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Análise sociolinguística na situação de interpretação

No documento Estudos da Língua Brasileira de Sinais III (páginas 80-84)

Markus J Weininger

3.3 Análise sociolinguística na situação de interpretação

Numa situação de comunicação concreta, a variação sociolinguística se manifesta através da realização específica de determinadas variáveis linguísti- cas no nível fonológico (p. ex., no PB, sotaque regional, palatalização, abertura vocálica, rotacismo – “pranta” ao invés de “planta” etc.), no nível lexical (gí-– “pranta” ao invés de “planta” etc.), no nível lexical (gí- “pranta” ao invés de “planta” etc.), no nível lexical (gí- rias, regionalismos, palavras desconhecidas ou menos usuais em outras regiões, palavras mais rebuscadas etc.), no nível sintático (desvios gramaticais sistêmi- cos da norma padrão em todas as áreas sintáticas, por exemplo, o “tu vai” do

regioleto gaúcho) e pragmático (tradições discursivas distintas; dependendo de quem fala, a mesma fala pode ganhar significados bem diferentes). Em geral, uma variante sociolinguística (p. ex., português “caipira”, falar de surfistas, aca- demiquês) se manifesta de forma consistente com marcas específicas em todos esses níveis. Em qualquer situação de comunicação avaliamos os nossos inter- locutores segundo esses critérios, para termos uma base para a negociação de sentido e significado citada na seção inicial desse texto.

Como já mencionado, esses mecanismos também são ativos na comuni- dade Surda. A pesquisa mais sistemática de aspectos sociolinguísticos iniciou nos anos 1970 para a língua de sinais americana (ASL)29. Mas mesmo 25 anos

depois, Lucas (1995) constata:

Porém, há muitos aspectos dessa variação que ainda precisam ser pesqui- sados. Em termos de estrutura linguística, a maior parte dos estudos até hoje está focalizando a variação lexical, com alguns estudos sobre varia- ção fonológica, e muito poucos estudos sobre variação morfológica ou sintática. Em termos de fatores sociais, o maior foco foi dedicado a varia- ções regionais, com alguma atenção a etnicidade, idade, gênero e fatores que exercem um papel particular na comunidade Surda, tais como status audiológico dos pais, a idade com a qual a língua de sinais foi adquirida, e o pano de fundo educacional.30

Com base na abordagem descritiva de Lidell e Johnson, Lucas efetua um estudo piloto analisando a distribuição regional de elementos fonológicos na ASL, porém, precisa admitir que “recém estamos começando a entender o que pode ser variável e quais seriam as restrições à variabilidade.”31 Lucas

(2001) aborda diversos aspectos da dimensão sociolinguística da interpreta- ção de línguas de sinais em grande detalhe. Roush (2007) analisa a variação de registro em ASL em relação aos atos comunicativos de solicitações e recusas e Brockway (2012) dá uma visão geral sobre pesquisas sociolinguísticas sobre a variante afro-americana da ASL. No capítulo 36 do “Oxford Handbook of Sociolinguistics” que tematiza a pesquisa sociolinguística na área de interpre- tação de línguas de sinais, Metzger e Roy (2013, p. 739) colocam o tema desse artigo de maneira clara:

29 Veja também Metzger (2006) para mais detalhes sobre o desenvolvimento das pesquisas e meto-

dologias na área de interpretação de línguas de sinais.

30 Lucas (1995, p. 4); onde não houver indicação contrária, citações de obras em outros idiomas são

reproduzidas nesse texto em tradução minha ao português.

O estudo de Metzger [1999, MJW] modela e exemplifica como a socio- linguística é extraordinariamente adequada para esse estudo complexo da interação humana. O ato de interpretar é uma busca do sentido daquilo que é enunciado ou sinalizado num contexto, incluindo o conhecimento linguístico, social e cultural que os participantes usam para fazer sentido daquilo que ouvem ou veem.

Leeson (2005) analisa uma série de questões relacionadas à variação so- ciolinguística na língua de sinais irlandesa (ISL) em relação a gênero e orienta- ção sexual e coloca questionamentos importantes como intérpretes devem lidar com esses aspectos. Entre eles, o problema de que no ensino da língua de sinais para ouvintes, essas variantes são omitidas: “Se as variedades da língua de si- nais não foram descritas por linguistas, e se os itens lexicais típicos de certas variedades não constam dos dicionários da ISL, então, como os alunos de ISL, incluindo os intérpretes, podem adquirir a compreensão dessas formas?”32 Na

Irlanda, segundo Leeson, os instrutores Surdos de ISL quase sempre são do gê- nero masculino, eliminando do ensino a variedade feminina da ISL que contém desvios consideráveis. Leeson questiona se mesmo os intérpretes dominando as variedades de sinalização marcadas por gênero devem usá-las em públicos predominantemente masculino ou feminino? Mesmo conhecendo a variedade, estarão conscientes de todas as implicações do seu uso? E como devem proceder em públicos mistos?33 Em relação à variedade gay da ISL, Leeson coloca a ques-

tão até que ponto é aceitável usar essa variedade na interpretação se o/a intér- prete não for gay, “embora variedades existam em todas as línguas, nem sempre é apropriado para todos os membros de uma comunidade linguística usarem todas as variedades, mesmo que as reconheçam e compreendam.”34

A pesquisa de Nicoloso (2010; 2012) que usa recursos da análise crítica de discurso mostra que existem variantes de gênero na forma de sinalização de intérpretes de língua de sinais, tanto na forma como referenciam marcas de identificação de gênero quanto na sua construção do discurso mediante estra- tégias como omissão e explicitação aplicadas de forma diferente de acordo com o gênero masculino ou feminino do/da intérprete. É interessante perceber que o foco da investigação de Nicoloso é a variação sociolinguística existente nos

profissionais intérpretes; a referência de sua pesquisa é a análise comparativa

32 Leeson (2005, p. 261-262). 33 ibd.

34 Leeson (2005, p. 255) retoma essa questão na p. 288 acrescentando que o/a intérprete precisa

desenvolver a sua sensibilidade nessa questão com base na sua experiência, através do sistema de tentativa e erro.

do texto de partida e de chegada, ela não considera as variações sociolinguisti- camente relevantes dos emissores e destinatários dos textos interpretados. A proposta do presente artigo é diferente: o foco da análise sociolinguística aqui está na variação perceptível nos participantes do discurso intermediado, não nos mediadores. Essa mudança de paradigma de não priorizar o texto de partida a ser interpretado e incluir todo o contexto como fonte igualmente importan- te para o processo de transposição está alinhavada com a abordagem conheci- da como funcionalismo alemão nos Estudos da Tradução, com base em Hans Vermeer, Katharina Reiss e Christiane Nord35. A base para uma ação translató-

ria satisfatória para Nord é uma análise de fatores intratextuais e extratextuais, no nosso caso, especialmente os relacionados com a variação sociolinguística. Nord define nesse contexto a competência metacomunicativa como “saber que a seleção de signos linguísticos e não linguísticos que formam um texto é guiada por fatores situacionais e culturais e que esse princípio se aplica igualmente à produção na cultura de partida e chegada.”36 Como indicado no início desse

texto, os fatores intra e extratextuais com relevância para a variação sociolin- guística encontram-se tanto no nível de escolha lexical, codificação sintática, realização fonológica, elementos paralinguísticos e não verbais. No nível lexical há elementos que são marcados como variações regionais ou socioletais, ele- mentos mais ou menos frequentes, elementos que pertencem a uma língua de especialidade técnica. A codificação sintática pode ser mais ou menos elaborada ou complexa. A realização fonológica consegue marcar os mesmos fatores que nem a escolha lexical. Os elementos paralinguísticos, ou seja, que são realizados de forma concomitante com a produção linguística e não podem ser emitidos de forma independente da fala são principalmente os recursos prosódicos que serão tematizados na próxima seção deste artigo. Os elementos extralinguísticos ocorrem de forma independente da produção linguística e incluem aparência, fisionomia, adereços, postura e linguagem corporal, gestos e sons não linguísti- cos, incluindo interjeições, elementos de chamar a atenção dos interlocutores, mas também coisas como suspiros ou bocejos que comunicam aos seus interlo- cutores algo sobre a identidade e atitude dos participantes.

Nord (1997) prioriza o propósito da interação intermediada para guiar as decisões translatórias (ou skopos, em grego). Para identificar o(s) propósito(s) de cada interação, a análise da variante sociolinguística contribui elementos importantes. Leeson (2005) fala do mesmo aspecto em outros termos: “Co- nhecer o público é um passo estratégico (...). Se você não estiver consciente

35 Veja Nord (1997) para uma introdução rápida no funcionalismo alemão. 36 Nord (2000, p. 28-29).

das características sociolinguísticas e atitudes sociopolíticas dos membros do seu público, é muito difícil tomar decisões conscientes sobre como apresentar informações.”37

Assim, as ferramentas da sociolinguística variacionista fornecem uma impressão mais precisa para saber “quem está falando?”. Ainda não é a resposta à pergunta “o que está acontecendo?” de Ribeiro e Garcez (2002) acima, mas é o primeiro passo crucial nessa direção. As marcas da variação sociolinguística transportam informações extremamente relevantes sobre o contexto dentro do qual o falante se situa. Mostram uma parte de sua história, sua biografia, suas experiências prévias, seus valores, suas crenças, atitudes e convicções subjacen- tes à sua fala. Sabendo quem fala, é mais fácil entender o porquê da sua fala, existe uma chance maior de captar a intenção comunicativa explícita e implícita daquele ato da fala. Muitas vezes, aquilo que não é dito é mais importante do que o que é dito, e as pistas fornecidas pela análise sociolinguística variacional permitem perceber esses aspectos com mais precisão.

3.4 Elementos prosódicos e identidade linguística em

No documento Estudos da Língua Brasileira de Sinais III (páginas 80-84)