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CAPÍTULO 2: AQUISIÇÃO EM PORTUGUÊS BRASILEIRO

2.2. Hipótese Maturacional e Hipótese Continuísta – um controverso duelo

Para explicar a passagem do estágio inicial (GU ou S0) para o estágio final (SS),

conhecido na literatura gerativista como “problema lógico da aquisição da linguagem”, surgem algumas hipóteses. A hipótese da aquisição instantânea de Chomsky (1986), uma idealização teórica, não explica as gramáticas intermediárias entre a GU e a gramática final, visto que estipula teoricamente ser instantânea a passagem do estágio inicial (GU) para o estável (Língua-I), representada simplificadamente como: Ss ≡ S0

(Input).

Outras duas hipóteses, com diferentes pesquisadores e vertentes, propõem soluções para o dilema. Uma é a Hipótese Maturacional; outra, a Hipótese Continuísta.

A Hipótese Maturacional (cf. Felix, 1984; Borer & Wexler, 1987; Lebeaux, 1987; Guilfoyle & Noonan, 1988; Radford, 1990; Meisel, 1994, entre outros) baseia-se em um modelo biológico, em que os princípios e categorias gramaticais da GU estariam disponíveis para a criança segundo um “calendário maturacional”, que determina o que a criança produz e em que período surge cada mudança. Uma das versões dessa corrente coloca que todos os princípios estão disponíveis desde cedo na GU, mas a criança vai operá-los gradativamente, em fases específicas, obedecendo a um programa maturacional pré-estabelecido.

A Hipótese da Descontinuidade formulada por Felix (1984), também conhecida como versão forte da Hipótese Maturacional, considera que pode haver estágios de aquisição que não estejam restritos aos princípios da GU. Por outro lado, a versão fraca, de Borer & Wexler (1987), reconhece a importância da GU no controle do desenvolvimento lingüístico. Segundo os autores, algumas estruturas presentes no repertório da criança, mas não encontradas na gramática adulta, ou mesmo nas línguas naturais, seriam explicadas porque certas propriedades formais não estariam ainda operantes no estágio observado.

Todos os adeptos dessa hipótese concordam, no entanto, que as categorias funcionais emergem com o passar do tempo, enquanto as categorias lexicais estão presentes desde o início do processo de aquisição, a denominada fase pré-sintática (cf.

tese do truncamento em Radford, 1990; Guilfoyle & Noonan, 1988). A Hipótese da

dos núcleos lexicais N (nome), V (erbo), A (adjetivo) e P (preposição), não de categorias funcionais, que vão ser desenvolvidas mais tardiamente segundo uma ordem hierárquica, em estágios específicos da maturação da criança. O autor ancora sua hipótese na observação da fase telegráfica em que a criança sai de um estágio de produção de simples palavras (fase holofrástica) e chega a construir enunciados com mais de duas palavras, similares a estruturas de mini-oração da gramática adulta, sem as categorias funcionais DP, IP e CP.

Finalmente Lebeaux (1987), entre outros, clarificando os pressupostos anteriores, desvincula o desenvolvimento lingüístico da uma maturação biológica da criança, propondo que “se baseia em princípios de ordenação internos à gramática” (cf. Lopes, 1999a:66). Segundo essa hipótese, a marcação de valor de um parâmetro depende da marcação de um outro em fase anterior. Meisel acrescenta que critérios externos (mecanismos de aprendizagem) também estariam atuando na ordenação das categorias a serem fixadas.

Para Menuzzi (2001), uma das vantagens da hipótese da “maturação dos

universais lingüísticos” está em sustentar a concepção do inatismo e da GU. Reafirma,

com base em Borer & Wexler (1987), que o processo de aquisição está amparado em maturação cerebral, e não depende do desenvolvimento das capacidades cognitivas como argumenta Bloom (1990). Admite, porém, que a proposta de Borer & Wexler como a de Radford “oferecem-se como a melhor alternativa, mas não apontam

correlatos maturacionais do cérebro que pudessem sustentar, de modo independente esta hipótese”. (Menuzzi, op. cit., on line:5). A seguir, atribui a Lenneberg (1967), com

algumas restrições, as descobertas de evidências mais “positivas” acerca da maturação do cérebro. Comprovação da existência de um período crítico de aquisição, formulado por Lenneberg, foi encontrada pelos testes de Johnson & Newport (1989) em dois grupos de coreanos e chineses adquirindo inglês como L2: um de 2 aos 12 anos de idade, portanto dentro do período crítico; outro, acima de 16 anos. Concluíram que indivíduos que iniciaram o contato com o inglês entre 3 e 7 anos demonstraram conhecimento compatível com os nativos dessa língua. Isso, segundo os autores, reforça a relevância do “cronograma maturacional” no desenvolvimento da linguagem.

Os adeptos da Hipótese Continuísta (Pinker, 1984; Clahsen, 1989; Bloom, 1993; Clahsen et alii, 1994; Lopes, 2001b, entre outros) pressupõem que os princípios da GU

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estejam ativos desde o início do processo de aquisição, bem como as categorias funcionais.

A hipótese forte ou Hipótese da Oração Plena, defendida por Hyams (1986), além de sustentar a atuação de todos os princípios e categorias na GU, garante que a criança somente constrói estruturas da gramática-alvo, sem violar os princípios e seus parâmetros, mesmo que aparentemente diferenciem-se dela. Meisel (1997:23) considera essa concepção um paradoxo: “as gramáticas das crianças diferem das gramáticas dos

adultos, mas são do mesmo tipo das gramáticas maduras”.

Hyams justifica que a ausência do complementizador que não está relacionada à falta de conhecimento da categoria funcional CP. Na amostra estudada aparece um dado dessa natureza:

(2) S: I qual é u nomi dela?

C: Ela falô é minininha. (02;10,08 - A5) (= ela falou que é menininha) S: U nomi dela é minininha.

Segundo a autora, o fato de elementos gramaticais não carregarem conteúdo semântico e não serem salientes resulta numa aprendizagem em estágio mais avançado, o que não ocorre com elementos lexicais. Em outros termos, a categoria funcional está presente mesmo que o elemento funcional não esteja.

Para explicar por que certas construções surgem mais tardiamente, a Hipótese da Competência Plena aponta similaridades entre a gramática da criança e a do adulto desde os primeiros estágios e atribui as diferenças a restrições de produção. Muitos trabalhos aquisicionistas (Simões, 1997; Lopes, 1999a) já encontraram evidências de construções semelhantes à gramática-alvo desde o início do processo. Grande parte deles estuda a representação de sujeito e objeto. Simões (op. cit.), por exemplo, confirma a grande freqüência de sujeitos nulos de 3ª pessoa, encontrada por Duarte (1995) na fala de adultos, e uma maioria esmagadora de objetos nulos em um estudo de caso da produção de uma criança brasileira.

A versão fraca da Hipótese da Continuidade (cf. Clahsen, 1989; Clahsen et alii, 1994, entre outros), conhecida também como Hipótese da Aprendizagem Lexical, admite o aparecimento de estruturas não encontradas na gramática adulta, embora não violem a GU, na medida que são plausíveis em outras línguas. Postula que a

aprendizagem das categorias funcionais acontece gradativamente em função dos dados do input; daí a fase telegráfica no início do processo de aquisição destoar da gramática- alvo. À medida que a criança amplia seu vocabulário através do input, desenvolve sua memória e capacidade de processamento, redimensiona sua gramática, associando, ao léxico, propriedades específicas de sua língua, tornando-se capaz de produzir construções cada vez mais complexas (Bloom, 1990, 1993). São os desencadeadores lexicais que vão fazer funcionar os princípios que já estão disponíveis desde o início, na GU.

O fato de uma estrutura não aparecer na fala espontânea não significa que a criança não seja capaz de interpretá-la e/ou representá-la. Testes experimentais comprovam que não se trata de uma questão de competência lingüística, mas sim de

performance. São fatores externos, como restrições na capacidade de memória

(memória de curto prazo) e limitações de processamento, e não intrínsecos à língua, que justificam o aparecimento de estruturas não encontradas na língua-alvo; o que ratifica a relevância da faculdade da linguagem e a uniformidade no processo de aquisição.

Pesquisas (Bloom, 1990; Valian, 1991; Lopes, 1999a) que examinam o processo de aquisição em inglês, uma língua tipicamente de sujeito preenchido, constatam uma significativa freqüência de sujeitos nulos em estágios iniciais, como ocorre em outras línguas. A diferença é que os índices encontrados são menores do que em línguas de sujeito nulo, como o PE, o espanhol e o italiano. Observam também a diminuição de nulos com o avançar do processo, quando a criança passa a fixar as propriedades paramétricas de sua língua e se aproxima dos resultados da gramática adulta (cf. conceito de continuidade em Rizzi, 2000:269-79, mais adiante).

A grande vantagem da abordagem continuísta, assumida na presente pesquisa como orientação teórica, é reconhecer o input como ferramenta propulsora dos mecanismos de produção da criança. Outra plausibilidade das versões continuístas colocada por Lopes (2001b:124) é que “não precisam propor mecanismos de

aprendizagem que ordenem intrínseca ou extrinsecamente as categorias a serem adquiridas. Para além disso, não têm que justificar a natureza de uma gramática sem categorias que estabeleçam referência às estruturas”. Essas seriam condições

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A Hipótese Continuísta valoriza o papel da aprendizagem, não entendida como resultado de instrução, mas de seleção de propriedades (cf. título em Lopes, 2001b,

(Des)aprendizagem seletiva: argumentos em favor de uma Hipótese Continuísta para a aquisição), desprezada, de certo modo, pela crença dos oponentes de que a

operacionalização das propriedades paramétricas é possibilitada pela maturação biológica. Além disso, respeita a pilastra que sustenta a perspectiva gerativista: a existência da faculdade da linguagem que guia todo o processo.

Pretende-se neste trabalho, entre outros objetivos, destacar estruturas que estão presentes na gramática infantil, comuns à gramática-alvo (cf. conceito de continuidade em Rizzi, 2000:269, apud Lopes, 2007:78):

“a continuidade, que é claramente o fator predominante, assegura que a evidência sobre o desenvolvimento terá a ver com o objeto de pesquisa com o qual os gerativistas se preocupam, o estudo de sistemas restritos pela faculdade da linguagem humana.” (...)

Por ‘continuidade’, Rizzi entende aquilo que na gramática infantil é igual à gramática adulta sendo adquirida. Nesse caso, dados de tal natureza funcionam como evidência para a teoria gramatical.

Se fosse assumida a corrente maturacional, entre outros pressupostos, seria admitir que os resultados empíricos das diferentes crianças examinadas por pesquisadores revelariam um padrão comum, motivado pela atuação do “calendário

maturacional”. E isso não é o que se espera encontrar no exame da amostra das três

crianças, P., A. e H..