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Etiopatogénese da Esclerose Múltipla – o Modelo-Padrão Modelos experimentais – a Encefalomielite Autoimune Experimental.

Abordagem Clínica, Etiopatogénica, e Imunopatológica

3. Etiopatogénese da Esclerose Múltipla – o Modelo-Padrão Modelos experimentais – a Encefalomielite Autoimune Experimental.

Estudos genéticos e etiologias infecciosas.

O esclarecimento inequívoco da causa última, ou primum movens, da Esclerose Múltipla, é um problema que continua a resistir, ao fim de quase 150 anos, aos mais dedicados esforços e persistentes investigações, de um considerável número dos mais brilhantes cientistas e médicos em todo o Mundo, provindos não só das ciências neurológicas mas, também, das novas disciplinas da Medicina Molecular, como a Imunologia e a Genética. Há algo

Avaliação neurológica (clínica, imagem, laboratório)

Grupo I EM típica Achados típicos de EM Grupo II Não-EM típica Achados atípicos ou normais Grupo III EM possível Achados típicos de EM, mas incompletos Grupo IV ODN possível Achados atípicos mas major e definitivos 30-40% doentes Achados clínicos, laboratoriais e imagiológicos característicos. Cumprem critérios formais de diagnóstico Necessidade de DD? 30-40% doentes Achados normais (soft) ou

não-específicos. Alterações RMN minor Grupo heterogéneo: ansiedade, doença neurológica minor (enxaqueca), psiquiátrica Necessidade de DD?? 30-40% doentes Achados sugestivos mas

incompletos. Grupo heterogéneo: EM atípica, EMAD, EM-PP, SCI e SCIA, manifestação

rara de doença comum. Necessidade de DD e seguimento atento <5% doentes Doenças neurológicas raras “Mímicos de EM” EM atípica é mais frequente que os mímicos

de EM DD extenso

Avaliação neurológica (clínica, imagem, laboratório)

Grupo I EM típica Achados típicos de EM Grupo I EM típica Achados típicos de EM Grupo II Não-EM típica Achados atípicos ou normais Grupo II Não-EM típica Achados atípicos ou normais Grupo III EM possível Achados típicos de EM, mas incompletos Grupo III EM possível Achados típicos de EM, mas incompletos Grupo IV ODN possível Achados atípicos mas major e definitivos Grupo IV ODN possível Achados atípicos mas major e definitivos 30-40% doentes Achados clínicos, laboratoriais e imagiológicos característicos. Cumprem critérios formais de diagnóstico Necessidade de DD? 30-40% doentes Achados normais (soft) ou

não-específicos. Alterações RMN minor Grupo heterogéneo: ansiedade, doença neurológica minor (enxaqueca), psiquiátrica Necessidade de DD?? 30-40% doentes Achados sugestivos mas

incompletos. Grupo heterogéneo: EM atípica, EMAD, EM-PP, SCI e SCIA, manifestação

rara de doença comum. Necessidade de DD e seguimento atento <5% doentes Doenças neurológicas raras “Mímicos de EM” EM atípica é mais frequente que os mímicos

de EM DD extenso

de misterioso e, ao mesmo tempo, fascinante, numa doença como a EM; surge espontaneamente em adultos jovens, muitas vezes de forma abrupta, por vezes de maneira mais insidiosa; apresenta uma grande heterogeneidade clínica, afectando múltiplas zonas do SNC isoladamente, ou em combinação; consente períodos de agravamento e remissão de forma autónoma, sem que seja possível identificar quais as regras que subjazem a estas flutuações; resiste tenazmente a várias formas de terapêutica, apesar de tudo parecer indicar que seriam eficazes. Várias teorias têm sido propostas, ao longo dos anos, para explicar o aparecimento das lesões desmielinizantes nesta patologia, bem como a sua disseminação e recorrência. No capítulo seguinte iremos abordar, brevemente, a evolução dos vários conceitos etiopatogénicos, culminando com o modelo-padrão (standard model) aceite, hoje em dia, de forma quase consensual, mas que, apesar disso, tem vindo a ser modificado gradualmente ao longo dos anos.

No modelo-padrão da fisiopatologia da EM, as manifestações clínicas desta doença são, genericamente, atribuíveis a dois fenómenos básicos: a ocorrência de lesões focais durante os períodos de surto clínico, e, principalmente, durante a fase inicial da doença, e uma progressiva perda axonal generalizada, manifesta, sobretudo, nas fases mais avançadas (12, 45). Posto de outra forma, a EM é uma doença que consiste em duas fases distintas, inflamatória e degenerativa; estas duas fases coexistem sempre, sendo que na fase inicial da doença predominam as alterações inflamatórias, enquanto que, na fase mais tardia, o componente neurodegenerativo de perda axonal progressiva torna-se mais aparente (137). As lesões desmielinizantes focais – placas desmielinizantes, a marca patológica característica desta doença – são o resultado de um processo inflamatório centrado essencialmente nos espaços perivenulares da substância branca, no qual participam vários componentes do Sistema Imune inato e adaptativo (Figura 5). Este ataque imune é orquestrado, primariamente, por linfócitos

Thelper (Th) CD4+ auto-reactivos, específicos para antigénios presentes na

mielina do SNC, e que segregam citocinas pró-inflamatórias, tais como o interferão gama (IFNγ) e o factor de necrose tumoral (tumor necrosis factor,

TNF), tendo, portanto, um fenótipo Th1. Igualmente, têm vindo a ser reveladas evidências de que linfócitos T de fenótipo Th2 poderão contribuir, também, para a génese das lesões. Os linfócitos Tcitotóxicos CD8+ são mais abundantes nas lesões que os Th, e o seu papel tem vindo a ser progressivamente mais conhecido, bem como a sua capacidade de provocar lesões parenquimatosas. Elementos do braço humoral da resposta imune encontram-se também presentes, tais como linfócitos B e anticorpos, com capacidade desmielinizante própria. Várias células com capacidade de actuar como apresentadoras profissionais de antigénio encontram-se presentes e expressam MHC classe II, tais como macrófagos e microglia; estas células têm igualmente capacidades efectoras próprias, incluindo a secreção de citocinas e de radicais livres de oxigénio. Adiante descreveremos, em maior detalhe, cada um destes actores do Sistema Imune na geração da lesão desmielinizante, que têm sido objecto de vários excelentes trabalhos de síntese (6, 138-144).

A consequência principal deste ataque imuno-mediado contra a mielina é a geração de uma lesão focal na qual há perda abundante de mielina (que se pode encontrar em grande parte fagocitada por macrófagos localmente presentes) e destruição axonal difusa. Concomitantemente com o aparecimento destas lesões, é detectável uma quebra da barreira hemato- encefálica, que persiste durante várias semanas, detectável através de RMN com injecção de contraste endovenoso (2, 3, 49). Estas lesões focais correlacionam-se bem com o aparecimento de sinais e sintomas de disfunção neurológica durante os surtos, e correspondem ao seu substrato patológico. Na sua evolução, algumas destas lesões desaparecem por completo, pelo menos do ponto de vista imagiológico, denominando-se, então, placas- sombra (shadow plaques), enquanto outras evoluem para lesões crónicas, com o desaparecimento gradual do componente inflamatório da lesão, e o desenvolvimento de cicatrizes gliais (143). As lesões desmielinizantes agudas apresentam-se muito hipercelulares (contendo, como acima referimos, numerosas células do Sistema Imune), com margens indistintas, e edema intersticial, e perdas axonais extensas e disseminadas. As lesões

crónicas têm, comparativamente, muito menos elementos celulares, menos danos axonais recentes e são muito mais bem delimitadas; algumas continuam a exibir sinais da presença de elementos da resposta imune - lesões crónicas activas – mas, com o passar do tempo, perdem estas características e desenvolvem uma cicatriz astroglial densa, contendo relativamente poucos axónios desmielinizados, alguns macrófagos, e raros oligodendrócitos (143, 145). O acumular destas cicatrizes, conjuntamente com uma progressiva perda axonal que ocorre de forma disseminada mesmo fora das lesões desmielinizantes, e, também, com um processo inflamatório crónico de localização cortical, leva nas fases mais avançadas da doença ao aparecimento de atrofia cerebral e medular difusa, correlacionada com o surgir de sinais clínicos de progressão de incapacidade neurológica e disfunção cognitiva (143, 145, 146). Vários mecanismos, ainda pouco conhecidos, contribuem potencialmente para esta fase de progressão crónica da doença, tais como elementos da resposta imune (linfócitos T e B, citocinas, diversificação de epítopos), células residentes localmente e que contribuem para a formação da cicatriz glial (astrócitos), alterações da distribuição e funções dos canais de sódio que permitem trocas reversas sódio-cálcio e os consequentes efeitos activadores nocivos do cálcio intracelular, défices de regeneração axonal e remielinização (mediados, pelo menos em parte pelas moléculas inibidoras da regeneração axonal como a Nogo, MAG e OMgp) e modificadores genéticos da resposta imune e regenerativa (revistos em (146, 147)).

Para além desta visão de síntese dos mecanismos de geração e progressão do substrato neuropatológico da EM, faz parte do mesmo modelo- padrão considerar que a EM é uma doença imuno-mediada que surge em indivíduos geneticamente susceptíveis, nos quais o contacto com algum tipo de agente infeccioso, numa altura específica da vida, leva a uma reacção imune cruzada, de características autoimunes, tendo como alvo primário a mielina do Sistema Nervoso Central. Esta reacção autoimune torna-se autónoma dos mecanismos de regulação normais, e gera uma doença autoimune, desmielinizante, crónica, a que chamamos Esclerose Múltipla.

Figura 5. Modelo-padrão da patogénese das lesões desmielinizantes na Esclerose Múltipla. A placa desmielinizante aguda é provocada por uma reacção inflamatória centrada no espaço perivenular. Nesta zona, o aumento da expressão de moléculas de adesão celular (MAC) pelas células endoteliais permite a passagem de linfócitos T e B através da barreira hemato-encefálica. A penetração no parênquima é auxiliada pelas metaloproteinases de matriz (MMP); uma vez no parênquima, os linfócitos Thelper (Th)

reconhecem o seu antigénio-alvo apresentado por macrófagos e células da microglia, que exprimem MHC classe II. Numerosas células Tcitotóxicas (Tc) estão igualmente presentes na

lesão. As células Th1, conjuntamente com os macrófagos e microglia, segregam mediadores inflamatórios, tais como o interferão gama (IFNγ), factor de necrose tumoral (TNF), osteopontina (OPN) radicais livres de oxigénio (e.g. óxido nítrico (NO)), e neurotransmissores excitatórios, (e.g. glutamato (Glu)). Moléculas associadas à resposta Th2 também podem ter um papel importante, como as prostaglandinas (PG), leucotrienos (LT) e factor de activação plaquetária (platelet activating factor, PAF). Alguns linfócitos poderão, também, segregar neurotrofinas (e.g. BDNF – brain derived neurotrophic factor). Anticorpos anti-mielina, e.g. anti-MOG, amplificam a destruição da mielina, através da activação do complemento (e.g. C9-neo), e interacção com macrófagos e microglia. ADCC

antibody mediated cell-dependent cytotoxicity; iNOS – inducible nitric oxide synthase; IDO – indoleamine deoxygenase. BARREI RA HEM A T O -E N CEF Á L IC A Receptores NMDA

Receptores AMPA Glu Glu Glu Linfócito T BDNF BDNF Microglia Neurónio Oligodendrócito Células endoteliais Receptores histamina Linfócito B Célula Th1 Microglia PG LT PAF Linfócito Th CD4+ Células Th2 Célula Tc Célula Tc Linfócito Tc CD8+ TNF Macrófago Linfócito B Anticorpos anti-MOG Macrófago IFNγ iNOS NO MAC Célula Th1 TNF NO iNOS MMP ADCC IDO MMP Matriz extracelular OPN C9-neo

À medida que diversos alvos para o Sistema Imune têm sido identificados – e continuam ainda a surgir novos candidatos – dentro do complexo supramolecular da mielina, a descoberta de fenómenos como os de mímica molecular, ou de diversificação de determinantes, bem como do papel das células reguladoras, têm levado a uma melhor compreensão dos mecanismos de origem e de perpetuação desta resposta imune desregulada (revisto em (1-3, 5, 6, 24, 120, 137, 139, 140, 144, 148, 149), e desenvolvido no próximo Capítulo).

Com base nestes conceitos, Howard WEINER sumarizou estes conceitos na sua “hipótese unificadora de 21 pontos” sobre a etiologia e tratamento da EM (150), da qual mencionaremos, brevemente os primeiros 14 pontos: 1) a EM é uma doença autoimune dirigida contra antigénios da mielina tais como as proteínas MBP, PLP ou MOG; 2) não há um único autoantigénio devido à diversificação de epítopos; 3) a sensibilização inicial é devida a reactividade cruzada entre agentes infecciosos e a mielina do SNC, ou a uma infecção autolimitada do SNC que liberta antigénios; 4) células T auto-reactivas fazem parte do repertório imune normal, e o que determina a doença é o tipo de resposta imune que ocorre; 5) a geração de células T patogénicas é dependente de genes de MHC e não MHC; 6) factores ambientais determinam o tipo de resposta imune; 7) a EM não é causada por uma infecção viral persistente, embora agentes infecciosos tenham um papel central na sua génese; 8) há defeitos nos mecanismos reguladores ou tolerizadores da resposta imune; 9) as lesões de EM são provocadas pela migração de linfócitos T para o SNC; 10) existem subtipos de EM; 11) a EM- SR tem mecanismos de auto-regulação; 12) na passagem para a fase progressiva crónica as células T ficam cronicamente activadas; 13) a RMN reflecte o processo patológico; 14) a EM é muito semelhante à encefalomielite autoimune experimental, um modelo animal de conhecida etiologia autoimune (150).

A evidência de suporte deste modelo-padrão de etiologia e imunopatologia provém de várias áreas do conhecimento, com contributos de, entre outros, estudos epidemiológicos e de história natural (que já

discutimos, embora brevemente), estudos genéticos, anatomo-patológicos e imunológicos. Uma das principais fontes de insight fisiopatológico e imunopatológico, essencial para a compreensão da EM, e que tem servido, mais do que qualquer outra forma de investigação, para fazer avançar os nossos conhecimentos nesta área, é o modelo animal de encefalomielite autoimune experimental (EAE). Este modelo experimental de EM foi desenvolvido a partir da década de 1930, na sequência de trabalhos desenvolvidos para explicar o aparecimento de acidentes neuro-paralíticos após vacinação anti-rábica (151, 152).

Tal como veremos em detalhe no próximo capítulo, a EAE evoluiu destes primórdios para se tornar no principal motor de investigação experimental sobre EM (e, em grande parte, sobre autoimunidade em geral), e no suporte principal para o desenvolvimento de novas formas de terapêutica (153). Há numerosas semelhanças entre este modelo e a Esclerose Múltipla, sobretudo no que diz respeito às manifestações clínicas e alterações histopatológicas (152): ambos compartilham uma susceptibilidade genética associada aos genes do MHC (sistema H-2 do ratinho, RT no rato (154)) e uma predisposição para o sexo feminino; existe uma associação dos surtos com factores ambientais como infecções; as alterações neuropatológicas (presença e composição dos infiltrados inflamatórios, desmielinização imuno-mediada, perdas axonais, patologia cortical) são muito semelhantes nas lesões agudas, e o espectro de manifestações (nevrite óptica, mielite, lesões periventriculares) e cursos clínicos (aguda monofásica, surtos e remissões, crónica progressiva) é muito idêntico (152, 153). A EAE, nas suas diversas permutações (consoante o protocolo de indução e animal experimental usado), reproduz as características de doença inflamatória, desmielinizante, imuno-mediada e sensível a algumas formas de terapêutica (152, 153). Tipicamente, a EAE é induzida em espécies de mamífero geneticamente susceptíveis - rato, ratinho, cobaio, coelho, macaco -, através da imunização com extractos da mielina do SNC emulsificados com um adjuvante imune (habitualmente o adjuvante completo de FREUND) destinado a estimular o Sistema Imune (Figura 6). Consoante a espécie de

animal, e a sua estirpe, o antigénio empregue nesta imunização é variável; os protocolos de imunização usam desde o antigénio mais genérico (homogeneizado de medula espinhal) até ao mais específico (sequências peptídicas de uma proteína de mielina como a MBP, MOG ou PLP, reconhecidas como imunodominantes).

Figura 6. Protocolos de indução de encefalomielite autoimune experimental (EAE) em ratinhos. Encontram-se ilustrados os protocolos standard de indução de EAE nas estirpes de ratinho C57BL/6 (H-2u) e SJL/J (H-2s) com os seus respectivos antigénios.

Para a estirpe C57BL/6 (no topo), o protocolo de indução consiste numa imunização subcutânea com o seu antigénio major MOG35-55 (proteína MOG, péptido p35-55) emulsificado em adjuvante completo de FREUND (ACF), conjuntamente com duas injecções endovenosas de toxina pertússica (PTX). Obtém-se desta forma uma doença crónica, com recuperação incompleta e progressão após o primeiro surto (EAE crónica progressiva). Para a estirpe SJL/J (em baixo), o antigénio major é o péptido PLP p139-151, bastando uma única imunização subcutânea de emulsificado para induzir doença. Nesta mesma estirpe, protocolos de quebra de tolerância para antigénios minor (no meio) utilizam normalmente uma imunização inicial, seguida depois de um reforço de imunização, e nessa mesma altura, administração endovenosa de PTX. Nesta estirpe, a doença manifesta-se com um surto inicial, seguido de surtos espontâneos periódicos (EAE crónica com surtos).

C57BL/6 PLP p139-151 MOG p35-55 PTX 48 h PTX MBP85-99 MBP85-99 PTX 1 semana 48 h PTX SJL/J 0 1 2 3 4 1 5 10 15 20 25 30 10 dias 0 1 2 3 4 1 5 10 15 20 25 30 10 dias 10 dias Nogo Nogo SJL/J

EAE crónica progressiva

É também possível a indução de doença por simples transferência de clones linfocitários T auto-reactivos contra estes antigénios da mielina, nomeadamente se estes tiverem um fenótipo pro-inflamatório (Th1), um dos principais dados que apoia o conceito da EAE – e da EM – como uma doença autoimune provocada por linfócitos T.

Do ponto de vista clínico, a EAE manifesta-se como uma mielite transversa ascendente, com paralisia da cauda seguida de paraparésia e incontinência urinária, paraplegia, tetraparésia e morte no contexto de tetraplegia e caquexia marcadas. Dependendo do modelo empregue, podem ser obtidas formas de EAE agudas monofásicas (e.g. rato Lewis imunizado com MBP68-86), crónicas progressivas (ratinho C57BL/6 imunizado com MOG35-55) e crónicas com surtos (ratinho SJL/J imunizado com PLP139- 151) (Figura 6). Como adiante veremos, a capacidade de manipulação experimental do ratinho, com a criação de animais transgénicos e knock-out, tem possibilitado enormes avanços na nossa compreensão dos mecanismos fisiopatológicos da EAE e, presumivelmente da EM. Na realidade, muito do conceito da EM como doença autoimune baseada na resposta anti-mielina é proveniente do modelo de EAE, e nem sempre de evidência proveniente de estudos baseados em doentes.

No que diz respeito à etiologia da EM, o modelo-padrão propõe uma interacção entre um risco associado ao background genético individual, e o contacto com algum agente infeccioso presente no meio ambiente. Como vimos acima, para a população caucasiana, este risco genético estaria associado ao repovoamento do continente europeu por um pequeno grupo fundador proveniente da Anatólia, durante o período Neolítico, cuja composição genética seria depois enviesada pelo contacto com múltiplas calamidades infecciosas, e que, finalmente, a partir do século XIX, teria encontrado um despoletante infeccioso sob a forma de uma infecção tardia com alguns agentes virais, como o vírus EPSTEIN-BARR (119).

Hoje em dia, a EM é vista, do ponto de vista genético, como uma doença de hereditariedade multigénica, no qual o peso individual de cada factor de risco genético não é muito grande, mas que no seu conjunto

conferem uma susceptibilidade individual para esta doença. Numerosos estudos têm sido realizados para avaliação do risco genético na EM em diversas populações, sobretudo na América e Europa do Norte (revistos em (155, 156), e uma discussão aprofundada dos mesmos está para além do âmbito deste trabalho. Todos os estudos populacionais, familiares e de gémeos demonstram um aumento substancial da prevalência da EM em familiares de doentes, dependente do grau de similitude genética: familiares de primeiro grau têm um risco entre 20-50 vezes (2-5%) superior à população normal, e as taxas de concordância entre gémeos monozigóticos rondam os 25% na maioria dos estudos (3, 139, 155, 157). Vários screenings genómicos foram já realizados, desde a década dos 1990, na tentativa de identificar regiões associadas à susceptibilidade para o aparecimento de EM (158-160). No geral, os resultados destes estudos tem sido desalentadores, com a identificação de alguns loci potencialmente associados (entre os quais predomina a região HLA do complexo major de histocompatibilidade), mas com baixas pontuações de associação (NPL – non-parametric linkage) – numa meta-análise dos estudos realizados até 2001, somente 8 regiões cromossómicas obtiveram resultados NPL acima de 2.0, sugerindo que a EM seja uma doença multigénica (161).

Outros trabalhos de base populacional tem sido propostos e realizados recentemente, cada vez mais baseados na cooperação internacional entre centros dedicados ao estudo da Esclerose Múltipla. Um estudo internacional, utilizando cerca de 6000 micro-satélites marcadores para estudar 3376 doentes com EM, 3409 controlos saudáveis, e 948 trios familiares, fruto de uma cooperação internacional no continente europeu (Genetic Analysis of

Multiple Sclerosis in EuropeanS – GAMES) foi recentemente terminado, e

os resultados implicaram, para além da região HLA (6p21), duas outras regiões cromossómicas (17q21 e 22q13) (162, 163); dados de dois centros portugueses, referentes a doentes do Norte do país foram incluídos neste estudo (164, 165). Noutra abordagem multinacional, foi estabelecido o

International Multiple Sclerosis Genetics Consortium que pretende, entre

de haplotipos (Hap-Map), com uma maior capacidade de detecção de regiões do genoma potencialmente interessantes (6). Resultados de um estudo de associação de alta definição, provenientes deste consórcio internacional, realizado em 730 famílias multiplex foram recentemente publicados, e confirmaram a associação à região 6p21, bem como às regiões 17q23 e 5q33 (166).

O estudo de formas familiares de EM poderia contribuir para a descoberta de genes individuais responsáveis pelo aparecimento desta doença. No entanto, embora desde o final do século XIX formas familiares da doença tenham sido descritas por EICHORST (1896, Über infantile und

hereditäre multiple sklerose, citado em (162)), são muito raros os casos de

EM familiar implicando mecanismos de hereditariedade mendeliana unigénica, e, menos ainda, aqueles em que se tem conseguido encontrar uma associação a algum locus cromossómico (155). Uma excepção a esta regra foi