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CAPÍTULO 4: DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS DE AQUISIÇÃO EM PB

4.5. Os aspectos semânticos, morfológicos e sintáticos do objeto

4.5.7. Estrutura de CP

Para exame da estrutura de CP, serão considerados somente casos em que o referente, recuperado no discurso precedente, é um constituinte nominal. Foram computados anafóricos nulos e expressos e excluídas as ocorrências de NCA.

Na observação da tabela a seguir, fica confirmado que no período de aquisição as crianças constroem, em grande parte (cf. 88,4%), sentenças com CP vazio, ou seja, sentenças-raiz (exceto as interrogativas diretas, que tem elemento em Spec de CP), orações independentes ou coordenadas. São 482 enunciados dessa natureza em um total de 545 dados (88,4%). Destoando um pouco do padrão geral, nesse contexto há um ligeiro predomínio de complementos preenchidos (por DPs, nomes nus, pronomes nominativos, entre outras formas) sobre o esvaziamento da categoria: 55% vs. 45%. Ao examinar o resultado isolado por criança, no entanto, nota-se que P. e A. privilegiam os nulos, apresentando um percentual de 62% (46 em 74 dados) e 54% (110 em 202),

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respectivamente. Somente H., com um perfil diferente de A. e extremamente oposto ao de P., preenche 69% de objetos em sentenças-raiz (143 em 206 dados).

Objetos Anafóricos vs. Estrutura de CP

Objetos Nulos Expressos Subtotal Nº % Nº % Nº %

CP VAZIO

Sentenças-raiz 219 45 263 55 482 88,4

Reduzidas sem preposição 5 63 3 37 8 1,5

ELEMENTO EM SPEC DE CP

Interrogativas 3 50 3 50 6 1,1

ELEMENTO NO NÚCLEO DE CP

Clivadas 5 63 3 37 8 1,5

Subords. com conjunção 6 50 6 50 12 2,2

Reduzidas com preposição58 10 71 4 29 14 2,6

ELEMENTO EM TopP 14 93 1 7 15 2,7 Total de construções 262 48 283 52 54559 100 Tabela 4.22. Quantidade e porcentagem de objetos anafóricos nulos e plenos

segundo a estrutura de CP

Quanto a estruturas com elementos em Spec de CP, foram encontradas seis interrogativas, todas construídas por A., revelando um equilíbrio entre nulos e expressos (50%):

(93) C: Ó, cadê a teta dela? S: U gatu comeu!

C: Puque eli comeu __? (02;10,08 - A5)

P. e H. não produzem interrogativas com objeto anafórico nas gravações observadas.

Cabe esclarecer que não apareceram no corpus relativas com objeto anafórico.60 Essas construções não admitem objetos nulos em PE, porque há restrição em ilhas, segundo concepção de variável proposta por Raposo (1986) e Brito, Duarte & Matos

58 Optou-se por separar as reduzidas encaixadas para verificar se haveria diferença quanto ao comportamento do objeto. Pelo mesmo motivo foram destacados enunciados com referente em TopP. 59 Das 637 construções com complementos anafóricos foram excluídas 92 com NCA.

60 Na 8ª faixa etária de H., há um único dado com complemento expresso, que foi desconsiderado nesta seção por ser de primeira menção: C.: Daí ela voltô pro mar, que tinha aquela rainha. (03;11,27 - H8)

(2003) – estas considerando as relativas como variantes de topicalização.61 A amostra, portanto, não possibilita investigar se há a mesma restrição em aquisição do PB, como estava inicialmente previsto como um dos objetivos da pesquisa.

Entre as construções com elementos em núcleo de CP foram computadas sentenças clivadas. Assume-se com Braga, Kato & Mioto (no prelo) que o elemento que seja um complementizador, e não partículas expletivas, ou de realce ou de ênfase, conforme nomenclatura das gramáticas tradicionais.

Há três tipos de clivadas no corpus: clivadas canônicas, ilustradas em (94) e (95); clivadas sem cópula, ou “reduzidas”, segundo os autores, em (96) e uma clivada apresentativa, em que o foco é a sentença inteira, em (97):

(94) C: Qui deu pa ela pipoca? Qui deu __ __? Queim deu __ __? S: Num sei.

C: Foi [ocê] qui deu __ __? (02;10,08 - A5)62

(95) I: Um gato mau? Levô um susto o gato, né?

C: É. Ah não é o, é o, é [o Bidu] que levô um... um susto. (03;02,07 - H6)63

(96) M: Foi a Pricila que deu...

C: [Pricila] que deu __! (02;06,27 - P4)

(97) S.: A mamãe dessa. Termina de contá a do dinossauro. Por que acabou os dinossauros? Por que não existe mais dinossauros, Gui?

C.: É que [esse grandão matou a mamãe dele]. (04;03,16 - A9)

Nas clivadas há uma vantagem de objetos nulos sobre plenos: 63%. As duas clivadas construídas por P. são com nulo, ambas sem cópula. H. emprega duas clivadas com objeto expresso e duas com nulo. A clivada apresentativa é construída por A com DP objeto (cf. a mamãe dele); produz ainda uma canônica com nulo.

Nos enunciados com conjunções subordinativas em núcleo de CP, sejam adverbiais, sejam integrantes, formas nulas e plenas competem entre si (50%): seis

61 Proposta teórica de Raposo (1986) foi revista em trabalhos posteriores (Kato & Raposo, 2001; Raposo, 2004, 2005), como indicado no capítulo 1; porém, Brito, Duarte & Matos (2003:503-5) assumem primeira proposta de Raposo e mostram a agramaticalidade em:

A: E o carro?

B: *A pessoa [que espatifou __ contra o muro da biblioteca] está presa. (Reprodução do exemplo (20) do capítulo 1).

62 Nesse exemplo, além da clivada, há mais duas construções com interrogativo em Spec de CP.

63 Há falta de concordância de tempo: o verbo da cópula no presente e levar no passado, o que não ocorre no exemplo anterior.

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dados de cada. Dessas seis construções com nulo, quatro são produzidas por A.: duas em completivas introduzidas por que, na 7ª fase, aos 03;05,00 de idade; duas com o condicional se, na 6ª e na 9ª faixa etária, como em (74), repetido neste ponto como (98):

(98) S.: Tá bom, tá bom. A gente vai dirigi. Só que agora a gente não vai mais batê __. Eu vou digiri __.

C.: E se você batê __? (antecedente = o carro) (04;03,16 - A9)

Há apenas uma de P., na 4ª faixa etária, aos 02;06,27 de idade, e outra de H., no 8º estágio, aos 03;11,27, reproduzida abaixo:

(99) M.: É pra matá o príncipe. C.: Por quê?

M.: Prá matá o príncipe? Eu não sei, quem que ela vai... C.: Acho [ que ela vai matá __...] (03;11,27 - H8)

Os resultados da pesquisa em aquisição também confirmam, apesar das poucas ocorrências disponíveis, o que Brito, Duarte & Matos (2003:505-6) postulam para a gramática adulta: a restrição de animacidade em PB em contexto de ilhas fortes (cf. capítulo 1), visto que todas as construções com nulo anafórico dessa natureza têm o antecedente [- animado], como no exemplo (98). Por outro lado, em contextos de ilhas fracas, não se verifica agramaticalidade, como assinalam as autoras, nem em PB, nem em PE, independente do traço do antecedente ser [- ou + animado]. É o que se observa no exemplo (99), cujo antecedente é [+ animado], o príncipe.

H. opta preferencialmente por formas expressas (4 em 5 casos), quando a oração tem elemento em núcleo de CP, mesmo com antecedente [- animado] na mesma função, como em:

(100) C.: Daí a velhinha falô assim: “Pode fazê isso! Você não vai furar o dedo!” (Mudando a voz.)

M.: E aí o que que acontece?

C.: E aí, quando ela pôs o dedo... Pic!... (Coloca o seu dedo na ilustração, vira a

página.) Caiu morta... (03;11,27 - H8)

Foram analisadas separadamente as encaixadas reduzidas. Não há sequer um enunciado com reduzidas na produção de P.. Tanto H. quanto A. as produzem; esta, somente a partir de 03;01,27 de idade, na 6ª faixa etária. A maioria delas traz sentido de finalidade, introduzida por para (cf. “pra você num pegá __”; “Pá pô __ aondi?”,

“Picisa de mais pá pô __ aqui”). Apesar de H. produzir um único enunciado com nulo

em infinitiva com preposição desde cedo, aos 02;02,15 de idade, é também a partir do mesmo período de A. que volta a construir outras reduzidas, com e sem preposição. Parece ser essa a fase mais propícia para a entrada de encaixadas reduzidas na gramática infantil.

O apagamento do objeto é privilegiado nas reduzidas, principalmente naquelas introduzidas por preposição (71%), mas também nas sem preposição (63%), como em:

(101) P.: Alice que tava vendo a irmã dela contá um livro. Um livro chato que só tinha coisa escrita...

C.: Deixa eu vê __? (03;05,00 - H7)

Foram ainda produzidas 15 construções com antecedente na posição de tópico, à esquerda da frase, ilustrado em:

(102) P.: Eu quero contá.

C.: Então conta, a gente não vai escutá. (Na estante vendo os livros.) Essa a gente já conto __? (03;05,00 - H7)

Dessas, 93% trazem o objeto nulo. P. produz duas; A., três; H. nove. H. é quem produz mais cedo a construção de objeto nulo com antecedente em TopP: aos 02;02,15 de idade. As outras crianças começam a empregá-la a partir da 4ª faixa, de 02;06,12 a 02;06,27 de idade.

Raposo (2004, 2005), mudando sua hipótese inicial (Raposo, 1986) de que o objeto nulo é uma variável, reconhece que em PE é também possível ocorrer em ilhas e ter natureza pronominal, como em PB (Raposo, 1998, 2004, 2005; Kato & Raposo, 2001), concordando com Galves (1998). Para a autora, a ocorrência do objeto nulo PB em contextos dos quais não se podem extrair constituintes (as chamadas “ilhas sintáticas”) leva a interpretá-lo como uma categoria vazia de natureza pronominal, isto é, um pro, sem restrições a ilhas fortes ou fracas, podendo ser identificada localmente.

Também para Costa & Duarte (2001) e Brito, Duarte & Matos (2003:505), alguns portugueses empregam o nulo em construções completivas, adjuntas, relativas e nas com sujeito oracional ― perfeitamente gramaticais.

Apesar de os dados de aquisição pesquisados apontarem para tal direção, devido à baixa ocorrência de construções dessa natureza, ainda não é possível afirmar

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seguramente se as gramáticas intermediárias não sofrem restrições ao objeto nulo em ilhas sintáticas, fortes ou fracas, ou seja, se este ocorre mais livremente do que em PE.