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2. A liberalização do mercado de café: contextualização e perspectivas

2.5. Abordagens institucionalistas: Estado e mercado no contexto da liberalização

2.5.4. Análises institucionalistas sobre o SAG do café no Brasil

As análises referenciadas pelo instrumental institucionalista, sobretudo aquele oferecido pela ECT, têm se difundido no meio acadêmico brasileiro e influenciado pesquisadores em programas de pós-graduação dedicados ao estudo do meio rural, principalmente nas áreas de economia e/ou economia agrícola ou rural, em agronegócios, em administração, em ciências sociais e outras áreas correlatas.

Sem pretender fazer uma revisão exaustiva das pesquisas recentes, destacamos a importância do PENSA da USP que foi pioneiro na análise institucionalista aplicada ao meio rural e um centro difusor deste modelo no Brasil, desde o trabalho do professor Décio Zylbersztajn, principalmente. Desde o início da década de 1990, o PENSA tem desenvolvido um programa de pesquisas sobre o agronegócio, incluindo o sistema agroindustrial do café, adotando o referencial analítico neoinstitucionalista, especialmente a Economia dos Custos de Transação. O foco analítico das pesquisas desenvolvidas pelo PENSA é “o estudo dos Sistemas Agroindustriais (SAG), particularmente as relações de coordenação dos agentes envolvidos na produção, processamento e distribuição dos produtos originados na agricultura e pecuária”. A metodologia de tais estudos é baseada em três marcos conceituais: estrutura do mercado dos segmentos (Organização Industrial); Economia de Custos de Transação com base nas características das transações entre os agentes do sistema; ambiente institucional relevante para o negócio20.

Um dos estudos mais significativos e um dos pioneiros produzidos nesse contexto é a tese de livre docência de Zylbersztajn, que analisa a coordenação do agribusiness brasileiro a partir de suas estruturas de governança por meio do referencial da Economia dos Custos de Transação, tomando o SAG do café para estudo de caso (ZYLBERSZTAJN, 1995). A partir

de uma detalhada revisão da obra de Williamson, Zylbersztajn propõe a aplicação da “análise institucional discreta comparada” no estudo da coordenação do agribusiness. Esta análise se caracteriza pelo enfoque comparativo entre formas de governança alternativas alinhadas com os fatores teóricos determinantes destas formas, com base em critérios de eficiência, ou seja, minimização de custos de transação, conforme modelo analítico proposto por Williamson (ZYLBERSZTAJN, 1995, p. 33). Segundo Zylbersztajn

[...] a proposta central é de que os sistemas agroindustriais podem ser analisados como conjuntos de transações onde as estruturas de governança prevalecentes são um resultado otimizador do alinhamento das características das transações e do ambiente institucional. A otimização, nesta análise, tem o mesmo significado da busca de eficiência presente na análise típica neoclássica, adicionando-se os custos de transação distintos de zero e o ambiente institucional não neutro (ZYLBERSZTAJN, 1995, p. 137).

Além do modelo da ECT, Zylbersztajn parte do trabalho de Davis e Goldberg desenvolvido na Escola de Harvard e sua conceituação de agribusiness, considerando-os como complementares. Conforme o autor, estas perspectivas teóricas são compatíveis e, enquanto a perspectiva de agribusiness é mais descritiva, a ECT permitiria avançar teoricamente e dar subsídios ao teste de hipóteses. Ou seja, a partir da aplicação da “análise estrutural discreta” aos SAGs seria possível definir as estruturas de governança emergentes ou prevalecentes, que seriam sempre as formas de coordenação otimizadoras ou que permitiriam maior eficiência, tendo em vista as características das transações e do ambiente institucional.

Na aplicação do modelo analítico ao SAG do café, Zylbersztajn identifica algumas tendências centrais, com algumas diferenças para o ‘sub-sistema orientado para a qualidade’. Identificando as transações que se estabelecem entre os diversos segmentos do SAG, o autor aponta que nas transações que se dão no nível da propriedade agrícola há um alto grau de especificidade de ativos, conexo aos aspectos idiossincráticos da produção relacionados às características naturais e tecnológicas dos cultivos. Ainda, as características institucionais são específicas, relacionadas à longa intervenção governamental no setor. Dadas tais condições, os arranjos contratuais resultantes destacam a existência de cooperativas, que comercializam 40% da produção nacional e permitem reduzir o risco característico das transações dos produtores com a indústria e o maior poder de mercado desta (ZYLBERSZTAJN, 1995, p. 210). Por outro lado, há um tipo de arranjo contratual em que os produtores tornam-se dependentes dos compradores, devido ao fato de existirem muitos produtores com produto relativamente homogêneo, reduzindo a especificidade dos ativos.

Apesar de reconhecer a permanência do tipo de arranjo contratual em que há dependência dos produtores em relação aos compradores e baixa especificidade de ativos

(produto homogêneo), Zylbersztajn considera que a forma de governança que tende a prevalecer no segmento referente às transações a partir do produtor no SAG do café é a forma cooperativa, que permitiria maior redução de custos de transação e, portanto, maior eficiência. É importante guardar esta conclusão do estudo citado, pois retornaremos a ela e a discutiremos quando da apresentação de nossa própria análise, cujos resultados não coadunam com aqueles apresentados por Zylbersztajn.

Em outra pesquisa produzida pelo PENSA, encomendada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no contexto de uma ampla análise do agribusiness brasileiro, Saes e Farina (1999) estudam o SAG do café e buscam produzir considerações para os agentes envolvidos em termos de políticas para o setor. A partir da noção de “competitividade” e do referencial teórico da ECT, as autoras realizam uma ampla análise do SAG do café em todos seus segmentos, considerando as transações entre cada um destes, os agentes presentes, as características institucionais e os resultados em termos de estruturas de governança.

Segundo as autoras, a regulamentação que esteve presente no setor durante boa parte do século XX resultou em perda de competitividade. Apesar disso, com a desregulamentação a partir da década de 1990, a competitividade pouco teria se alterado, o que em parte se deveria à conjuntura internacional adversa e em parte à baixa capacidade de coordenação dos agentes do sistema, tendo em vista as novas exigências do mercado. Enquanto há uma tendência de crescimento da demanda por cafés especiais, a produção e as transações no SAG do café brasileiro tendem a não premiar a qualidade e, portanto, predomina o café commodity. Como mostram as autoras, o problema de coordenação do SAG do café surge de falhas de mercado, entre as quais se destacam a assimetria de informação na compra e venda de café verde, existência de mercados incompletos, externalidades decorrentes da necessidade de provisão de bens públicos/coletivos, tais como marketing e pesquisa e concentração do mercado varejista (SAES; FARINA, 1999, p. 14).

De modo geral, os estudos produzidos pelo PENSA apontam que a intervenção anteriormente praticada pelo Estado no SAG do café se estendeu por todo o sistema, definindo a forma de coordenação dos agentes da cadeia desde o segmento produtor até o consumidor. Os efeitos dessa política de regulamentação do setor teriam sido prejudiciais para a competitividade interna e externa do SAG do café (SAES; FARINA, 1999). Isso se deveria, entre outros fatores, sobretudo pela ênfase na produção de quantidade do café commodity e a falta de incentivos para a produção de cafés de qualidade ou ‘especiais’, a despeito das mudanças ocorridas na dinâmica do mercado internacional, sobretudo com o aumento da

demanda por esse tipo de produto. Também, esses estudos consideram que no atual contexto de desregulamentação há uma série de problemas de coordenação do SAG do café. As consequências dos problemas de coordenação do sistema se expressam, principalmente, no nível dos produtores, que se encontram em uma posição fragilizada institucionalmente e politicamente, em muitos casos.

As conclusões de tais estudos em termos de políticas públicas para o setor tendem a ser contrárias a qualquer tipo de retorno à regulamentação do mercado, como a praticada até o final da década de 1980. Todavia, tampouco se apresentam como uma defesa do livre mercado, ignorando a importância do Estado para a coordenação dos sistemas agroindustriais. Por outro lado, tendem a defender formas de coordenação “neocorporativistas”, com forte participação do setor privado organizado por grupos de interesse, reunidos em um fórum, tendo o Estado como mediador (SAES, 1995; SAES; FARINA, 1999). Tendem ainda a defender a importância do Estado na esfera jurídica e normativa, para dirimir conflitos e garantir o funcionamento dos mercados, e no provimento de bens públicos ou coletivos, como pesquisa, informação e marketing.