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CAPÍTULO 4: DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS DE AQUISIÇÃO EM PB

4.5. Os aspectos semânticos, morfológicos e sintáticos do objeto

4.5.1. Animacidade e especificidade nos complementos anafóricos

Sabe-se que a referencialidade, como destacam Cyrino, Duarte & Kato (2000), é bastante significativa para a pronominalização.

O gráfico a seguir focaliza o caráter semântico do antecedente no conjunto de ocorrências de objeto direto anafórico, contrapondo expressos vs. nulos. Como informado na seção de metodologia, é considerada a animacidade associada à especificidade do referente do objeto.

40 60 40 60 59 41 34 66 89 11 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

[+ an + esp] [+ an - esp] [- an + esp] [- an - esp] [propos.]

Nulos Expressos

Gráfico 4.10. Complementos anafóricos expressos vs. nulos segundo animacidade/especificidade do antecedente (%)

Confirma-se a importância do traço [+ animado] para o preenchimento do complemento, independentemente da especificidade, já que há o predomínio de objetos expressos sobre nulos, seja com traço [+ específico] ou [- específico]: 60%.

Nos dados de peças teatrais do século XX coletados por Cyrino (1997), todos complementos com traços [+ animado, + específico] são preenchidos. Para a autora, o esvaziamento da posição somente seria possível se o traço [+ animado] fosse cruzado ao [- específico]. Foram encontrados neste corpus, entretanto, 40% de nulos animados com referente específico. Em Lopes & Cyrino (2005), nesse mesmo contexto semântico, há uma freqüência semelhante: 47,6%.25. Sendo assim, com base nesses dois resultados sobre a gramática infantil, parece que os contextos mais propícios ao preenchimento começam a ser também atingidos.

Como neste ponto está sendo apresentada a média dos dados, resta confirmar se, na investigação do traço semântico do antecedente ao longo do tempo, na próxima seção, ao final das idades examinadas das três crianças haverá um afastamento ou uma aproximação em relação à gramática adulta.

Todos os 19 casos de pronome nominativo, quase sempre relacionado em outras

25

Ressalve-se que esse valor equivale à média de nulos [+anim./+ espec.] de R., apresentada na tabela 9 de Cyrino & Lopes (op. cit.), considerados somente objetos nulos e pronomes.

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pesquisas a [+ humano], levam os traços [+ animado, + específico],26 inclusive representando no corpus personagens de histórias, como o ursinho Plum, o Gato de Botas, o cachorro Bolinha, a boneca Barbie:27

(39) C: (Folheando o livro) É a Babi, heim! A Babi ... M: Tem a Barbi aí ?

C: Ó i ela. (02;04,01 - A3)

Se o referente é [- animado, + específico], por outro lado, a situação é exatamente inversa. Esse é o contexto de maior índice de nulos (59%) na amostra, assim como na produção de R., uma das crianças investigadas por Cyrino & Lopes (2005, tabela 10) – 83,6%. Pesquisa diacrônica de Cyrino (1997:247-8, tabelas 3 e 4, adaptadas na tabela 2 de Cyrino & Lopes, 2005) revela que o aumento de objetos nulos com essa conjugação de traços semânticos começou no século XIX (de 8% para 49%) e avançou no século XX para 87% – percentual semelhante ao de R., mas quase 30% a mais que o do presente trabalho.

A expansão do nulo não animado, paralela ao gradativo desaparecimento do clítico neutro ao longo dos séculos, é assim justificada em Cyrino & Matos, (2006a:133): “a criança alargou a possibilidade de elipse de estruturas com o clítico

invariável, possivelmente NCA, a outras similares em que o clítico também tinha o traço [-animado]. Desta forma, NCA e Objeto Nulo são muito semelhantes em PB, sendo apenas o seu conteúdo (denotação de uma situação ou referência a uma entidade) que os distingue, quando ocorrem com o mesmo verbo”, como nos

enunciados a seguir:

(40) C.: (Sai e vai para o sofá).

I.: A P. também é linda... Qui que cê vai fazê aí? S.: Vem aqui.

C.: Num queru __. (03;01,27 - A6)

(41) S.: Vô fazê uma bolona pra você.

C.: Não! (Grita). Num queru __ assim. Num queru __ assim. (Joga a massinha).

(03;04,16 - A7)

26 Em Casagrande (2007), somente a metade dos pronomes leva traço [+ animado].

27 Em um próximo trabalho, podem ser separados todos os objetos com traço [+ humano] para constatar a relevância do pronome nominativo nesse grupo.

Inesperado é o resultado para a combinação dos traços [- animado, - específico], em que há a maior freqüência de expressos – 66%. Há uma tendência cada

vez maior de preencher objeto com antecedente [-animado], porém [+específico]; logo, surpreende o emprego de formas expressas também com traço [-específico].

Trabalhos sobre aquisição (Cyrino & Lopes, 2005, tabela 10;28 Casagrande, 2007) comprovam que crianças podem empregar construções com objeto nulo não específico [- animado]: 41,2% na produção de R. e 100% na de AC. Se a não especificidade for conjugada ao traço [+ animado], porém, as duas crianças utilizam objeto expresso em todos os enunciados.

Os resultados desta amostra parecem revelar que não há qualquer restrição em relação à animacidade ou não. O objeto nulo [- específico] pode aparecer com antecedente animado ou inamimado, como ilustrados em:

(42) M: A Alice caiu num buraco beeeem fundo, né? Daí, quem ela achou lá embaixo? Quem foi? (Apontando a figura). Quem é esse? Coelho...

C: Colelo. Achô __ lá embaxo do home. (02;02,15 - H2)29

(43) C.: Tem!... Tia... A mamãe... Vá lá comprá uns docinhos que a mamãe vai fazê docinho pra você comprá __... (03;11,27 - H8)

No primeiro contexto foi verificada a incidência 40% de nulos anafóricos; no segundo, um pouco menos: 34%. A repentina mudança constatada por Cyrino (1997) no século XX, no que se refere a objetos nulos com referente [- animado, - específico] – de 8% para 93% –, parece não ter afetado a gramática das crianças acompanhadas, pois esse é o contexto, inclusive, com maior percentual de objetos preenchidos (66%), como em:

(44) C: (Pega a xícara.) Qué suco? I: Du que?

C: Cabô. Cabô. (Vira o bule.) Faiz mais um. (02;04;18 - P3)

28

Exemplos de Cyrino & Lopes (2005: 88-9): O policial insultou o preso antes de torturar *Ø/ele. O policial insulta presos antes de torturar Ø/?eles.

29 Como já informado, crianças costumam conceber bonecos e personagens animais como [+ humanos], mas não é possível afirmá-lo com certeza. Casagrande (em preparação) está realizando experimentos para definir o caráter de animacidade desses casos mais complexos.

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Como se esperava, os casos de antecedentes proposicionais são quase categoricamente nulos. A oração (ou o predicado) vem expressa em um décimo do total do corpus, como na seqüência abaixo, em que A. introduz uma oração nova, completiva, e retoma-a na fala seguinte:

(45) S.: Essi é feiu.

C.: Num é, nem vedi é feiu. S.: É.

C.: Ela falô qui nu é.

S.: É.

C.: Fala pra ela qui nu é. (Olhando para I.). (03;04,16 - A7)

É bom deixar claro que esse tipo de retomada da oração inteira nessa categoria é diferente dos complementos expressos nas demais, ou seja, as crianças estão se valendo de uma estratégia de preenchimento específica. São 11 enunciados dessa natureza. Há também um único caso com demonstrativo com antecedente proposicional, reproduzido em (27) e repetido em (36), para ilustrar a produção de H., em que isso tem como antecedente o predicado furar o dedo.

É, pois, significativo o esvaziamento da categoria com construções de NCA (89%), como em:

(46) S: I qual é u nomi dela? C: Ela falô, é minininha.

S: U nomi dela é minininha. Pergunta Gui.

C. Comu cê chama? Ela num cuntô __. (02;10,08 - A5)

Cyrino, Duarte & Kato (2000:66, figura 2), encontram valores percentuais um pouco maiores para nulos com antecedente proposicional a partir da 2ª metade do século XIX, chegando à 2ª do XX com 92%.

Em síntese, os resultados confirmam certa atuação da hierarquia referencial (in Cyrino, Duarte & Kato, 2000, reformulada em Cyrino & Lopes, 2005), já que a opção pelo objeto nulo é mais freqüente se o traço [- animado] for associado ao [+ específico] e quando o antecedente é proposicional. Esse fenômeno foi também confirmado por Casagrande (2007),30 com um percentual em torno de 96,5% de nulos no total da amostra; desses, 44,83% carregam essa conjugação de traços.

30 Casagrande (2007) não trabalha com nomes e DPs, apenas com pronomes como forma de preenchimento.

O não esperado é a resistência da categoria vazia no contexto semântico oposto: [+ animado / - específico], apesar da hipótese da Cyrino assinalar esse contexto como possível (cf. índice de 57% no século XX).

Parece que a gramática infantil parece ser bem mais livre, no sentido de sofrer menos restrições que a dos adultos em relação ao uso de anafóricos nulos e plenos. Uma explicação plausível seria que a gramática estaria em fase instável em relação aos traços semânticos dos antecedentes. Para tal conclusão, é necessário ainda examinar o percurso dessas categorias ao longo das faixas etárias das diferentes crianças.

4.5.2. Animacidade e especificidade dos nulos anafóricos na distribuição por