topo. Os processos de trabalho são em sua maioria simples e repetitivos, com clara definição de responsabilidades e qualificações necessárias. E a produção é especializada e padronizada em rotinas, com grande escala.

Numa editora com essa configuração, os fluxos são mais regulados e os processos, mais rígidos. Toda comunicação tende a fluir pelos canais formais e segundo a hierarquia. De fato, até um dos processos mais importantes, o de desenvolvimento editorial de produtos (novos livros ou novas edições de livros existentes), é sobremaneira rígido, apesar de quase totalmente intelectual. Não obstante, a própria tecnoestrutura toma iniciativas, visando o aumento de produtividade. Por exemplo, recorrendo a princípios, métodos e softwares de Engenharia Simultânea, aplicada ao desenvolvimento editorial de livros, conforme exposto por Ferreira Junior, Marx e Silva, M. (2009). Dado que o verdadeiro produto de uma organização editorial é o conteúdo (fim), e não propriamente o livro (meio), sua estrutura e fluxos se apóiam cada vez mais na tecnologia da informação e no trabalho virtual (FERNANDES; GONÇALVES, 2011). Em reação, a

Novos livros

(criação editorial) Impressão e distribuição (produção e logística) (comercial e marketing) Vendas e serviços

“Middle” Gerentes Departamentais

Diretoria corporativa

Assessoria - Controladoria Staff técnico - Tecnologia editorial

- Organização

direção (vértice estratégico) passa a requerer maior controle, pressionando por mais padronização dos processos e procedimentos.

Na subseção 4.2, será visto que essa configuração ocorre em todas as três editoras do estudo de caso, em conjunto com a forma divisionalizada. Todas têm uma relacionamento com suas respectivas matrizes corporativas baseado em troca padronizada de informações.

Simples: são assim classificadas as editoras consideradas empresas de pequeno e médio porte, onde o proprietário é também o principal administrador, e que participa inclusive dos processos editoriais de criação de livros. Apesar de ser a configuração mais comum no Brasil, que possui centenas de pequenas editoras, nenhuma das três editoras do estudo de caso se encaixa nessa classificação;

Cabe informar que as configurações Burocracia Profissional e a Adhocracia, em teoria, não se encaixam no padrão de atuação de uma editora, e sequer foram encontrados exemplos reais no trabalho de campo.

Por fim, Zarifian (2001a) provê um bom modelo de análise da estrutura organizacional. Usando como referência os universos da produção, detalhados na subseção 2.3.2, o sistema produtivo para as editoras são:

1. Concepção de novas tecnologias e novos produtos ou serviços - para as editoras, esse universo é representado pelas áreas editoriais, que criam novos livros. Ela é a “contratante” do autor, que produz um conteúdo didático original, de acordo com as especificações alinhadas à linha editorial vigente. Os “trabalhadores braçais” são os editores: encarregam-se do projeto editorial, projeto gráfico, projeto de arte, diagramação, revisão técnica, etc. Detalhe: a criação dos serviços, e o planejamento de seu uso como apoio ao livro, não ocorre no bojo do projeto do próprio livro, e sim é desenvolvido na área comercial; o desenvolvimento integrado é mais comum em sistemas de ensino apostilados;

2. Sistema Técnico - é composto por todas as funções clássicas de Operações, encarregadas do livro-produto: suprimentos, produção, transporte e distribuição física. As editoras do segmento compram o papel sem imposto, pois toda a cadeia do livro didático é livre de impostos. Esse papel é armazenado em um centro de suprimentos (próprio ou terceirizado), e em seguida enviado à planta gráfica (própria ou terceirizada), para a impressão. Os livros prontos seguem para o centro de distribuição (próprio ou terceirizado), e são então transferidos

para filiais comerciais, ou consignados/vendidos aos distribuidores. Seus trabalhadores e seus processos são aqueles tradicionalmente associados à burocracia mecanicista e à produção industrial clássica. Eles poderiam pertencer a uma editora tanto quanto uma montadora de automóveis ou uma fábrica de refrigerante;

3. Relação com o público – pode ser dividido em estrutura fixa e estrutura móvel: (1) A fixa compreende as filiais comerciais e os showrooms – usualmente chamados de Casa do Professor, Sala do Professor, Espaço do Professor -, ou então é uma atividade terceirizada a distribuidores (terceirização prevalece onde há menos vendas). Tem o objetivo de vender o livros às livrarias e escolas, que por fim os revendem ao consumidor final (pais e alunos). (2) E a estrutura móvel são os próprios funcionários responsáveis pelo contato direto com as escolas e professores, e que para lá se deslocam. Podem ser empregados próprios (regime CLT) ou autônomos. O Divulgador – também chamado de Gestor Comercial, ou Consultor de Vendas - tem o objetivo de realizar a divulgação e negociação comercial, na fase pré-adoção. Já o Assessor Pedagógico tem o objetivo de prestar os serviços de assessoria pedagógica, treinamento de professores, etc. na fase pós-adoção.

Como se vê, as áreas essenciais de uma editora de livros didáticos são o Editorial (retaguarda - produtos) e o Comercial (frente - mercado). Elas são as portadoras do que o negócio tem de único, têm os profissionais mais especializados e os processos mais específicos. Um detalhe: no modelo de Zarifian (2001a), o Marketing é colocado à parte dos três universos, mas as editoras sempre os relacionam diretamente com o Comercial. Inclusive o Marketing usualmente subordinado ao Comercial, ou tem peso equivalente,

As mudanças organizacionais necessárias à servitização das editoras serão apresentadas e analisadas caso a caso, na subseção 4.2. Para essa tarefa, serão usados os trabalhos de Galbraith (1995; 2002; 2005). São os que melhor expõem e analisam como se organizar para entregar soluções, além dos contrastes entre as empresas product-centric e as customer-centric.