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Estudos sobre o carácter antigénico da mielina Do isolamento das fracções antigénicas à caracterização dos antigénios proteicos e

Evolução dos Conceitos Etiopatogénicos na Esclerose Múltipla e o Desenvolvimento dos

4. Estudos sobre o carácter antigénico da mielina Do isolamento das fracções antigénicas à caracterização dos antigénios proteicos e

a definição molecular dos determinantes antigénicos para cada espécie.

A par dos trabalhos anteriormente descritos, e que confirmaram o papel fundamental da resposta imune celular na génese da EAE, foram sendo desenvolvidos estudos no sentido de identificar o, ou os componentes antigénicos presentes na substância nervosa e responsáveis pelo desencadear de autoimunidade. Como vimos, desde o trabalho de SCHWENTKER e RIVERS em 1934 que o carácter antigénico da substância nervosa era relacionável com o seu conteúdo em mielina (103); no entanto, o método de preparação das emulsões utilizadas para imunização – extractos aquosos ou alcoólicos mais ou menos simples de cérebro ou medula espinhal – não permitia tirar conclusões sobre a identificação química dos potenciais componentes antigénicos. O aperfeiçoamento progressivo dos métodos de análise neuroquímica a partir da década de quarenta (a introdução de técnicas como a electroforese, a cromatografia, a ultracentrifugação, e as técnicas de extracção e análise lipídica) levou ao isolamento progressivo, por vários métodos de sub-fraccionamento da mielina, de vários componentes cuja actividade antigénica pode ser estudada (para uma extensa revisão da evolução destas técnicas, remetemos o leitor para o excelente trabalho de Armando SENA sobre o assunto (161)). Trabalhos iniciais como os de ALVORD ou de OLITSKY e TAL, dedicados a testar diluições dos extractos nervosos, ou utilizando técnicas de centrifugação simples (8000G) e dialização, comprovaram ser possível isolar a actividade encefalitogénica a fracções específicas da substância nervosa (132, 162). Dos estudos de indução de EAE previamente realizados, ficou aparente que o encefalitogénio era resistente à autólise, temperatura, autoclavagem, ultra- sons, fixação com formalina, à lecitinase da toxina alfa do Clostridium

welchii, mas que a extracção com etanol, acetona ou outros solventes

O aperfeiçoamento de uma técnica de fraccionamento da substância branca, por um dos pioneiros da neuroquímica, Jordi FOLCH-PI, responsável pela identificação de vários componentes importantes da substância nervosa, como os gangliosídeos ou os sulfátidos (161), levou ao isolamento de um novo tipo de lipoproteína a partir da mielina denominado proteolípido, insolúvel em água mas solúvel em misturas de clorofórmio- metanol-água (163). Esta técnica de FOLCH e LEES consistia numa primeira homogeneização da substância branca em clorofórmio-metanol, seguida de separação do extracto clorofórmio-metanol. Este, por sua vez, era equilibrado com água resultando no aparecimento de três fases: superior (descartável), interface e inferior. A partir da interface, contendo elementos em suspensão, era possível isolar um primeiro precipitado - proteolípido A -, sendo que, do restante, após filtração e tratamento com acetona a 4ºC, um segundo precipitado - proteolípido B -; da fase inferior, após secagem, eram realizadas extracções sucessivas com acetona, éter e etanol, resultando um resíduo insolúvel – proteolípido C (164). Este novo derivado da mielina foi inicialmente testado por OLITSKY e TAL na indução de EAE em ratinhos W-Swiss com cérebro homólogo, comprovando-se a capacidade encefalitogénica do proteolípido A e B (165); em trabalhos posteriores, os mesmos autores comprovaram estes resultados, estabelecendo uma relação entre a quantidade de proteolípido e a incidência de EAE, e negaram a antigenicidade das restantes fracções (166, 167). No entanto, num trabalho de Byron WAKSMAN (proveniente do laboratório de Marjorie LEES e Jordi FOLCH em Harvard), utilizando substância branca bovina para produzir EAE em coelhos, para além de se confirmr a importância do proteolípido A e B, ficou demonstrada a existência de antigenicidade na fracção éter-solúvel da fase inferior, atribuível à presença de contaminantes proteolipídicos, ou eventualmente à de um segundo antigénio não-lipídico (164). Mais ainda, a actividade antigénica por peso seco dos proteolípidos era menor do que a do cérebro fresco, e as curvas de dose resposta tinham um desnível diferente; estas diferenças poderiam ser atribuídas quer à inactivação do antigénio pelo processo de extracção, quer à existência de outros antigénios (164). A

juntar a estas incongruências, a demonstração de que nem todas as espécies eram sensíveis à imunização com este sub-componente da mielina levou ao seu progressivo descrédito como encefalitogénio, ficando apenas o mérito pioneiro de confirmar que a actividade antigénica da mielina era atribuível a um componente isolado desta substância (150). Mais tarde, como vimos no Capítulo anterior, este antigénio foi reabilitado, após a superação das dificuldades técnicas iniciais, com o isolamento da proteína proteolipídica, responsável pela sua encefalitogenicidade. Outra tentativa de isolamento do antigénio, por ROBOZ, HENDERSON e KIES, resultou na purificação de uma proteína de composição semelhante ao colagénio, e capacidade encefalitogénica em cobaios (168, 169), mas cuja raridade foi considerada como um factor impeditivo para um candidato ao papel de antigénio principal da mielina. Teve, no entanto, a virtude de provar que uma proteína purificada a partir da mielina poderia ter actividade encefalitogénica, o prelúdio para o isolamento das proteínas básicas (150).

O passo determinante para o isolamento do componente encefalitogénico principal da mielina foi o desenvolvimento de técnicas neuroquímicas de extracção de proteínas básicas. Ao contrário das subfracções anteriormente isoladas, as proteínas básicas purificadas exibiam uma capacidade encefalitogénica muito superior à da substância nervosa completa, em comparação por peso, confirmando tratar-se, provavelmente, do principal antigénio do Sistema Nervoso. Os trabalhos iniciais de LIPTON e STEIGMAN (1959), descreveram uma fracção solúvel em éter de petróleo, composta de 25 a 50% de proteína, isolada a partir de medula bovina e de cobaio, capaz de induzir EAE em quantidades de 2 a 5 microgramas (citados por PATERSON (150)). Posteriormente, outras técnicas de fraccionamento e purificação foram utilizadas para isolamento e concentração da proteína encefalitogénica. ROBOZ-EINSTEIN (1962), isolaram uma proteína básica a partir de medula bovina liofilizada, após remoção da fracção lipídica por extracção com éter de petróleo e acetona, com separações posteriores com água destilada e acetato de sódio, seguidas de extracção com cloreto de potássio e precipitação com sulfato de amónio e

electroforese (170). O grupo de LUMSDEN também reporta, nesta altura, o isolamento de um péptido dializável, obtido por extracção com cloreto de potássio e precipitação com sulfato de amónio em pH ácido, de uma proteína solúvel, não pertencente ao grupo das histonas, com capacidade encefalitogénica (171). A caracterização da composição amino-acídica, e do peso molecular dos factores encefalitogénicos presentes na “fracção de proteínas básicas” seria feita, mais tarde, pelo mesmo grupo, utilizando a técnica de filtração em gel em fenol-ácido acético-água (172, 173). KIES e ALVORD (a partir de 1959) aperfeiçoaram um processo de extracção por ácidos, resultando no isolamento de proteínas básicas encefalitogénicas de grande pureza e com o maior grau de encefalitogenicidade até então obtido. O procedimento de KIES consistia num primeiro passo de remoção lipídica com clorofórmio-metanol, seguida de uma separação de proteínas não- encefalitogénicas com água e cloreto de sódio e, por fim, uma extracção sequencial do resíduo com ácido hidroclórico (0.01N); entre o pH 2.5 e 5 era possível extrair proteínas encefalitogénicas, precipitáveis com sulfato de amónio, dializáveis, liofilizáveis e armazenáveis a 4ºC indefinidamente (174). A proteína extraída representava cerca de 1% do peso total inicial, e apenas 1 ou 2 microgramas em emulsão era capaz de induzir EAE em 50% dos animais, um aumento considerável da capacidade encefalitogénica; esta proteína era provavelmente idêntica à extraída pelo método de LIPTON e STEIGMAN, mas mais purificada (150). KIBLER, FOX e SHAPIRA reportam a purificação de uma proteína encefalitogénica de baixo peso molecular, a partir da medula bovina, utilizando uma homogeneização e extracção com acetona fria, seguida de extracção com citrato de sódio, ultracentrifugação, dialização e cromatografia em coluna (175). Um procedimento mais simplificado de extracção, desenvolvido por WOLFGRAM (1965) a partir do método de extracção com clorofórmio-metanol mas em pH ácido consistia, apenas, em permitir que suspensões de substância nervosa em clorofórmio-metanol equilibrassem, espontaneamente, com água durante a noite, a 4ºC; o produto final era constituído inteiramente por proteína, com capacidade encefalitogénica, e a sua composição em amino ácidos era

idêntica à das proteínas isoladas pelos métodos de ROBOZ-EINSTEIN e KIES (176). Na mesma altura, CASPARY e FIELD (1965) foram capazes de isolar uma proteína encefalitogénica a partir de cérebro humano, utilizando um procedimento semelhante ao de KIES (177). O produto obtido foi analisado por fraccionamento em colunas de di-etil-amino-etil celulose, separação em colunas “Sephadex”, electroforese a vários pH, ultracentrifugação e espectroscopia UV; após indução de EAE com quantidades de 1 micrograma, testes de reactividade cutânea celular, e precipitação por dupla imunodifusão radial foram empregues para confirmar a geração de resposta imune em cobaios (177, 178). Anticorpos contra este factor encefalitogénico foram encontrados no soro de doentes com EM aguda e crónica, mas, também, no de doentes com neurosífilis e outras doenças neurológicas; não foi possível demonstrar hipersensibilidade cutânea contra este factor nestes doentes (179).

Esta proteína básica era notavelmente estável à temperatura, extracção com ácidos, fenol, precipitação com fenol e acetona, e precipitação com ácido pícrico; no seu estado natural, existiria provavelmente como um complexo proteolipídico, apesar de que, pelo processo de extracção clássico de FOLCH e LEES, não fosse possível isolá-la (150). A sua localização anatómica à mielina do Sistema Nervoso Central foi claramente demonstrada pelo trabalho de LAATSCH et al. que utilizaram ultracentrifugação isopícnica em gradiente de sucrose (30%) para isolar a partir da substância nervosa total a sua fracção mielínica, tendo de seguida purificado uma proteína básica a partir desta fracção pelo método de KIES, com a mesma capacidade encefalitogénica (180). A prova inequívoca da localização deste antigénio foi feita por RAUCH e RAFFEL (1964), que demonstraram, por imunofluorescência indirecta, que o soro de coelhos imunizados com proteína básica purificada reagia especificamente com a mielina na medula humana, bovina e de cobaio (181).

Os trabalhos provenientes destes vários grupos de investigadores não deixavam claro se todos eles estavam a isolar o mesmo antigénio, apesar da concordância sobre a sua caracterização como uma proteína básica catiónica

de baixo peso molecular. Mapas pépticos gerados por digestão tríptica seguida de uma combinação de electroforese e cromatografia a 2 dimensões, permitiram a NAKAO, DAVIS e ROBOZ-EINSTEIN fraccionar o componente de proteína básica da medula bovina, e seleccionar as fracções encefalitogénicas. A semelhança estrutural e molecular entre estas permitiu concluir tratarem-se de fragmentos da mesma macromolécula, degradada pelo processo de extracção (182). O isolamento e purificação desta proteína foi conseguido no final da década de sessenta por KIBLER e SHAPIRA, e EYLAR et al. trabalhando independentemente. Os primeiros utilizaram um processo de cromatografia em carboximetil-celulose de um extracto de citrato de sódio de medula bovina deslipidificada por extracção com acetona- éter, para isolar uma proteína encefalitogénica, de peso molecular entre 4000 e 8000 Daltons, caracterizada depois através de electroforese em gel de poliacrilamida, análise do conteúdo em aminoácidos, e parcialmente sequenciada na extremidade amino-terminal (183). EYLAR et al., por sua vez, empregando um processo de extracção ácida, seguida de cromatografia em di-etil-amino-etil celulose e filtração em gel de ureia, conseguiram a purificação de uma grande quantidade de uma proteína encefalitogénica homogénea a partir de medula bovina, correspondendo a cerca de 30% do conteúdo proteico da mielina, a que chamaram proteína A1 (184). Esta proteína foi empregue na indução de EAE em cobaios, e após imunização gerou uma resposta humoral e celular importante e detectável (184). A proteólise que ocorre, naturalmente, com temperaturas acima de 4ºC, e durante a liofilização, reduzia a eficácia dos processos de extracção, motivo pelo qual outros laboratórios não tinham conseguido rendimentos tão elevados; a abundância desta proteína pressupunha que desempenhasse um papel estrutural fundamental, como se veio depois a comprovar (161, 184). A sequência completa desta proteína no homem e bovino foi obtida pelo grupo de EYLAR através da sequenciação de péptidos parcelares, obtidos a partir da digestão enzimática por pepsina, tripsina e quimotripsina da proteína A1; no humano, a proteína é composta de 172 resíduos amino-acídicos, e tem

um peso molecular de 18,625 Daltons, enquanto que a proteína bovina tem 170 resíduos e 18,395 Daltons (185, 186).

No que diz respeito aos determinantes antigénicos específicos dentro desta proteína, o mesmo método de obtenção de péptidos parcelares por digestão enzimática foi utilizado para fraccionar a proteína A1 e identificar as sequências antigénicas para as várias espécies. Os trabalhos iniciais do grupo de HASHIM e EYLAR permitiram identificar dois péptidos – E e E1 – que eram mais potentes indutores de EAE que a proteína original em cobaios; ambos os péptidos continham, na sua sequência, o único resíduo de triptofano da proteína, correspondendo, portanto, à mesma região da molécula (187, 188). Estes trabalhos levaram, igualmente, à conclusão de que a estrutura secundária e terciária da proteína não eram necessárias para a indução da resposta imune, e de que a região antigénica era composta, meramente, por uma pequena sequência de aminoácidos (187). Mais tarde, foram testadas várias sequências peptídicas derivadas da sequência do péptido E, obtidas por síntese de fase sólida através do processo de MERRIFIELD (189, 190), e que permitiram definir a região antigénica mínima, composta de 9 aminoácidos (Phe-Ser-Trp-Gly-Ala-Glu- Gly-Gln-Lys, resíduos 112-122 da proteína total) rodeando o resíduo de triptofano (191); numa fase seguinte, péptidos de síntese com modificações de um único resíduo de cada vez foram empregues para definir um trio de aminoácidos (--Trp----Gln-Lys) essencial para a encefalitogenicidade (192), embora, posteriormente, tenha sido descoberto que os aminoácidos circundantes do resíduo triptofano fossem igualmente relevantes (193). Uma segunda região antigénica no cobaio foi descrita por BARTON et al. na região N-terminal (Gly-Ser-Lys-Trp-Leu-Ala-Thr-Ala-Ser-Thr), embora com fraca capacidade encefalitogénica (194). Paralelamente com os trabalhos do grupo de EYLAR, a análise detalhada da proteína descrita por KIBLER e SHAPIRA (183) confirmou que a sequência obtida por estes autores correspondia, apenas, a um segmento parcial da proteína básica total, mas o facto de conter um determinante encefalitogénico de sequência diferente dos péptidos de EYLAR (e para uma espécie diferente, uma vez que o péptido de

KIBLER era antigénico em coelhos, enquanto que a sequência de EYLAR era-o em cobaios) apontava para a existência de mais do que uma região antigénica na proteína A1 (195, 196). Esta sequência, contida entre as duas repetições Phe-Phe da proteína A1 (resíduos 45 a 90 da sequência bovina) foi analisada, de forma idêntica, à procura do determinante antigénico, através de digestão enzimática e síntese de péptidos, resultando no isolamento de uma sequência de 10 aminoácidos (Thr-Thr-His-Tyr-Gly-Ser-Leu-Pro-Gln- Lys) com algumas semelhanças estereoquímicas (resíduo aromático – Trp ou Tyr – seguido de glicina e terminal carboxi glutaminil-lisina) com a encontrada por EYLAR (197). No que diz respeito aos primatas, foram testados por EYLAR quatro péptidos diferentes derivados da proteína A1: péptido T (resíduos 116-170), P14 (134-170), T18 (114-120, contendo a região triptofano) e R (44-89, contendo a região de KIBLER). Destes, somente os péptidos T e P14 eram encefalitogénicos no macaco Rhesus, apontando ainda para uma quarta região antigénica na proteína A1 (198).

O problema da determinação da sequência antigénica no rato só mais tarde foi resolvido. Os resultados iniciais de MCFARLIN apontavam para uma maior susceptibilidade da estirpe Lewis à proteína básica de cobaio e, dentro desta, à região de KIBLER (péptido R de EYLAR) (199, 200). CHOU

et al., e depois KIBLER et al., mostraram que um fragmento da proteína

básica de cobaio – resíduos 68-88 – tinha a mesma capacidade encefalitogénica que a proteína total, e induzia fortes respostas celulares e humorais em ratos Lewis (201, 202). No seu seguimento, HASHIM, utilizando péptidos de síntese, confirmou a localização do determinante antigénico principal para esta espécie à sequência bovina 69-84 (Gly-Ser- Leu-Pro-Gln-Lys-Ala-Gln-Gly-His-Arg-Pro-Gln-Asp-Glu-Asn), e explicou as diferenças de maior potência antigénica da proteína de cobaio em relação à de rato, com base em duas modificações nesta sequência (deleção dos resíduos 77-78 – Gly-His) (203, 204). A progressiva delimitação do epítopo contido nesta sequência foi feita primeiro por CHOU et al., por clivagem enzimática sequencial do términus amino, tendo estes autores concluído que o determinante antigénico estava contido na sequência 71-85 (205).

Utilizando péptidos sintéticos, MANNIE et al. estudaram a capacidade de indução de respostas linfocitárias, indução de EAE e transferência adoptiva após imunização com várias sequências, incluindo a proteína básica de cobaio, as sequências 68-84 de cobaio e bovina (com as modificações 75S>A, 78S>P), e as sequências de cobaio 75-84 e 75-86. Dos resultados, estes autores concluem que a região amino-terminal deste péptido era mais relevante que o pensado por CHOU, e que a sequência antigénica estava contida entre os resíduos 68-74 (206).

No que diz respeito ao ratinho, a relativa dificuldade de indução de EAE nesta espécie foi uma barreira só mais tardiamente ultrapassada, sobretudo a partir do momento em que se tornaram disponíveis estirpes endogâmicas singénicas. Os trabalhos iniciais de OLITSKY (132) na década de 1940-50 foram, sobretudo, ampliados a partir dos anos 70 com os trabalhos de LEVINE, BERNARD, LUBLIN, BROWN e FRITZ (135, 207- 211). Estes autores estabeleceram a possibilidade de indução de formas de EAE aguda e crónica com surtos em ratinhos, utilizando homogeneizado de medula espinhal e proteína básica de mielina (207). Particularmente importantes foram a utilização da toxina de Bordetella pertussis como adjuvante à imunização em várias estirpes (212), bem como os protocolos de combinação de transferência adoptiva e reforço antigénico para induzir EAE em estirpes de ratinho tradicionalmente consideradas resistentes (213).

Do ponto de vista imunológico, o ratinho tinha assumido, progressivamente, um papel mais relevante na investigação imunológica, com uma caracterização cada vez mais pormenorizada dos elementos responsáveis pela sua resposta imune. Como tal, a criação de um modelo reprodutível de EAE nesta espécie abria a possibilidade de se estudar, aprofundadamente, a resposta encefalitogénica, nos seus elementos celulares e humorais. Na sequência dos estudos iniciais, PETINELLI e MCFARLIN demonstraram a possibilidade de indução de EAE em 100% dos animais da estirpe SJL, após transferência adoptiva de células de gânglio linfático de animais imunizados com proteína básica de rato, e que este fenómeno era dependente da presença de linfócitos T (214). Posteriormente,

estes autores estudaram a localização da região antigénica para esta estirpe, utilizando a proteína básica de cobaio, bem como os péptidos 1-37, 43-88 e 89-169 obtidos por digestão enzimática. Destes apenas o péptido proveniente da região C-terminal (89-169) tinha capacidade encefalitogénica (215). No que diz respeito a outras estirpes de ratinho susceptíveis, FRITZ, CHOU e MCFARLIN observaram que, para a estirpe PL/J, a região antigénica era totalmente distinta, estando contida na sequência 1-37 (210). Na sequência deste trabalho, e empregando as técnicas, recentemente desenvolvidas, de isolamento e caracterização de clones linfocitários (discutidas adiante), ZAMVIL et al. examinaram a especificidade da resposta linfocitária dentro desta região, identificaram a região antigénica para esta estirpe como sendo a sequência AcMBP1-11 (contendo um resíduo acetil no seu N-terminal), bem como a restrição da resposta imune destes clones ao gene MHC classe II, I-Au, uma vez que a imunização de estirpes com genes I-As (e.g. SJL) não induzia resposta linfocitária (216, 217). Utilizando a mesma técnica, o mesmo grupo foi capaz de identificar o determinante encefalitogénico major da MBP para a estirpe SJL/J, neste caso a sequência 89-101, bem como a sua restrição ao antigénio I-As (218). Concomitantemente, KONO et al., estudando a mesma estirpe identificaram, dentro da sequência MBP89-104, dois determinantes antigénicos diferentes (MBP87-98 e 91-104), um dos quais (87-98) com excelente capacidade encefalitogénica (219). Por último, uma terceira região encefalitogénica dentro da MBP, para a estirpe cruzada SJL/JxPL/J F1, foi identificada por ZAMVIL e STEINMAN. Esta sequência (MBP35-74) tinha a particularidade de ser restrita ao locus I-E (EαuEβs), correspondendo ao locus humano HLA-DR, epidemiologicamente associado à Esclerose Múltipla em várias populações (enquanto que os anteriores I-A são homólogos do locus HLA-DQ) (220).

A facilidade de utilização do ratinho como animal experimental neste modelo, bem como os desenvolvimentos na Neuroquímica e Imunologia abriram, de imediato, as portas à identificação de outras moléculas componentes da mielina com capacidade encefalitogénica. Exemplos disso foram os estudos que levaram à caracterização de um segundo alvo

antigénico, a proteína proteolipídica (PLP). Inicialmente isolados por FOLCH e LEES (163), e empregues por OLITSKY e TAL, e por WAKSMAN para a indução de EAE (164-166), os proteolípidos foram depois