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Imunopatologia da Esclerose Múltipla Conceitos de autoimunidade Componentes principais da resposta imune inata e

Abordagem Clínica, Etiopatogénica, e Imunopatológica

5. Imunopatologia da Esclerose Múltipla Conceitos de autoimunidade Componentes principais da resposta imune inata e

adaptativa, e antigénios-alvo. Dinâmica da reacção autoimune.

O contributo do Sistema Imune (SI) para a etiopatogénese da Esclerose Múltipla encontra-se plenamente demonstrado, dada a quantidade e variedade de provas circunstanciais existentes. De facto, a associação da doença com determinados alelos HLA, os numerosos estudos histopatológicos que demonstram a presença de vários componentes celulares e humorais da resposta imune nas placas desmielinizantes, as semelhanças clínicas e histopatológicas da EM com as encefalomielites pós- infecciosas, a detecção de alterações de expressão de genes relacionados com a resposta imune no parênquima encefálico destes doentes, e a detecção de anomalias na sua resposta imune, todos eles apontam para um papel central da resposta imune nesta doença. A estes, outros dois importantes argumentos são frequentemente agregados para justificar o conceito da EM como doença imunológica: a resposta a terapêuticas imunomoduladoras, ou imunossupressoras, e as semelhanças clínicas e patológicas com o modelo experimental de EAE (139, 268, 269). Já anteriormente comentámos o papel que a Encefalomielite Autoimune Experimental tem desempenhado no desenvolvimento do modelo-padrão actual da etiopatogénese da Esclerose Múltipla. No que respeita ao outro ponto, tem havido, sobretudo ao longo dos últimos anos, numerosas demonstrações da influência do SI na Esclerose Múltipla, com base na resposta clínica e imagiológica a várias formas de terapêutica; todas as medicações utilizadas neste momento (e.g., interferão beta, acetato de glatiramero, imunoglobulinas endovenosas, mitoxantrona, etc.) para modificar o curso clínico da EM actuam quer como imunomoduladores, quer como imunossupressores - modificando o padrão de resposta, ou impedindo a acção do SI, respectivamente. Igualmente informativos têm sido os exemplos de terapêuticas imunomoduladoras cujos ensaios resultaram em agravamento da doença, sublinhando, assim, a importância da resposta imune na EM: a utilização de interferão gama (270,

271), moléculas de fusão de imunoglobulina com o receptor do TNF (lenercept) (272) e, mais recentemente, de um ligando peptídeo alterado do antigénio MBP83-99 (273), todos resultaram num aumento da actividade da doença, traduzida em surtos clínicos e lesões desmielinizantes detectáveis por RMN.

Apesar do anteriormente dito, não é claro, no entanto, em que medida a EM será, apenas, uma doença imuno-mediada, ou, na verdade, uma doença autoimune. A diferença estaria essencialmente no saber se a participação do SI na etiopatogénese da EM seria como causa primária, ou, apenas, como mecanismo efector – com as necessárias implicações terapêuticas. A resposta a esta questão não é simples, e, de facto, continua a suscitar polémica na literatura (274-276). O próprio conceito de autoimunidade tem vindo a modificar-se ao longo dos anos, passando de uma “era das trevas” dominada pelos conceitos do “horror autotoxicus” de EHRLICH, e do censor tímico de BURNETT, para a “era das luzes” actual, em que a auto-reactividade é considerada um fenómeno normal, fisiológico, e a doença autoimune acontece no contexto de alterações quantitativas da dinâmica de repertório imune e da sua regulação, resultante de múltiplos factores etiológicos (revistos em (277-281).

Se atendermos aos critérios de WITEBSKY-ROSE, só existe evidência indirecta, e circunstancial, de que a Esclerose Múltipla seja uma doença autoimune (282). Propostos por WITEBSKY em 1957 (em estudos relacionados com a tiroidite autoimune (283)), e baseados nos postulados de KOCH, estes critérios estabeleciam, para a definição de uma doença autoimune, a necessidade de identificação de um anticorpo ou resposta celular específica para um antigénio presente no órgão-alvo, e a indução de uma resposta autoimune análoga num modelo experimental com manifestações clínicas semelhantes (283). Mais tarde, a revolução no conceito de autoimunidade, levou à necessidade da modificação destes critérios, uma vez que a presença de auto-reactividade celular ou humoral passou a ser considerada um fenómeno normal. Em virtude disso, ROSE e BONA (282) definiram critérios de prova directa ou indirecta para

diferenciar entre a resposta linfocitária auto-reactiva normal e patológica; em última análise, o conceito de auto-reactividade patológica passou a basear-se na capacidade de transferir doença de um indivíduo para outro através de anticorpos ou células, e a na existência de destruição do órgão- alvo (282). Desta forma, enquanto para as doenças mediadas por anticorpos existem várias “experiências da natureza” que provam, directamente, o conceito (e.g., miastenia neonatal), para todas as doenças mediadas por células as provas teriam sempre de ser indirectas e circunstanciais, pela impossibilidade (técnica e ética) de realizar transferências celulares de doentes para controlos saudáveis.

Como iremos detalhar no próximo capítulo, a Esclerose Múltipla cumpre todos os critérios de prova indirecta: indução de modelos experimentais por autoantigénios, transferência de doença por células nos modelos, existência de modelos genéticos de doença, identificação de anticorpos e células T nas lesões, e presença de autoanticorpos ou linfócitos T auto-reactivos nos doentes (282). Por último, os nossos conceitos sobre a interacção entre o Sistema Nervoso Central, e o Sistema Imune, têm sofrido grande evolução, com a passagem de um conceito do SNC como local “imunoprivilegiado” (i.e., em que a tolerância aos antigénios do SNC era mantida sobretudo em virtude da ausência de células imunes no seu parênquima – ignorância imunológica), para um conceito de “imunoespecialização” do SNC, no qual há frequentes interacções entre estes dois sistemas, baseadas em vias de migração das células imunes para dentro e fora do SNC, bem definidas, e reguladas por mediadores tais como as quimiocinas e seus receptores (284, 285). Durante o aparecimento de lesões desmielinizantes activas, as quimiocinas assumem o papel de recrutamento das células inflamatórias, através da indução de moléculas de adesão celular no endotélio vascular, e da criação de um gradiente quimiotático de migração para estas células. A migração através do endotélio, e a penetração no parênquima nervoso é facilitada através de enzimas proteolíticas, como as metaloproteinases de matriz, sobretudo a MMP-2 e MMP-9, cujos níveis estão aumentados no LCR de doentes com EM (286). Dentro das

quimiocinas, destacam-se os receptores CCR5 e CXCR3 para os linfócitos Th1, e os receptores CCR3 e CCR4 para os Th2; a presença do receptor CCR7 parece servir como marcador da capacidade migratória destas células. A expressão de CCR5 encontra-se aumentado nas células T nos doentes com EM e, particularmente, durante os surtos, e as células T CCR5+ e CXCR3+ produzem níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias. No LCR, são detectáveis níveis aumentados de CCL5 (RANTES) e de CXCL10 (IP-10), a presença de CCL3 (MIP-1α) e diminuídos de CCL2 (MCP-1) nos doentes com EM, sobretudo com relação com os surtos e a detecção de actividade na RMN. Por último, nas lesões parenquimatosas, são detectáveis, entre outras, as quimiocinas CCL3 (MIP-1α), CCL4 (MIP-1β) e CCL5 (RANTES); os receptores CXCR3 e CCR5 são detectáveis na maioria dos linfócitos perivasculares, CCR1 e CCR5 nos monócitos, e CCR2 e 3 nos macrófagos (139, 287).

A complexidade da resposta imune, presente nas lesões desmielinizantes, é por demais evidente, e, embora redutor, torna-se necessário considerar separadamente cada um dos seus elementos de maneira a poder estudar o seu papel. Salientamos, uma vez mais, que a compreensão detalhada dos mecanismos envolvidos nesta resposta é devida, em grande parte, ao estudo do modelo experimental de EAE; a transposição dos dados obtidos nos modelos animais para a EM, nem sempre tem sido fácil, ou mesmo possível. De seguida, iremos brevemente descrever a participação de vários dos elementos do Sistema Imune na etiopatogénese da EM; na impossibilidade de abarcar a extensíssima literatura existente sobre o assunto, existem várias excelentes revisões deste tema, cuja consulta poderá ser útil (139, 269, 288).

Do ponto de vista imunopatológico, na EM predominam as alterações da resposta imune adaptativa, em que os principais elementos envolvidos são os linfócitos T, actuando após a apresentação de autoantigénios no contexto de moléculas do MHC, e linfócitos B capazes de produzir e segregar anticorpos auto-reactivos. Dado que a existência destes clones auto-reactivos é uma característica do repertório imune normal, presume-se que exista

uma primeira fase de sensibilização, expansão clonal e activação linfocitária, fora do SNC, provavelmente nos órgãos linfóides periféricos após contacto com algum agente patogénico (e.g. EBV) com capacidade de mimetização molecular (139, 288). Numa segunda fase, estas células migram para o parênquima encefálico e medular, onde encontram o seu antigénio cognato pela segunda vez, apresentado localmente por células apresentadoras residentes, são reactivadas e utilizam as suas capacidades efectoras para desencadear uma reacção inflamatória. Tipicamente, são produzidas moléculas associadas à reacção inflamatória, entre as quais várias quimiocinas destinadas a recrutar células para o SNC, metaloproteinases de matriz que permitem a penetração na matriz extracelular, e citocinas pró- inflamatórias (Th1) que permitem a comunicação e coordenação dos vários elementos deste ataque imune, para além de possuírem capacidades efectoras próprias. Para além destes componentes da resposta adaptativa, vários elementos do Sistema Imune Inato têm papéis importantes na resposta inflamatória da placa desmielinizante activa, tais como, entre outros, os receptores Toll-like (TLR), mastócitos, células NK, NKT e γδ T, factores do complemento e radicais livres de oxigénio (139).

Ao longo dos últimos 50 anos, a EM tem sido considerada como uma doença autoimune mediada por linfócitos T CD4+. O protagonismo da resposta celular, em detrimento da humoral, vem, em grande parte, da incapacidade experimental de transferir EAE através de anticorpos anti- mielina, enquanto as células de gânglio linfático de animais induzidos com EAE eram um veículo eficaz de transferência adoptiva da doença (por PATERSON em 1960 (289)). Durante as décadas seguintes, fruto, também, dos avanços da Imunologia experimental que permitiram uma melhor compreensão da diversidade dos fenótipos linfocitários, o papel central da resposta linfocitária T foi sendo confirmado no modelo experimental, culminando no conceito de uma imunopatologia dominada pela resposta celular mediada por linfócitos Thelper CD4+ de fenótipo Th1 (290). Vários elementos apoiam, também, este conceito na EM: a presença inquestionável destas células no LCR e SNC dos doentes; um risco genético associado em

grande parte aos genes do MHC classe II HLA-DR e DQ; a susceptibilidade à EAE de modelos transgénicos humanizados possuindo estes alelos HLA- DR e DQ; a necessidade da coordenação Thelper para garantir a maturação da resposta CD8+, produção de anticorpos de alta afinidade, e muitos outros fenómenos da imunidade inata ou adaptativa presentes na lesão desmielinizante (139, 288). Existem numerosos estudos que demonstram a presença de linfócitos T CD4+, reactivos contra antigénio da mielina do SNC, quer nos doentes com EM, quer em controlos saudáveis, em frequências consideráveis (até 1/10000 utilizando as técnicas mais sensíveis). Uma vez que estes linfócitos parecem fazer parte do repertório imune normal, outros factores têm sido apontados de forma a explicar a sua patogenicidade, como, por exemplo, frequências de precursores mais elevadas nos doentes com EM, sinais de maior activação prévia e maior avidez para o seu antigénio cognato, ou um perfil de secreção de citocinas mais marcadamente enviesado para o fenótipo Th1 (288).

A especificidade antigénica destes linfócitos T CD4+ tem sido alvo de grande atenção, uma vez que a identificação do autoantigénio responsável pela resposta não só seria um argumento importante a favor da teoria autoimune da etiologia da EM, mas, também, por possibilitar o desenvolvimento de formas de terapia antigénio-específicas, como no caso do nosso trabalho. Até ao momento, a mielina tem-se revelado uma fonte de múltiplos autoantigénios potencialmente interessantes; uma listagem recente das moléculas implicadas na EAE e EM inclui a proteína básica de mielina (myelin basic protein, MBP), proteína proteolipídica (proteolipid

protein, PLP), glicoproteína oligodendrocitária da mielina (myelin oligodendrocyte glycoprotein, MOG), glicoproteína associada à mielina

(myelin associated glycoprotein, MAG), fosfodiesterase dos nucleótidos cíclicos (2’,3’-cyclic nucleotide 3’ phosphodiesterase, CNPase), proteína básica oligodendrocítica associada à mielina (myelin associated oligodendrocytic

basic protein, MOBP) e glicoproteína específica oligodendrocitária

(oligodendrocyte-specific glycoprotein, OSP) (139). Outros antigénios potencialmente interessantes, e não pertencentes à mielina, incluem a

proteína α-B Cristalina, a proteína S100β, transaldolase-H (tal-H) e as próprias imunoglobulinas; por último, outros antigénios não proteicos poderão vir a ter um papel relevante, tais como os gangliosídeos GM3 e GQ1b (139).

Ao contrário dos modelos experimentais, em que tem sido possível identificar epítopos imunodominantes para cada espécie e estirpe, no ser humano predomina uma grande variabilidade no padrão de resposta (este tema será desenvolvido em detalhe no próximo capitulo). A MBP foi a primeira proteína da mielina com capacidade antigénica a ser identificada, e acerca da qual existem mais estudos. Nos mamíferos existem 5 isoformas da MBP resultantes de splicing alternativo dos 11 exões no gene Golli-MBP; esta proteína encontra-se na mielina do Sistema Nervoso Central e Periférico em quantidades significativas (30-40% da mielina do SNC), onde tem funções de estabilização da estrutura compacta da mielina, e nos órgãos linfóides periféricos. É possível induzir EAE através de imunização com MBP em várias estirpes de ratinho e rato, coelho, cobaio e em primatas não- humanos; os epítopos encefalitogénicos para estas espécies encontram-se identificados desde há longa data, e existe uma correspondência entre estes e os epítopos imunodominantes no contexto dos alelos HLA-DR associados à EM (revisto em (139)). No humano, o epítopo mais dominante é a MBP83-99, que interage com a maioria das moléculas de MHC associadas à EM (HLA- DR2a (DRB5*0101) e DR2b (DRB1*1501)); um segundo epítopo importante é a MBP111-129, que se associa ao alelo HLA-DR DRB1*0401. Como veremos a seguir, vários modelos transgénicos em ratinho foram já criados, com base nos epítopos dominantes para cada espécie, e nos epítopos humanos, resultando em formas de EAE espontâneas; estes resultados confirmar a encefalitogenicidade potencial dos referidos epítopos, e a importância da resposta celular T CD4+ na etiopatogénese da neuro- inflamação (139). No modelo humanizado criado para simular a interacção entre a MBP111-129 e a molécula DRB1*0401 constatou-se uma localização lesional preferencial ao tronco cerebral e cerebelo, um exemplo de correlação

entre antigénio e localização anatómica que tem sido encontrada também noutros casos (291).

A PLP é a proteína mais abundante da mielina do SNC, e foi a primeira fracção a ser identificada por FOLCH-PI e LEES (292). No ratinho, existem duas isoformas principais, a PLP e a DM20, na qual estão ausentes 35 aminoácidos, e que é expressa durante o desenvolvimento da mielina, mas também nos órgãos linfóides periféricos. A presença de DM20 no timo é relevante no processo de selecção de repertório linfocitário, uma vez que a ausência de parte da sequência da proteína completa permite a existência de elevadas frequências de linfócitos T reactivos contra o epítopo imunodominante PLP139-151. Vários outros epítopos da PLP foram identificados, sobretudo para o ratinho SJL/J (como a PLP178-191), mas, também, noutras estirpes de ratinho e no rato. No doente com EM, vários epítopos têm capacidade de ligação aos alelos HLA-DR, e induzem reactividade linfocitária; entre os mais frequentes, destacam-se a PLP104- 117, PLP142-153, PLP184-199 e PLP190-209, embora outros sejam, igualmente, alvos potenciais da resposta imune. Ao contrário da MBP, o padrão de reactividade parece ser mais disperso para a PLP, apesar de continuar a haver alguma correlação entre os epítopos encefalitogénicos na EAE e na EM (revisto em (139)).

A MOG foi o terceiro antigénio-alvo a ser identificado, e possui algumas características que a tornam interessante; apesar da sua raridade, quando comparada com as duas anteriores, é específica do SNC e a sua localização na periferia da bainha de mielina torna-a susceptível de interacções com anticorpos e células do SI, e praticamente não é expressa nos órgãos linfóides periféricos (139, 293). A imunização activa com MOG induz EAE em várias estirpes de ratinho (como acima referimos, o péptido MOG35-55 induz uma forma de EAE crónica progressiva no ratinho C57BL/6), no rato e no primata não-humano Callithrix jaccus (sagui-de-tufo- branco) (294); contrariamente aos outros dois antigénios major anteriores, a transferência de anticorpos anti-MOG tem a capacidade de agravar lesões desmielinizantes e induz vesiculação da mielina, o que confirma o seu

potencial patogénico (293). A caracterização dos epítopos imunodominantes no humano não se encontra tão desenvolvida como para a MBP, e tem focado sobretudo o domínio extracelular desta proteína (semelhante às imunoglobulinas); os determinantes MOG1-20 e MOG35-55 são responsáveis pela existência de reactividades T de alta avidez nos doentes com EM (139, 295). Curiosamente, tal como para a MBP111-129, parece haver alguma relação entre a especificidade antigénica e a localização das lesões desmielinizantes; em estudos com ratos Brown-Norway, e num recentemente descrito modelo transgénico MOG foi descrito um predomínio de lesões na medula espinal e no nervo óptico, levando a pensar que a reactividade contra esta proteína poderia estar ligada a fenótipos do tipo neuromielite óptica (139, 296, 297)

Os dados existentes para os restantes antigénios T CD4+ são menos detalhados e o seu papel na EAE e EM menos seguro. A MAG é uma proteína rara (menos de 1% do proteoma da mielina) e cuja localização justa- axonal e seu significado foi já acima comentada. Epítopos desta proteína são encefalitogénicos em modelos animais, com um predomínio de lesões no cerebelo, centro semioval e lobos frontais na EAE em ratos Lewis, e resposta linfocitárias T e B podem ser encontradas nos doentes com EM. A região imunodominante no humano parece situar-se na região C-terminal (MAG596-612, MAG609-626). A CNPase é relativamente mais abundante (3-4% do proteoma), e localizada à região perinuclear do oligodendrócito e ansas perinodais; apesar de ser imunogénica em animais e humanos (reactividade T de alta avidez contra a CNPase343-373 foi confirmada nos doentes com EM) a sua encefalitogenicidade não foi ainda demonstrada. A MOBP é expressa exclusivamente nos oligodendrócitos, é encefalitogénica em ratinhos SJL/J, e pelo menos um epítopo imunodominante foi já identificado nos doentes com EM (MOBP21-39). O último destes candidatos

minor, pertencente à mielina, é a OSP, que, na realidade, é a terceira

proteína mais abundante da mielina (7% do proteoma); vários epítopos desta proteína são encefalitogénicos no ratinho SJL/J, anticorpos anti-OSP foram identificados em doentes com EM-SR, e respostas celulares T em doentes

com EM-SR e controlos normais (revistos (139)). Dos candidatos não pertencentes à mielina, apenas mencionaremos brevemente a α-B cristalina; esta proteína é um dos principais constituintes do cristalino, e foi identificado por VAN NOORT et al. durante um screening de reactividade T contra um painel de proteínas fraccionadas derivadas do SNC (298). Para além do cristalino, esta proteína tem, também, um papel como proteína de choque térmico, e é expressa por oligodendrócitos e astrócitos no SNC. Com base nestes achados, este autor propôs um modelo de EM como uma reacção de stress alterada, ao invés de uma reacção autoimune contra a mielina (299). Sendo muito interessante do ponto de vista conceptual, não foi possível, no entanto, obter uma prova convincente da encefalitogenicidade desta proteína nos modelos animais; no humano, conseguem-se detectar respostas Th1 contra os epítopos αB-C21-40 e αB-C41-60 em doentes com EM, mas também em controlos saudáveis, e anticorpos contra a αB-C fazem parte do repertório imune normal de indivíduos saudáveis (300).

Apesar da especificidade da reactividade T contra os antigénios supracitados, o conceito de degenerescência de reconhecimento, ou de reactividade cruzada, tem vindo, cada vez mais, a assumir importância para a compreensão da resposta imune celular (301). Classicamente, o reconhecimento antigénico pelos linfócitos era considerado extremamente específico, e capaz de diferenciar antigénios com base em pequenas diferenças de sequência amino-acídica; no entanto, a capacidade destas células reagirem contra múltiplos outros antigénios parece ser um fenómeno praticamente universal, consequência provável dos mecanismos de selecção positiva no timo, e baseado na avidez do reconhecimento (139, 301). Como tal, a sensibilização primária destes clones auto-reactivos, e sua activação, poderia ser fruto do contacto com outros antigénios que não os da mielina, como proposto no modelo de mimetização molecular com agentes infecciosos. Outro conceito igualmente importante, e que será detalhado no próximo capítulo, é o da diversificação de epítopos durante o processo patológico. Neste paradigma, a imunodominância de um determinado antigénio é temporalmente restrita, uma vez que a especificidade da resposta imune se

modifica com o passar do tempo, de um epítopo “primário” para outros epítopos “secundários” dentro da mesma proteína da mielina (diversificação intramolecular) ou noutras proteínas (diversificação intermolecular). A própria destruição da mielina durante o ataque imune seria responsável pela libertação destes epítopos secundários, que seriam depois alvo de respostas imunes próprias, amplificando e perpetuando, assim, o ciclo de