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Da caracterização dos antigénios de mielina à identificação do complexo trimolecular nos modelos experimentais e na Esclerose

Evolução dos Conceitos Etiopatogénicos na Esclerose Múltipla e o Desenvolvimento dos

5. Da caracterização dos antigénios de mielina à identificação do complexo trimolecular nos modelos experimentais e na Esclerose

Múltipla. A identificação de clones linfocitários anti-mielina e a restrição de repertório TCR. Modelos transgénicos de EAE espontânea.

Paralelamente à progressiva determinação dos epítopos antigénicos para o ratinho, surgiu a possibilidade de estudar, pormenorizadamente, a resposta linfocitária nesta espécie, fruto do desenvolvimento das técnicas de cultura celular in vitro, fenotipagem celular por citometria de fluxo, clonagem e sequenciação de genes, entre outras. Embora desde os anteriormente mencionados estudos de PATERSON (153), tivessem sido empregues técnicas de transferência adoptiva de EAE utilizando esplenócitos totais, ou células de gânglio linfático, foi somente no princípio da década de 1980 que foram progressivamente isolados os componentes celulares responsáveis pela transferência de doença. PETINELLI e MCFARLIN, e BEN-NUN, WEKERLE e COHEN foram os responsáveis pelo destacar do papel central do linfócito T na EAE; os primeiros, confirmaram a importância da população de linfócitos com fenótipo Thelper na

EAE transferida por culturas de gânglio periférico em ratinhos (214), enquanto os segundos desenvolveram os procedimentos necessários ao estabelecimento in vitro de linhas celulares linfocitárias T anti-MBP de longa duração, capazes de transferir doença em ratos Lewis (264, 265). As propriedades encefalitogénicas das linhas celulares T em ratos Lewis foram confirmadas, posteriormente, por VANDENBARK et al., no que diz respeito à sua persistência no hospedeiro, capacidade de transferência em série, especificidade para epítopos da MBP e encefalitogenicidade (266, 267).

Embora as experiências iniciais de transferência produzissem, apenas, EAE aguda, em breve foi possível demonstrar a indução de EAE crónica com surtos em ratinhos SJL após transferência de linhas celulares T anti-MBP (268, 269). A ocorrência de novos surtos clínicos, apesar da

ausência de antigénio injectado, levava a supor que durante o ataque imune contra a MBP, outros antigénios de mielina fossem libertados levando a uma resposta imune contra estes – uma forma precursora da hipótese da diversificação de epítopos (268, 269). No princípio da década de 1990, a EAE era vista como o modelo prototípico de doença autoimune mediada por linfócitos T CD4+ restritos a MHC classe II reagindo especificamente contra proteínas da mielina como a MBP, e produzindo citoquinas pró- inflamatórias (fenótipo Thelper-1). ZAMVIL e STEINMAN, num extenso

artigo de revisão escrito nesta altura explanam, claramente, todos os aspectos deste paradigma, desde o reconhecimento antigénico mediado por moléculas de MHC classe II que restringem o tipo de determinantes antigénicos apresentados (selecção do determinante), ao tipo de antigénios e epítopos para linfócitos T, estrutura e diversidade do receptor da célula T, e, igualmente, a necessidade de pré-activação dos clones auto-reactivos na periferia, fora do SNC, de forma a possibilitar a sua entrada para o parênquima encefálico (270). Baseando-se na especificidade da resposta imune, os autores abordam, também, a questão da imunoterapia selectiva baseada em anticorpos anti-MHC, anti-TCR ou com péptidos bloqueadores da interacção MHC-TCR – assunto que abordaremos, em maior detalhe, no próximo capítulo.

O aperfeiçoamento das técnicas de cultura celular, nomeadamente a capacidade de gerar clones linfocitários T por métodos de diluição limitante e expansão de clones individuais, veio novamente revolucionar o estudo da especificidade da resposta anti-mielina. Enquanto que as linhas celulares T constituem uma população heterogénea, policlonal, de células capazes de reagir contra vários antigénios, os clones linfocitários permitem uma identificação precisa das características das células encefalitogénicas. Neste campo, o grupo de Lawrence STEINMAN foi, sem dúvida, pioneiro. Num conjunto de trabalhos publicados a partir de 1985, Scott ZAMVIL, trabalhando no laboratório de STEINMAN, foi o primeiro a conseguir isolar e manter clones linfocitários T anti-MBP e a transferir adoptivamente EAE, em ratinhos PL/J e PLxSJL F1. Como vimos anteriormente, estes trabalhos

culminaram, na determinação dos epítopos da MBP para esta estirpe, bem como na restrição da sua resposta linfocitária a determinados alelos I-A (216, 271, 272), e na caracterização de clones anti-MBP na estirpe SJL (273). Igualmente, o estudo do receptor da célula T (TCR) em clones reactivos contra o epítopo AcMBP1-11, da estirpe PL/J, identificou, pela primeira vez, através de citometria de fluxo e análise molecular com sondas genéticas, uma restrição de repertório de reconhecimento linfocitário, sendo que a maioria dos clones utilizava uma cadeia Vβ8.2 no seu TCR (274). O significado desta descoberta foi de que, pela primeira vez, tinha sido identificado um complexo trimolecular associado à EAE (I-Au+AcMBP1- 11+TCR Vβ8.2) e que a encefalitogenicidade de um clone linfocitário estava associada à capacidade de reconhecimento de um determinado antigénio, determinada pelo seu tipo de receptor antigénico. A implicação imediata deste tipo de resultado, como veremos no capítulo seguinte, era de permitir formas de intervenção terapêutica especificamente desenhadas para interferir neste complexo e, como tal, impedir o aparecimento de doença. Aliás, neste mesmo trabalho, foi utilizado um anticorpo monoclonal específico contra o TCR Vβ patogénico, com sucesso na prevenção da EAE (274). Esta restrição Vβ, encontrada em clones seleccionados in vitro, foi, de seguida, confirmada a partir de populações linfocitárias in vivo de animais imunizados com AcMBP1-11. A sequenciação do TCR de clones linfocitários confirmou que todos utilizavam a mesma cadeia Vα, e pelo menos 80% a mesma cadeia Vβ (Vβ8); havia graus menores de restrição das regiões Jα e Jβ, mas, apesar disso, a especificidade antigénica era mantida (275). Um trabalho fundamentalmente idêntico, realizado paralelamente pelo grupo de Leroy HOOD na estirpe B10.PL (H-2u), confirmou os achados anteriores de restrição de repertório. Em todos os clones linfocitários T anti-MBP1-11 estudados, eram utilizados apenas 2 genes Vα (Vα2.3 e 4.2), um gene Jα (Jα39), e dois genes Vβ e Jβ (Vβ8.2-Jβ2.6 e Vβ13-Jβ2.2) (276). Este trabalho confirmou, igualmente, o potencial terapêutico de anticorpos anti-TCR na prevenção da EAE. O mesmo tipo de estudo de clones linfocitários T foi desenvolvido por KUCHROO, trabalhando no grupo de LEES, para o

epítopo PLP139-151 na estirpe SJL/J; neste caso, no entanto, a resposta linfocitária mostrou ser mais heterogénea, com utilização de vários genes Vβ no TCR (277). O facto de ser possível induzir doença nesta estirpe (I-As) com péptidos derivados quer da MBP, quer da PLP, poderia querer dizer, à partida, que a ausência de restrição se correlacionaria com esta capacidade de resposta mais abrangente. Como tal, KUCHROO et al. produziram ratinhos SJL transgénicos em que o repertório TCR era limitado pela introdução de um gene Vβ8.2 rearranjado, e estudaram a capacidade de indução de EAE nestes animais, com ambas as proteínas. Saliente-se que este gene Vβ não pertence ao repertório normal desta estirpe, sendo eliminado durante os rearranjos V-D-J. Nestas experiências, manteve-se, apenas, a capacidade de resposta aos péptidos da PLP, desaparecendo a susceptibilidade à MBP, e foi demonstrado que o reconhecimento da PLP139-151 era claramente dependente da interacção Vβ8.2-MHC através do seu bloqueio por anticorpos específicos (278). Ou seja, apesar de, normalmente, não estar presente no repertório TCR da estirpe SJL/J, a cadeia Vβ8.2 do TCR estava associada, em mais do que um modelo animal, a clones T encefalitogénicos, salientando o seu potencial como alvo terapêutico. Finalmente, a resposta contra o antigénio MOG35-55 em ratinhos H-2b (CH3.SW e C57BL/6), embora tendo um repertório mais diversificado que as estirpes H-2u evidenciavam contra a MBP, tinha, também, um predomínio de sequências TCR Vβ8.2 (40-48% das linhas celulares estudadas) (247, 279).

Ao mesmo tempo, no modelo animal de EAE induzida no rato Lewis estavam a surgir dados de suporte ao mesmo fenómeno de restrição do repertório TCR. BURNS et al. e OFFNER et al. descreveram, quase em simultâneo, a existência, em clones e hibridomas linfocitários, de uma diversidade limitada de genes Vα e Vβ. Inesperadamente, uma vez mais, as sequências encontradas eram muito semelhantes às utilizadas pela estirpe B10.PL para reconhecimento da MBP1-11, sendo a combinação Vα2-Vβ8 utilizada quer para o reconhecimento do epítopo major da MBP para o MHC I-A (MBP72-89), quer para o epítopo secundário, associada ao MHC I-E

(MBP87-99) (280, 281). No entanto, uma análise detalhada do repertório linfocitário utilizado para reconhecimento deste epítopo secundário levou ao reconhecimento de que nos linfócitos presentes no SNC – e, presumivelmente, responsáveis pela reacção inflamatória local – predominava a cadeia Vβ6, pelo que a descrição do repertório linfocitário presente em células do sangue periférico não correspondia, necessariamente, ao encontrado no órgão-alvo (282, 283). Com base nestas e outras experiências, foi possível a HEBER-KATZ e ACHA-ORBEA propor uma “V- region disease hypothesis”, que associava o aparecimento de doenças autoimunes à expansão e activação de populações linfocitárias clonais com TCR capazes de reconhecer, especificamente, alguns antigénios presentes nos órgãos-alvo (284).

Um último tipo de experiência reforçou, mais ainda, o conceito da importância do repertório linfocitário T na geração de doenças desmielinizantes autoimunes, nomeadamente a geração de ratinhos transgénicos exprimindo repertórios limitados. Tal como KUCHROO et al. tinham feito para a estirpe SJL, Joan GOVERMAN e, depois, Juan LAFAILLE geraram ratinhos transgénicos para a estirpe B10.PL (H-2u), na qual a resposta imune contra o antigénio AcMBP1-11 era bem conhecida. Os primeiros produziram ratinhos transgénicos por inserção de sequências TCR rearranjadas e clonadas em plasmídeos Vα2.3/Jα39 e Vβ8.2/Dβ2/Jβ2.6 em oócitos C57BL/6xDBA/2 F2, com cruzamento posterior para a estirpe B10.PL (285). Na maioria destes animais, detectou-se a presença de uma população numericamente muito considerável de linfócitos Vα2+ (90%) na periferia, sem haver evidência de deleção clonal tímica desta população auto-reactiva de linfócitos. Estes ratinhos eram susceptíveis à indução de EAE com MBP e pertussis; mais importante, no entanto, vários destes animais desenvolviam EAE espontaneamente, entre as 5 semanas e os 5 meses de idade, sobretudo se mantidos em condições não-estéreis (285). Com base nestes resultados, foi possível tirar duas ilações principais: a presença de uma população linfocitária auto-reactiva, se numericamente significativa, é uma condição suficiente para o aparecimento de EAE, e o contacto

provável com agentes patogénicos presentes normalmente no ambiente pode despoletar, nesses casos, uma reacção autoimune – o que permitiria estabelecer um paralelo significativo com o aparecimento da Esclerose Múltipla (285). Este modelo etiopatogénico, conforme descrevemos no capítulo anterior é, hoje, quase consensualmente aceite.

O segundo avanço realizado com base nos modelos transgénicos foi alcançado por LAFAILLE, trabalhando no laboratório de Susumu TONEGAWA. Levando o conceito de restrição de repertório um passo mais longe, estes autores produziram ratinhos transgénicos possuindo um receptor TCR αβ restrito ao haplotipo H-2u, e presente em clones encefalitogénicos reactivos contra a AcMBP1-11. De seguida, cruzaram estes animais com ratinhos knock-out para a enzima RAG-1 (rag1-/-) e, portanto, incapazes de produzir, por eles mesmos, um repertório TCR. Como resultado deste cruzamento, os autores puderam comparar o aparecimento de EAE em ratinhos TCR transgénicos, mas que possuíam ainda outras populações linfócitárias geradas espontaneamente (T/R+), com ratinhos nos quais todo o repertório linfocitário possuía o receptor transgénico (T/R-) (286). Enquanto que nos ratinhos T/R+ ocorreram alguns casos de EAE espontânea, tal como GOVERNMAN tinha descrito, nos T/R- todos os animais desenvolviam EAE, a maioria entre as 8 e as 16 semanas de vida, com curso progressivo e invariavelmente fatal (286). Estes dados tinham duas implicações com profundo significado para a etiopatogenia da EAE: não só confirmavam a relevância do repertório linfocitário T, sendo que a presença de clones CD4+ auto-reactivos era condição suficiente para o aparecimento da doença, mas, também, que existia, no repertório linfocitário normal destes animais, alguma população linfocitária capaz de suprimir, pelo menos parcialmente, a função destes clones (286). Como tal, este modelo dava suporte inequívoco à existência de células T reguladoras, que, como vimos anteriormente, é hoje considerado um dos principais mecanismos responsáveis pela dinâmica clínica da Esclerose Múltipla (287).

Outros modelos transgénicos de interesse foram desenvolvidos recentemente nos, laboratórios de Vijay KUCHROO, Hartmut WEKERLE e

Andreas HOLZ: ratinhos transgénicos para o TCR específico da PLP e da MOG, e duplos transgénicos TCR e Ig para a MOG. Enquanto que, para os transgénicos TCR-PLP139-151 (derivados a partir de clones encefalitogénicos e não-encefalitogénicos) ocorriam formas fulminantes de EAE espontânea, de tal forma que foi impossível manter colónias viáveis no

background SJL H-2s (288), no caso dos TCR-MOG35-55 foi possível observar a ocorrência espontânea numa elevada percentagem dos animais de nevrites ópticas isoladas (47% dos animais sem evidência de EAE), bem como de nevrite óptica associada à EAE (80% dos animais imunizados com o protocolo habitual, e 50% dos imunizados apenas com pertussis) (289). Estes dados reforçam não só o conceito da restrição TCR nas doenças autoimunes, mas, igualmente, o facto de que a EAE-MOG reproduz um dos fenótipos clínicos mais frequentes na EM, e que existe alguma relação entre antigénio provocador e fenótipo clínico. Recentemente, foi confirmada a preponderância de respostas linfocitárias contra a MOG, por comparação com a MBP ou PLP, nas formas óptico-espinais de EM prevalentes no Japão (290). A criação de duplos transgénicos para o TCR anti-MOG e, ao mesmo tempo, para uma cadeia pesada de imunoglobulina anti-MOG, de forma a possibilitar uma cooperação T-B funcional, veio a tornar ainda mais evidentes as semelhanças deste modelo com o fenótipo de neuromielite óptica (291, 292). Em ambos os casos, partiu-se da estirpe transgénica TCR anti-MOG35-55 acima descrita (ratinhos 2D2), sendo esta cruzada com ratinhos knock-in para uma cadeia pesada Ig anti-MOG; nestas circunstâncias, foi potenciada a produção de IgG anti-MOG, bem com a proliferação linfocitária T anti-MOG (291, 292). Uma elevada percentagem destes ratinhos (até 50%) desenvolveram, espontaneamente, sinais clínicos e histológicos de EAE, com um padrão de localização idêntico ao da neuromielite óptica de DEVIC, apesar de existirem diferenças importantes nas características específicas das alterações patológicas (ausência de lesões medulares necrotizantes e de deposição de IgM ou de anticorpos anti- aquaporina 4) (291, 292).

No que diz respeito à Esclerose Múltipla, tal como anteriormente mencionámos, desde a década de 1960 tinha sido possível identificar reactividade linfocitária contra componentes da mielina nestes doentes (157, 158). Ao longo dos 20 anos seguintes, a aplicação das técnicas de cultura linfocitária, entretanto desenvolvidas, levou à descoberta, isolamento e caracterização de linhas celulares linfocitárias contra antigénios mais específicos, à semelhança do que acontecia nos modelos animais. SHEREMATA, KNIGHT e LISAK foram, provavelmente, os primeiros a confirmar a existência de reactividade contra a MBP em linfócitos isolados a partir do líquido cefalorraquidiano e sangue de doentes com Esclerose Múltipla, e RICHERT et al. fez o mesmo in vitro com linhas celulares T de longo termo (293-297). Proliferação contra outros antigénios de mielina, a proteína proteolipídica (PLP) e glicoproteína associada à mielina (MAG) foi detectada, igualmente, em linfócitos de sangue periférico na Esclerose Múltipla, bem como em outras doenças neurológicas (298, 299), embora inicialmente estes achados não pudessem ser confirmados por outros autores (300, 301). A caracterização dos determinantes antigénicos na proteína básica de mielina, a partir de clones linfocitários humanos, levou à identificação de múltiplos possíveis epítopos, entre os quais péptidos sintéticos provenientes de várias regiões da molécula (MBP15-31, 75-96 e 83-96) (301, 302). Neste contexto, o trabalho de Kohei OTA, no laboratório de David HAFLER, veio definir o epítopo imunodominante da proteína básica de mielina, a partir do estudo de mais de 15 000 linhas linfocitárias provenientes de 51 doentes com Esclerose Múltipla. A reactividade destas linhas foi estudada com base em péptidos sintetizados com 20 resíduos amino-acídicos, desenhados para abarcar toda a sequência da MBP (303). Das 302 linhas com reactividade à MBP total, 140 (46.4%) proliferavam contra o péptido MBP84-102, considerado, como tal, imunodominante. Aumentos de reactividade menos significativos foram também identificados contra a MBP61-82, e MBP124-142; quer os doentes quer os controles tinham frequências elevadas de linhas celulares T reactivas contra a MBP143-168 (303). O reconhecimento destes antigénios estava restrito, para

a MBP84-102, a uma região associada ao locus DR2 do MHC, e para a MBP143-168 ao Dw11 (303). Resultados semelhantes foram obtidos, igualmente, por MARTIN e PETTE (304, 305). No entanto, reactividade contra a MBP foi detectada, também, no sangue periférico de controlos saudáveis, significando a existência normal de auto-reactividade contra a mielina. Muito recentemente, o envolvimento deste antigénio na patogénese da EM foi reforçado pela demonstração, ex vivo, da sua presença em lesões desmielinizantes. KROGSGAARD et al., utilizando um anticorpo monoclonal (MK16), que detecta o antigénio MBP85-99 conjugado com moléculas DR2 (e não qualquer destes componentes em isolamento), confirmaram, por imunohistoquímica, a apresentação deste antigénio, por macrófagos e microglia, em lesões desmielinizantes no tecido cerebral de um doente com EM (306). Esta é evidência directa da participação deste epítopo da MBP na reacção imune associada às lesões de EM, e presumivelmente causadora das mesmas. Posteriormente a estas experiências iniciais, foi possível confirmar a existência de clones linfocitários T reactivos contra antigénios de mielina em doentes com EM, mas, também, em doentes com trauma encefálico e medular (307); a lesão do parênquima encefálico, independentemente da sua origem, poderia gerar clones auto-reactivos como epifenómeno, o que poria em causa a especificidade dessa reacção, bem como o seu papel patogénico (revisto em (308)). Nos anos seguintes, células T reactivas contra MBP, PLP, MAG e MOG foram isoladas a partir do sangue e LCR em doentes com EM, mas, identicamente, em indivíduos saudáveis (309-318). Os epítopos implicados para cada proteína foram sendo progressivamente delineados (MBP84-102, 143-168; MOG1-22, 34-56, 64-96; PLP41-58, PLP132-158, PLP161-178, 184-199, 190-209), embora sem que fosse possível, na maioria dos casos, obter consensos sobre os epítopos imunodominantes, sobretudo para a PLP (319). Mais recentemente, foi reportado que, nos doentes com EM, a reactividade contra a MBP é relativamente menos abundante que contra a PLP ou MOG, sendo este último o antigénio mais frequentemente encontrado (314, 320).

Enquanto, inicialmente, a reactividade contra epítopos da MOG foi vista como sendo mais específica dos doentes com EM, tornou-se progressivamente aparente a enorme variabilidade de respostas linfocitárias T nos doentes e em voluntários saudáveis, e a sobreposição entre estes, não sendo possível encontrar um padrão característico da doença (320); igualmente, estudos longitudinais da reactividade anti-mielina em doentes com EM revelaram flutuações heterogéneas e dinâmicas das populações linfocitárias ao longo do tempo, com relação possível com a actividade da doença (321). A resposta contra a MBP, por exemplo, estudada ao longo de um período de 18 meses em doentes com EM, exibiu marcadas flutuações, tais que a reactividade contra um epítopo é evidente numa altura, desaparece temporariamente e volta a reaparecer mais tarde (322). Mais ainda, mesmo considerando apenas um epítopo potencial, como a MBP83-99, HEMMER et al. descreveram a existência de uma grande heterogeneidade no que diz respeito aos elementos de restrição, uso de TCR, especificidade fina e afinidade, produção de citoquinas e expressão de marcadores de activação, em 41 clones T derivados de doentes com EM e controles (323). A diferença entre os clones presentes em doentes e saudáveis poderia residir, eventualmente, no estado de activação linfocitária, ou no fenótipo celular baseado no tipo de citoquinas produzido. Assim, Jingwu ZHANG demonstrou, através de análise de diluição limitante, e estimulação com IL- 2 recombinante na presença de MBP e PLP, uma frequência muito superior de células T activadas no sangue periférico de doentes com EM; no que diz respeito ao LCR, até 7% das células reactivas à IL-2 eram específicas para a MBP, um valor cerca de 10 vezes superior à frequência no sangue do mesmo doente, e inexistente nos controles saudáveis (313). Uma maior expressão do receptor para a IL-2 em linfócitos anti-MBP foi, também, encontrada nos doentes com EM, e uma maior produção de citoquinas pró-inflamatórias (319, 320, 324-326).

Outra prova da relevância clínica dos antigénios da MBP encontrados nos estudos supracitados veio, à semelhança do que já tinha sido feito com o ratinho, da geração de modelos transgénicos, neste caso exprimindo

sequências de TCR e MHC humanas associadas à EM. MADSEN et al. criaram ratinhos transgénicos que exprimiam ou o gene DRA*0101/DRB1*1501 associado à EM em populações de ascendência europeia, um TCR proveniente de um clone T específico para esse haplotipo DR2 e reactivo ao epítopo imunodominante MBP84-102, derivado de um doente com EM, ou o co-receptor humano CD4, e fizeram cruzamentos entre eles. Nos animais que exprimiam conjuntamente o DR2/TCR, ou DR2/TCR/CD4, a imunização com MBP84-102 desenvolveram EAE clínica e histológica típica (327). Foi possível observar EAE espontânea em apenas