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Anafilaxia, alergia e autoimunidade A evolução do modelo de Encefalomielite Autoimune Experimental e a utilização de

Evolução dos Conceitos Etiopatogénicos na Esclerose Múltipla e o Desenvolvimento dos

3. Anafilaxia, alergia e autoimunidade A evolução do modelo de Encefalomielite Autoimune Experimental e a utilização de

adjuvantes. A EAE como doença mediada por hiperimunidade celular.

O contributo da reacção imune na geração de danos neuropatológicos vinha, igualmente, sendo abordado no contexto de reacções anafilácticas, para além das experiências de imunização e vacinação acima descritas. De facto, no início do Século, os trabalhos de DELEZENNE e, depois, do seu discípulo ARMAND-DELILLE, tinham demonstrado que era possível

desenvolver “soros neurotóxicos” por inoculação de cobaios com emulsões de encéfalo de coelho, e que a administração intracerebral, em coelhos, destes soros levava ao aparecimento de paralisia e convulsões, não acontecendo o mesmo pela injecção intracerebral de soro fisiológico (107, 108). Os mesmos resultados tinham sido encontrados injectando encéfalo de cão em patos, e administrando o “soro neurotóxico” assim obtido a partir destas aves, intra- cerebralmente em cães (107), e foram, depois, confirmados por CENTANNI, injectando encéfalo de coelho em cordeiros (citado em (108)), bem como por ARMAND-DELILLE inoculando cérebro de cão em gansos, patos, carneiros, coelhos e cobaios (108). Este último autor descreve, igualmente, os achados neuropatológicos encontrados, e reporta a existência macroscópica de uma marcada congestão vascular, com hemorragias disseminadas, e microscopicamente, para além do referido estado congestivo, múltiplas hemorragias intersticiais e infiltrados leucocitários (compostos sobretudo de células polimorfonucleares) no parênquima encefálico e nas meninges, interpretados pelo autor como uma manifestação do “[...] phénomène d’appel leucocytaire que produit l’introduction de toute substance, non pás indifférente, mais nocive, pour l’organisme” (108). Esta reacção imune local, acompanhada de vasocongestão e hemorragia, configura o que mais tarde se veio a chamar reacção de hipersensibilidade do tipo ARTHUS (tipo III).

Na mesma linha, DAVIDOFF, SEEGAL e SEEGAL demonstraram a indução de reacções anafilácticas do tipo Arthus no encéfalo de coelhos injectados repetidamente com antigénios heterólogos (soro, albumina, eritrócitos), tendo estes animais demonstrado sinais de paralisia contralateral ao lado da injecção e convulsões, correspondendo, histologicamente, a lesões com edema, hemorragia e infiltrados leucocitários (109). ALEXANDER e CAMPBELL confirmariam estes dados pouco tempo depois através da injecção sistémica de soro de cavalo em cobaios, seguida de uma injecção intracerebral do antigénio (citados em (110)). A análise detalhada das alterações neuropatológicas provocadas por este tipo de indução experimental de anafilaxia cerebral, só viria a ser feita mais tarde por JERVIS, FERRARO, KOPELOFF e KOPELOFF (1941). Estes autores

encontraram, para além das alterações típicas do fenómeno de ARTHUS no local de injecção do antigénio, lesões à distância, disseminadas em todo o encéfalo, consistindo de pequenos focos de desmielinização perivascular com infiltrados celulares acompanhantes, consideradas como muito semelhantes às produzidas nas experiências de RIVERS e FERRARO (110). Tal como para estas últimas, a sua génese foi atribuída a uma reacção antigénio- anticorpo; a injecção local de proteínas heterólogas, no contexto da provocação de uma reacção hipersensível do tipo ARTHUS, libertaria antigénios de mielina que, comportando-se como haptenos e associados à proteína heteróloga como portadora, desencadeariam uma reacção imune com produção de anticorpos específicos. Estes, por sua vez, iriam induzir reacções antigénio-anticorpo à distância, reagindo contra os antigénios-alvo da mielina (110).

A constatação de que a presença de anticorpos na circulação cerebral tinha capacidade patogénica já tinha sido demonstrada por FORSSMAN (1920) após a injecção de soro contendo anticorpos FORSSMAN na artéria carótida de cobaios (citado por (111)). Este “síndrome carotídeo” de FORSSMAN, consistindo de desequilíbrio, movimentos rotatórios, desvio tónico do olhar e nistagmo era presumivelmente provocado por uma reacção antigénio-anticorpo (existindo antigénio FORSSMAN normalmente no sistema nervoso) ocorrendo no tronco cerebral. O antigénio FORSSMAN é capaz de induzir a produção de anticorpos hemolíticos anti-eritrócitos de carneiro em várias espécies; descoberto, originalmente, no rim de cobaio, é um polissacárido que se sabe, hoje, corresponder ao receptor de glicanos Gb5 (globopentaosilceramido). A presença deste antigénio no endotélio vascular leva a que a reacção antigénio-anticorpo FORSSMAN gere uma vasculopatia imune capaz de produzir choque por vasculite sistémica e vasculite hemorrágica cutânea (112). As características neuropatológicas das lesões provocadas no “síndrome carotídeo de FORSSMAN” foram estudadas por JERVIS (1943) (111). As lesões encontradas tinham um carácter vascular inicial, com lesão do endotélio e quebra da barreira hemato-encefálica, seguida, em alguns casos, por lesões parenquimatosas com características

desmielinizantes e inflamatórias perivasculares, semelhantes às obtidas na EAE (111). Como tal, o que JERVIS demonstrou desta forma foi que a síndrome de FORSSMAN era uma vasculopatia experimental por lesão imune do endotélio; os seus resultados devem, como tal, ser interpretados como uma prova-de-conceito (inovadora na altura) que a activação do sistema imune, actuando através de uma reacção antigénio-anticorpo local, é capaz de lesar o Sistema Nervoso Central, mesmo se, como agora sabemos, o antigénio não pertença, propriamente, à substância nervosa ela própria. No entanto, os seus resultados têm, também, sido apontados, até mesmo recentemente, pelos defensores da teoria tóxica-vascular, como prova conceptual de que é possível reproduzir os achados patológicos das doenças desmielinizantes humanas, e os da EAE, sem ser necessário postular um ataque antigénio-específico do Sistema Imune aos componentes da mielina do SNC (113).

Tentando sumarizar o ponto da situação no que dizia respeito à interpretação dos dados neuropatológicos provenientes quer do estudo das doenças desmielinizantes primárias, pós-infecciosas e pós-vacinais no ser humano, bem como dos estudos experimentais que acima delineámos, Armando FERRARO (1944), num trabalho de síntese notável, baseado não só numa extensa revisão da bibliografia, mas, também, nos seus trabalhos experimentais e clínicos, propõe que a base comum para a interpretação das alterações patológicas encontradas neste grupo diverso de patologias seria considerá-las como reacções alérgicas no encéfalo (114). Considerando, à vez, as diferentes teorias etiológicas então em voga (e que, resumidamente, descrevemos acima) – infecciosa, tóxica, lipolítica, vascular -, FERRARO junta, sob a mesma égide, os dados provenientes dos estudos neuropatológicos humanos, com os estudos experimentais da EAE de RIVERS e FERRARO, bem como os de anafilaxia cerebral de JERVIS. Comparando as características patológicas das doenças desmielinizantes primárias, as das reacções alérgicas experimentais (tais como as alterações cerebrais na anafilaxia sistémica e local), e as das lesões produzidas no modelo de RIVERS, no que diz respeito à presença de desmielinização,

hemorragias, envolvimento dos vasos sanguíneos, formação de trombos, distribuição, tipo e intensidade da reacção perivascular, presença de necrose e gliose, na opinião deste autor “[...] The similarity of the pathological changes associated with acute and chronic demyelinating diseases and the pathologic features of experimental anaphylaxis of the brain establishes […] a definite analogy between the two processes” (114). As dificuldades e confusões habitualmente encontradas na literatura proviriam da fragmentação clínica e patológica artificial das doenças desmielinizantes (tal como referimos anteriormente), a falta de discriminação entre alterações patológicas agudas e crónicas, tendências individuais para categorizações dogmáticas das alterações patológicas em degenerativas ou inflamatórias, e a ausência de suporte experimental para a evolução das lesões agudas, inflamatórias, para crónicas e cicatriciais (114). Pelo menos esta última dificuldade poderia ser superada pelos modelos experimentais em desenvolvimento, que, de forma ainda mais importante “[...] will open new avenues to the interpretation of the pathogenesis and histogenesis of multiple sclerosis [...] and the acute encephalomyelitides” (114). Os modelos animais surgem, assim, não só como formas de reproduzir a patologia das doenças desmielinizantes; partindo da unicidade patológica proposta para as lesões desmielinizantes com base na reacção alérgica, a capacidade de reprodução das lesões implica, necessariamente, uma comunhão das suas causas e mecanismos, pelo que, através do estudo dos modelos animais, poder-se-ia chegar à compreensão das doenças humanas. Igualmente, esta interpretação alérgica da desmielinização “[...] would offer a new avenue of interpretation in the field of prevention and therapy of the important group of demyelinating diseases on an immunologic basis” (114) – o postulado inicial para qualquer tipo de terapêutica imunomoduladora, tal como as terapêuticas antigénio-específicas alvo do nosso trabalho. Inicialmente, no entanto, com base nesta interpretação alérgica, foram feitos ensaios terapêuticos com histamina, como, por exemplo, em Portugal por Diogo FURTADO e Vasco CHICHORRO, embora sem eficácia aparente (74).

A existência de uma reacção imune específica contra componentes do sistema nervoso tinha vindo a ser demonstrada com os trabalhos de BRANDT, GUTH e MULLER (1926) (101), e WITEBSKY e STEINFELD (1928) (102), que foram capazes de detectar anticorpos anti-substância nervosa, por testes de fixação de complemento e precipitação, em animais injectados com lípidos cerebrais conjuntamente com soro porcino, e com cérebro heterólogo, respectivamente. WITEBSKY demonstrou o aparecimento de um “antisoro” cerebral específico após imunização de coelhos com cérebro bovino, capaz de distinguir entre o cérebro e outros órgãos do mesmo animal, mas não entre o cérebro desta espécie e o de outras como o cobaio ou o rato, e que este soro reagia com um componente lipídico do encéfalo (102). Como vimos anteriormente, também SCHWENTKER e RIVERS (103), e LEWIS (104) tinham sido capazes de induzir uma resposta específica de anticorpos, e os primeiros tinham-na correlacionado com um provável componente presente na mielina madura do sistema nervoso central. No seguimento destes trabalhos, BAILEY e GARDNER confirmam a presença de uma reacção imune específica contra o cérebro, e capaz de gerar anafilaxia experimental, mas, sobretudo, que o antigénio associado à mielina poderia ser, em vez de um lípido, um polissacárido ou uma proteína (115), o que mais adiante seria fundamental.

A confirmação do papel do Sistema Imune na indução de lesões desmielinizantes, e a afirmação do modelo de Encefalomielite Alérgica Experimental de RIVERS, viria a ter uma nova sustentação sobretudo após a aplicação da técnica dos adjuvantes à imunização com extractos de substância nervosa. A constatação de que a indução de anticorpos contra um determinado antigénio não-tuberculoso era mais eficaz em cobaios concomitantemente infectados por tuberculose (116), e depois que o efeito poderia ser reproduzido pelo uso de micobactérias mortas como agente co- imunizador (117), culminou com a sua combinação com as técnicas de emulsificação água-em-óleo desenvolvidas e aperfeiçoadas por Jules FREUND, não só para fins de imunização, mas, também, para prolongar o efeito do produto biológico dessa forma inoculado (118, 119). Este aumento

de imunogenicidade obtido pela técnica adjuvante de FREUND, foi aproveitado por Lenore e Nicholas KOPELOFF para conseguir obter títulos significativos de anticorpos específicos anti-substância nervosa em macacos Rhesus imunizados com cérebro homólogo e heterólogo, uma evolução em relação ao que tinha sido alcançado, anteriormente, apenas em coelhos (120).

A aplicação da técnica adjuvante de FREUND aos modelos experimentais de desmielinização não se fez esperar: noutro ponto de viragem na história da investigação experimental das doenças desmielinizantes são publicados, concomitantemente, os trabalhos de Isabel MORGAN, e Elvin KABAT, Abner WOLF e Ada BEZER, em 1946, no

Journal of Experimental Medicine (resultados preliminares tinham sido

publicados no mesmo ano no Journal of Bacteriology e na revista Science, respectivamente). O que estes dois grupos, trabalhando separadamente, e partindo de intenções diversas, conseguem demonstrar, é que a conjunção das experiências de inoculação de substância nervosa de RIVERS com a técnica adjuvante de FREUND resultava numa melhoria substancial dos resultados, sendo necessárias muito menos injecções que anteriormente para obter o mesmo tipo de encefalomielite aguda disseminada, com lesões desmielinizantes e inflamatórias dispersas, e de forma muito mais reprodutível. Não é menosprezável o impacto deste díptico de artigos na história da EAE; não só se consegue, consistentemente, a obtenção de sinais clínicos e histológicos de doença neurológica (algo que, anteriormente, tinha sido difícil), mas sobretudo afirma-se, de forma inequívoca, que a activação não-específica do Sistema Imune por meio do adjuvante de FREUND contribuía, de forma significativa, para a génese das lesões desmielinizantes. Para além da identidade patológica com as doenças desmielinizantes humanas, já anteriormente afirmada, é dado o salto conceptual para uma etiopatogenia baseada numa reacção imune “alérgica”, ou “isoalérgica”, uma vez que se baseia na reactividade contra antigénios do próprio.

O trabalho de KABAT, WOLF e BEZER (121) vem na mesma linha dos trabalhos de RIVERS e FERRARO, e baseia-se, a priori, na hipótese em que a interacção entre a substância nervosa e os anticorpos anti-cérebro produzidos pela sua inoculação era central na patogénese deste modelo experimental, e que, como tal, o papel estimulador dos adjuvantes poderia potenciá-la. Utilizando emulsões de cérebro homólogo (macaco) e heterólogo (coelho) contendo Mycobacterium tuberculosis morto pelo calor, estes autores conseguiram induzir sinais clínicos e histológicos de desmielinização em 17 de 19 macacos Rhesus inoculados 3 a 5 vezes, em média cerca de 30 dias após o início da experiência (ao contrário dos 3 a 13 meses de RIVERS e FERRARO). É feita uma tentativa de transferência de soro, supostamente contendo anticorpos, de animais doentes para saudáveis, na tentativa de induzir desmielinização, mas sem sucesso. Histologicamente, quer no que diz respeito à distribuição, quer às características microscópicas, as lesões encontradas eram muito semelhantes às das encefalomielites agudas humanas, e às formas agudas de Esclerose Múltipla, sobretudo pelo seu carácter desmielinizante, com relativa preservação axonal, bem como pela presença de lesões em várias fases de evolução (121). É igualmente estabelecida uma analogia com a então recentemente descrita leucoencefalite aguda hemorrágica de WESTON HURST (122), sendo esta comparada a uma forma extrema de encefalomielite disseminada; posteriormente, uma forma de EAE hiperaguda viria a ser desenvolvida como modelo da doença de HURST (123). Neste trabalho afirma-se, claramente, o primado da etiologia imune das lesões desmielinizantes, com base na sua especificidade para o sistema nervoso (sendo a especifidade uma das características fundamentais da reacção imune adaptativa), no contributo dos adjuvantes, na localização perivascular consistente com a exposição a anticorpos presentes no sangue destes animais, e nas características histológicas das lesões que, em alguns casos, se assemelhavam a fenómenos de hipersensibilidade de tipo reacção de ARTHUS (121). A ausência de lesões vasculares noutros órgãos é apontada como um argumento contra a teoria trombogénica/vascular proposta por

outros autores. Por último, a demonstração feita pelo grupo de KABAT, mas igualmente por MORGAN, de que a utilização de cérebro homólogo era igualmente capaz de provocar idênticas lesões leva a que a “[...] autoimmunization as a possible mechanism in the production of comparable lesions in man must be considered” (121). Pela primeira vez, a possível natureza autoimune da Esclerose Múltipla estava a ser inequivocamente declarada; tal como FERRARO anteriormente, os autores propõem que nas encefalomielites disseminadas, “[...] pathological changes brought about by the infecting virus or other causative agent, result in the liberation of brain tissue in a form which is both antigenic and can reach the sites of antibody formation” (121), uma proposição que é, ainda hoje, tida como verdadeira.

Num trabalho de seguimento, dedicado apenas à avaliação neuropatológica detalhada destes animais, os mesmos autores confirmam as semelhanças entre o quadro clínico de surtos e remissões, habitual na Esclerose Múltipla, e o observado nestas experiências; igualmente, é estabelecido um paralelo entre a existência de lesões desmielinizantes em várias fases de evolução, a sua distribuição predominantemente perivascular e a relativa ausência de danos axonais nesta patologia experimental, e nas doenças desmielinizantes humanas (124). Uma vez mais, a evolução rápida, quase fulminante em alguns casos, da doença experimental, é comparada à da leucoencefalite hemorrágica de HURST.

Dois outros trabalhos do mesmo grupo são publicados no ano seguinte, o primeiro dedicado à natureza do antigénio presente no sistema nervoso, e o segundo referente ao problema da autoimunidade. Baseando-se na hipótese de que a doença era provocada por uma reacção imune contra um antigénio presente na substância nervosa, o grupo de KABAT confirma a sua existência em vários animais (humano, macaco, coelho, e galinha), mas a sua ausência em peixes e répteis. Este elemento era resistente à fixação em formalina, aquecimento e ultra-sons, mas destrutível pela extracção por álcool; o mesmo paralelismo, já anteriormente encontrado por RIVERS, com o estado de mielinização do sistema nervoso, é confirmado no coelho (125). Tentativas de transferência passiva de doença por injecção endovenosa e

intracisternal de soro de animais doentes, ou por transferência celular de suspensões de baço e gânglio linfático por via intraperitoneal ou intramuscular, foram igualmente negativas, o que, mesmo na opinião destes autores, deixava no que diz respeito ao contributo do sistema imune “[...] a serious gap in the chain of evidence supporting this hypothesis that an antibody to the injected brain tissue reacts with the nervous system of the animal to produce the disease, since no positive evidence for such an antibody has yet been obtained” (125).

Desde essa altura, as numerosas tentativas realizadas, por estes e outros autores, de transferência passiva de EAE iriam resultar em fracasso, nomeadamente pela excessiva focalização no papel da resposta humoral, e pela ausência de formas de garantir a sobrevivência prolongada das células injectadas. Somente com o trabalho de Philip PATERSON iriam estas dificuldades ser vencidas, e, a partir desse momento, o papel dos linfócitos T adquiriu a importância central que lhes é hoje reconhecida (126). No que diz respeito à autoimunidade, haveria sempre a possibilidade, dadas as variações individuais mesmo dentro de cada espécie, de que a inoculação com encéfalo homólogo pudesse ser comparável à administração de antigénios não-próprios. Como tal, KABAT decide praticar lobectomias frontais em macacos Rhesus e, depois, imunizar animais individuais com emulsões de encéfalo e adjuvante preparadas a partir do seu próprio cérebro, obtendo desta forma sinais clínicos e histológicos de desmielinização (127). Estes resultados confirmaram, inequivocamente, que, dadas a condições certas de estimulação do sistema imune, era possível quebrar a tolerância contra antigénios do próprio, e induzir autoimunidade patogénica.

O trabalho de Isabel MORGAN parte de um pressuposto totalmente diferente: pretendendo a autora aumentar a imunogenicidade da vacinação contra o vírus da poliomielite em macacos Rhesus, confirma os resultados obtidos por KABAT. Após inoculação com medula espinhal de macaco infectada com o vírus, emulsificada com o adjuvante de FREUND na tentativa de induzir maiores títulos de anticorpos antivirais, ocorreram sinais de disfunção neurológica na maioria dos animais experimentais

(cegueira, nistagmo, ataxia e espasticidade), correlacionáveis com a existência de numerosas, extensas e disseminadas lesões inflamatórias e desmielinizantes perivenulares no encéfalo e medula espinhal (128). No seguimento destes resultados inesperados, tentou-se a imunização com emulsões de medula não infectada, tendo-se obtido os mesmos resultados, levando à conclusão que o fenómeno observado era devido a uma “[...] organ- specific isoimmunization in response to injection of central nervous tissue with adjuvants” (128). Temos aqui, portanto, uma demonstração independente do mesmo fenómeno, obtido por uma investigadora não directamente interessada na mesma área, e que reforça o conceito de que a estimulação do sistema imune por adjuvantes conseguia vencer a barreira da imunização contra antigénios do próprio. Tal como KABAT, MORGAN tenta a transferência de patogenicidade com soro de animais doentes, mas igualmente sem resultado. No mesmo ano, MORRISON aborda, novamente, a questão da isoimunização, desta vez utilizando como animal experimental o coelho, e consegue demonstrar, igualmente, a ocorrência de sinais clínicos e histológicos de encefalomielite inflamatória e desmielinizante, equiparados pelo autor aos encontrados na Esclerose Múltipla (129). Por sua vez, FREUND, STERN e PISANI fazem a mesma demonstração de autoimunização para o cobaio, utilizando cérebro homólogo e heterólogo (coelho), e embora não tenham conseguido encontrar desmielinização nesta espécie, relataram o aparecimento de sinais clínicos e histológicos idênticos aos descritos por outros autores (130).

JERVIS e KOPROWSKI, utilizando o mesmo animal experimental, obtiveram idênticos resultados após inoculação de cérebro de coelho, e relataram, de igual forma, uma relativa pobreza de lesões desmielinizantes, comparativamente a outras espécies (131). Mais tarde, a indução de formas experimentais de doença desmielinizante aguda, subaguda e crónica no ratinho albino foi conseguida por OLITSKY e YAGER (1949), após imunização com emulsões de cérebro homólogo com adjuvante (132). A susceptibilidade individual das diferentes estirpes de ratinho – “host factor”